Acórdão nº 0732272 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 31 de Maio de 2007

Magistrado ResponsávelTELES DE MENEZES
Data da Resolução31 de Maio de 2007
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I.

B………. e mulher C………. instauraram a presente acção declarativa sob a forma ordinária contra D………. e mulher E………., pedindo que: a) se condenem os RR. a reconhecer que os AA. são proprietários e legítimos possuidores do prédio identificado no anterior artigo 1º; b) se condenem os RR. a reconhecer que a rua ou caminho identificada nos artigos 9º a 14º da p.i. faz parte integrante do domínio público e que os AA. têm o direito de nela passar, em toda a sua extensão e sem embaraço; c) se condenem os RR. a absterem-se da prática de quaisquer actos lesivos desses direitos, nomeadamente deixando de dificultar ou impedir o acesso de e para o prédio dos autores, através da rua ou caminho público a que se alude na anterior alínea, repondo-a no mesmo estado em que se encontrava antes de a ocuparem, ou seja, demolindo os tranqueiros e portão colocados, bem como o novo piso, que deve ser recolocado em alcatrão, de forma a que a passagem e entrada no prédio dos AA. se processe sem entraves, em qualquer local da sua extrema norte; d) se ordene o cancelamento de quaisquer registos efectuados em contrário do aqui peticionado.

Alegaram ser donos do prédio rústico que identificam no art. 1.º da p.i., o qual confronta, no seu vento norte, com a Rua ………., por o haverem adquirido por compra, mediante escritura pública de 14.2.1978 e, também, originariamente, por usucapião.

Por seu turno, os RR. são donos de um prédio urbano situado no mesmo lugar, que confronta pelo vento sul com a mencionada Rua ………. .

Rua que tem a largura de 4,50 m e se prolonga no sentido nascente-poente, entre os prédios de AA. e RR., flectindo depois para a direita, de modo a seguir no sentido sul-norte, acompanhando a extrema poente do prédio dos RR.

Os RR. fecharam essa rua, sensivelmente a meio da confrontação com o prédio dos AA., e integraram o solo por onde a mesma segue no seu prédio, tendo, para o efeito, demolido o muro que delimita o seu prédio, numa extensão de 5 m de comprimento, na sua exterma sul-poente, tendo colocado tranqueiros de betão e um portão de ferro, de modo a fechar a rua em frente a um poste de iluminação pública implantado junto do muro que delimita o prédio dos AA.

Também retiraram o alcatrão e pedra do pavimento da rua e substituíram-nos por calçada em pequenos blocos de cimento, de modo a criar a confusão entre os limites de ambos.

O solo que integra a referida rua, incluindo na parte ocupada pelos RR., é inculto, servindo de zona de passagem de pessoas, veículos e animais e permitindo livremente o acesso para todos os prédios que com ela confinam, incluindo o dos AA., existindo entradas para os prédios confinantes, devidamente delimitadas em relação ao caminho, que com ele nunca se confundiram.

Desde tempos imemoriais que todas as pessoas, de forma livre e indiscriminada, fazem passagem pela referida rua ou caminho, a pé e de carro, ali estacionando veículos, encontrando-se o mesmo afecto ao trânsito de pessoas sem discriminação, no uso directo e imediato do público, à vista de toda a gente e sem oposição de quem quer que seja, fazendo parte do domínio público.

Os AA. têm o direito de colocar a entrada do seu prédio onde melhor entenderem, deslocando-a para qualquer lugar da confrontação com a rua em causa, bem como de abrir novas entradas.

Os RR. contestaram, excepcionando a ilegitimidade dos AA., por nunca ter estado em causa o direito de propriedade dos AA. sobre o seu prédio, sendo os restantes pedidos mero reflexo daquele, acrescendo que não invocam factos que os legitimem na defesa do domínio público, que não tipificam, não estando revestidos de poderes de qualquer entidade pública para esse efeito. Impugnando, disseram que a Rua ………. é um caminho de serventia, nunca tendo sido possuído por qualquer entidade pública, que aí nunca praticou quaisquer actos de posse.

Parte do caminho, na zona em que confrontava com a via férrea, foi objecto de expropriação para alargamento desta, tendo aí deixado de existir, ficando os RR. titulares únicos da faixa de terreno entre o seu prédio urbano e o caminho de ferro, pelo que a vedaram a sul.

Os prédios de AA. e RR. estão separados por um muro que veda o prédio dos AA., pertencendo a parte calcetada do caminho ao domínio exclusivo do prédio dos RR.

Na réplica, os AA. disseram que o caminho em causa foi pavimentado pela junta de freguesia/câmara municipal, nele tendo sido colocada iluminação pública, sinalização de trânsito e rede telefónica, tendo-lhe sido aposta a denominação de Rua ………. . Tudo isto acontecendo com o conhecimento dos RR., que quando em 1998 registaram o seu prédio o colocaram a confrontar do sul com o caminho público, conforme documento junto com a p.i.

Pediram, ainda a condenação dos RR. como litigantes de má fé em multa e indemnização nunca inferior a € 1.500,00.

II.

No saneador foi julgada improcedente a excepção dilatória invocada pelos Réus.

Procedeu-se a audiência de discussão e julgamento (em cujo início foi celebrada pelas partes transacção que extinguiu parte da lide, a saber a questão do reconhecimento do direito de propriedade que integra o pedido dos AA. formulado sob a) e parte do litígio que pretendem ver resolvido com o pedido sob b)) e veio a ser proferida sentença que julgou improcedente a acção (na parte que permanecia em litígio) e absolveu os RR. do pedido que permanecia por julgar; julgando, ainda, improcedente a pretensão incidental dos AA. quanto à má fé dos Réus.

Os RR. apresentaram alegações escritas, antes da prolação da sentença, sobre o aspecto jurídico da causa, defendendo a incompetência absoluta do Tribunal a quo, que veio a ser julgado competente.

III.

Recorreram os AA., concluindo como segue a sua alegação: 1. A presente acção visa a tutela do direito de propriedade dos AA., motivo porque, como se disse na sentença em apreço, os mesmos poderiam ter limitado a sua pretensão à declaração e defesa desse direito de propriedade.

  1. Como direito real que é, o direito de propriedade tem natureza absoluta, reforçada pelo carácter de "plenitude" e "exclusividade" expressamente consagrados pelo legislador - art. 1305.º do CC.

  2. Sendo certo que, «Invocada a propriedade de determinado prédio e a obstrução de caminho de acesso ao mesmo (ou parte dele), não sfrerá dúvida séria que: a) definido o conteúdo do direito de propriedade no art. 1305.º do CC, o direito - rectius, faculdade - de acesso ao objecto dum tal direito é, necessariamente, um dos poderes em que esse direito real - absoluto, erga omnes - se desdobra» - ac. STJ de 9.5.2002, www.dgsi.pt, Proc. 02B3654.

  3. Daí que os AA. não tivessem sequer de alegar e demonstrar a natureza pública ou privada do caminho por onde querem fazer acesso ao seu prédio.

  4. Assim, para a procedência do direito dos AA. bastava a prova da sua propriedade, cabendo aos RR. o ónus de alegar e provar uma limitação ou excepção a esse direito de propriedade.

  5. Ou seja, os AA. só poderiam ver negada a sua pretensão se os RR. demonstrassem ser titulares de qualquer direito sobre o mesmo caminho incompatível com o dos primeiros.

  6. Por saberem disso é que os RR. alegaram (mas não provaram) que existia um caminho vicinal (art. 17.º da contestação) e que tal caminho se extinguiu ou "desapareceu" e, por isso, ficaram titulares únicos dele.

  7. Por isso também é que inundaram o processo de documentos sem interesse, de modo a tentarem contrariar o que é óbvio e desviarem a atenção daquilo que verdadeiramente interessa.

  8. Aliás, só por ser absurda a sua tese é que os RR. celebraram a transacção de fls. 238, pois de outro modo estariam a defender o direito de se apropriarem de toda uma rua, fechando os acessos ao prédio dos AA.

  9. Mas não esclarecem por que motivo fecharam a rua no local indicado nos autos, antevendo-se que o fizeram apenas porque no local onde colocaram o portão existe um poste de iluminação pública.

  10. De qualquer forma, não só nãos e provou qualquer limitação do direito dos AA., como se provou que os RR. não são titulares de qualquer direito sobre o caminho em causa nos autos.

  11. Efectivamente, basta ver a resposta aos quesitos 6 a 8 para concluir que o caminho em causa é exterior ao prédio dos AA. e ao dos RR., tendo ficado provado que ambos confrontam com esse caminho e que ele passa entre os prédios.

  12. E se dúvidas restassem, a resposta ao quesito 11 deixa bem claro que o prédio dos RR. estava delimitado pelo muro que foi demolido para a anexação do terreno do caminho, pelo que o caminho ficava e fica fora do seu prédio.

  13. E por saberem disso, quando registaram o seu prédio, os RR. colocaram-no a confrontar com caminho público (quesito 52).

  14. Provou-se também que pelo menos há mais de 70 anos que o acesso ao prédio dos AA. sempre se efectuou a partir desse caminho (quesito 21) e que há mais de 70 anos que todas as pessoas, incluindo os AA, de forma livre e indiscriminada, fazem passagem pelo referido caminho, a pé e de carro (quesito 16), assim como se provou que tal acontece à vista de toda a gente e sem oposição de quem quer que seja (quesitos 18 e 19), incluindo dos RR.

  15. De qualquer modo, mesmo apreciando a questão de determinar se o caminho em causa é público ou não, a acção teria de proceder.

  16. Devendo desde logo salientar-se que a forma de aquisição de direitos dos particulares sobre coisas públicas é diferente da aquisição para o domínio público de coisas particulares.

  17. A aquisição de bens para o domínio público pode resultar de apoderamento, dicatio ad patriam e posse imemorial.

  18. O primeiro caso abrange as situações de facto que revelem um apoderamento, por parte de uma autarquia, em modo de extensão ao mesmo do seu senhorio de facto, empiricamente entendido, consubstanciando o correspondente corpus e animus da posse, servindo de aquisição desde que decorram os prazos legais da usucapião.

  19. Para além do apoderamento, o carácter dominial (público) de um caminho pode também ser atribuído pelo instituto da dicatio ad patriam, «a qual consiste no...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT