Acórdão nº 0740461 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 30 de Maio de 2007
Magistrado Responsável | MARIA ELISA MARQUES |
Data da Resolução | 30 de Maio de 2007 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
I- Relatório Por Sentença proferida nos autos de processo comum nº …/05.2TAPRG, do .º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Peso da Régua, foi o arguido B……… condenado pela prática do crime de falsidade de depoimento ou declaração, p. p. pelo art. 359º, nºs1 e 2, do Código Penal, na pena de 100 (cem) dias de multa, á taxa diária de 5 Euros.
Inconformado interpôs recurso, terminando a motivação com a formulação das seguintes conclusões: "A) - Ainda que tenha sido documentada a prova produzida (artigos 3640 e 4280 n.o 2 do C. P. P.) em Audiência de Discussão e Julgamento, circunscreve o arguido o objecto do presente recurso a matéria de direito, já que, ressalvando-se sempre o enormissimo respeito por entendimento diverso, nomeadamente o vertido sob a douta sentença condenatória recorrida, a verdade é que no humilde entendimento do recorrente aquela não procedeu á adequada interpretação e consequente, subsunção legal das normas legais vigentes aplicáveis "In casu", condenando o arguido pelo crime que lhe era imputado, verificando-se assim um gravoso erro judiciário, o qual, face ao inconformismo do recorrente objectivado nesta peça, se espera venha a ser corrigido nesta instância superior.
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- Vejamos, então, as razões do inconformismo do recorrente: o arguido encontrava-se acusado da prática do crime de falsidade de depoimento, em autoria material e na forma consumada, previsto e punido pelo artigo 359° nºs 1 e 2 do Código penal, já que, segundo o libelo acusatório, no âmbito da carta precatória extraída dos autos de inquérito n.º ../02.0TAPRG, do Tribunal Judicial de Lamego, nos serviços do Ministério Público do Tribunal Judicial de Pêso da Régua, tendo sido advertido pela EX.ma Técnica de Justiça Auxiliar que executava o acto, que, quanto aos seus antecedentes criminais deveria responder em verdade, sob pena de incorrer em responsabilidade criminal, o arguido respondeu que tinha sido condenado uma vez por condução sem habilitação legal, vindo a apurar-se que o arguido tinha sido, a final, condenado pelo aludido crime mais que uma vez.
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Realizada a Audiência de discussão e Julgamento, resultaram provados, com relevância para o presente recurso, os factos que em baixo se transcrevem, insertos na douta sentença de fls. 59 e ss dos autos, a qual agora se coloca em crise.
Factos provados: 1. No dia 24 de Setembro de 2002, pelas 11.00 horas, nos serviços do Ministério Público deste tribunal, o arguido foi ouvido e constituído na qualidade de arguido no âmbito da carta precatória extraída dos autos de inquérito n.º ../02.0TAPRG, do tribunal judicial de Lamego, tendo sido advertido pela Ex.ma Técnica de Justiça Auxiliar que executava o acto, que, o arguido, quanto aos seus antecedentes criminais deveria responder com verdade, sob pena de incorrer em responsabilidade criminal.
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Pese embora tal advertência, o arguido respondeu que apenas havia respondido pela prática de um crime de condução ilegal, pelo qual foi condenado em multa.
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Veio a constatar-se, do Certificado do Registo Criminal do arguido, emitido aos 10 de Outubro de 2005, que o mesmo havia sido mais que uma vez julgado e condenado pela prática do crime de condução sem habilitação legal, em processos crimes contra si instaurados e nos quais veio a ser condenado por sentenças transitadas em julgado, em alguns deles, em pena de prisão suspensa na sua execução.
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O arguido, com a sua conduta, quis faltar á verdade quanto aos seus antecedentes criminais.
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Agiu de forma livre, voluntária, deliberada e conscientemente, bem sabendo, conforme advertência verbal e expressa que lhe foi previamente feita, que ao fornecer ao Tribunal informações falsas sobres os seus antecedentes criminais, faltava com a verdade ao Tribunal e que por isso incorria em responsabilidade criminal.
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Sabia o arguido que ao actuar da forma descrita agia de modo proibido e punido por lei, não ignorando que tal conduta era crime.
o ) Em sede de motivação de facto, sob a douta sentença, pode ainda ler-se que, o tribunal para a factualidade dada como provada, valorou a prova documental junta aos autos, bem como o depoimento da testemunha C……….., EX.ma senhora Técnica de Justiça Auxiliar, a qual confirmou que no âmbito da aludida carta precatória ouviu o arguido nessa qualidade, tendo procedido á sua identificação, tendo advertido quanto á obrigatoriedade de falar em verdade quantos aos seus antecedentes criminais, e que a falta de verdade o faria incorrer em responsabilidade criminal, designadamente no crime de falsidade de declarações.
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Ora da conjugação da matéria de facto dada como provada e respectiva fundamentação, a M.a Juiz "a quo" condenou o arguido pela prática do crime do qual vinha acusado, dando assim, a sentença proferida total acolhimento á acusação deduzida, verificando-se, assim, como já referido, no humilde entendimento do recorrente, um clamoroso erro judiciário, em consequência de uma inadequada interpretação e consequente subsunção legal do corpo de normas, que comandam o crime a que os autos se reportam, ou seja, do preceituado nos artigos 359º n.º 1 e 2 do Código Penal, 141º n.º 3 , 143º n.º 2, 144º, 3110 n.º 2 aI. a) e n.º 3 al. d) todos do c.P.P., dispositivos que se mostram violados, o que desde já se invoca, para os efeitos do preceituado no artigo 412, n.º 2 als. a) b) e c) do C.P.P.
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Na verdade, sob o crime sub judice, dispõe o artigo 3590 do Código Penal: 1 - Quem prestar falso depoimento de parte, fazendo falsas declarações relativamente a factos sob os quais deve depor (...) é punido com pena de prisão ou com pena de multa.
2 - Na mesma pena incorrem o assistente e as partes cíveis (...), bem como o arguido relativamente a declarações sobre a identidade e os antecedentes criminais O itálico e negrito é nosso ....
E certo que o arguido, não detido e submetido a interrogatório, ao abrigo do artigo 1440 do C.P.P., apenas referiu ter sido condenado uma vez, omitindo as demais condenações a que foi sujeito em processos criminais contra si instaurados.
Ora, salvo melhor entendimento, a conduta descrita não basta para o preenchimento dos elementos objectivos e subjectivos do crime em análise, tornando-se necessário que o arguido tenha o dever processual de os declinar - Comentário Conimbricense, tomo lII, pago 456. Quando quem faz o interrogatório não deve nem pode, perguntar sobre os antecedentes criminais, a falsidade da resposta nenhuma consequência deverá ter, pois o cidadão apenas tem de obedecer a ordens substancialmente legítimas.
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Neste seguimento, e desde a revisão operada pelo decreto-lei n.º 317/95 de 28 de Novembro, a única norma que determina que o arguido seja perguntado sob os seus antecedentes criminais e advertido sob as consequências penais da falta de resposta, ou falsidade da mesma, é a constante do n.º 3 do artigo 1410 do Código de Processo Penal. A epígrafe deste artigo refere que nele se regula o "o primeiro interrogatório judicial do arguido detido".
Para além daquela existe a inserta sob o 1430 n. º 2, do aludido diploma legal, que trata do "primeiro interrogatório não judicial do arguido detido", que remete, na parte aplicável para a regulamentação do artigo 1410 do c.P.P. TODOS OS OUTROS INTERROGATÓRIOS, COMO É O CASO DOS AUTOS, EM SEDE DE INQUÉRITO, INSTRUÇÃO E JULGAMENTO, de arguidos presos ou em liberdade, estão genericamente previstos no artigo 1440 do c.P.P, Ou seja, e em conclusão, a obrigação de prestar declarações sobre os antecedentes criminais só existe para o arguido detido sujeito a primeiro interrogatório, seja ele efectuado pelo MP, ou pelo juiz de instrução, mostrando-se, assim violados o preceituado nos artigos 141º n.º 3, 143º n.º 2 e 144°, todos do C.P.P.
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Passemos agora a analise da coerência da regulamentação expendida: Como referido o decreto-lei 317/95 de 28 de Novembro revogou o n.º 2 do artigo 342° do c.P.P; o qual previa que no julgamento, após a sua identificação, o arguido fosse perguntado sob os seus antecedentes criminais. Tal revogação sucedeu, por razões que se prendem com a dignidade e garantias constitucionais do arguido (Lei de autorização legislativa 90-B/95 de 1 de Setembro - aI. gg)), mas também porque a utilidade deste tipo de perguntas começava a ser despicienda, dada a possibilidade de, primeiro por FAX e depois por via informática, serem obtidos os Certificados de Registos Criminais. Diga-se que, a obrigação que impendia sobre o arguido de prestar declarações verdadeiras quanto aos seus antecedentes criminais foi de grande relevância história para a boa administração da justiça, bem jurídico protegido pelo crime em análise, na época em que os certificados de registo criminal apenas podiam ser solicitados por ofício, demorando, por vezes, semanas a ser obtida resposta. Não raras vezes, as falsas declarações sobre os antecedentes criminais eram a causa de penas mais leves ou medidas de coacção menos gravosas. A obrigação de responder com verdade sobre esta matéria, tinha, assim, para a boa administração da justiça, importância similar à obrigação de falar verdade que impende sobre testemunhas, partes cíveis, assistentes e outras pessoas que prestam depoimento sobre juramento. Note-se, que o crime em causa, está inserido no capítulo III do Título V do Código Penal, que tem a epígrafe "Dos Crimes Contra a Realização da Justiça".
Estando verdadeiramente em causa, não a punição da personalidade mais ou menos rebelde e insubmissa do arguido, mas antes aferir em que medida determinado comportamento pode ter afectado a boa administração da justiça, principio que "In Casu" não se mostra afectado, sequer de forma mínima, já que não se vislumbra qualquer crise do bem jurídico protegido e assinalado, em virtude do arguido ter respondido que tinha sido condenado uma vez, quando a final, se apurou ter sido condenado pelo mesmo crime, mais que uma vez.
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Actualmente, o tipo de cautelas históricas referidas supra, apenas se justificam relativamente ao ARGUIDO DETIDO, o qual se apresta para ser...
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