Acórdão nº 0513936 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 23 de Maio de 2007

Magistrado ResponsávelFRANCISCO MARCOLINO
Data da Resolução23 de Maio de 2007
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação do Porto Nos autos de processo comum singular n.º …/01.0PBMAI, do .º Juízo Criminal do Porto, o Digno Magistrado do M.º P.º acusou: 1. B………. nascido a 20 de Junho de 1975 em Angola, filho de C………., divorciado, manobrador de máquinas de elevação, residente na Rua ………. n.º ., ………, Rio Tinto; 2. D……….a, nascido a 19 de Janeiro de 1963 em ………, Estarreja, filho de E………. e de F………., casado, comerciante, residente na Rua ………., n.º …/…, Porto; e 3. G………., nascido a 16 de Fevereiro de 1944 em ………., Estarreja, filho de H………. e de I………., solteiro, comerciante, residente na Rua ………., ………., Estarreja.

Imputa-lhe a prática dos seguintes factos: Cerca das 19:00 horas do dia 30 de Março de 2001, os arguidos - em conjugação de vontades e esforços - entraram no estabelecimento comercial de padaria denominado «J……….», sito na Rua ………., nesta cidade e comarca, com o propósito de afastar a ofendida L………. do respectivo cargo de gerência.

Na prossecução dos respectivos intentos, os arguidos ordenaram a saída de todos os funcionários e, após, trancaram - com a respectiva chaves - a porta de saída do referido estabelecimento.

Perante a superioridade física e numérica daqueles e porque o arguido B………. lhe declarou - em tom sério, convincente e intimidatório - «eu avisei-a que não se metesse comigo», a ofendida viu-se afectada na respectiva capacidade de reacção e movimentação.

Desta forma, os arguidos lograram reter a L………. no interior do citado estabelecimento durante cerca de 1 (uma) hora e 30 (trinta) minutos, sem o seu consentimento e contra a sua vontade.

E, passado esse período de tempo, quando a ofendida se apercebeu da chegada do seu cônjuge ao exterior da padaria, correu para a porta, a fim de - com a protecção do mesmo - conseguir abandonar o local.

Ainda assim, o arguido B……….s procurou obstar a que a L………. dali saísse, agarrando-a e empurrando a porta que aquela - entretanto - lograra destrancar com as suas próprias chaves.

E a ofendida só consegui fugir para a via pública face ao auxílio do seu cônjuge, que também, exerceu força sobre a porta de entrada, em sentido contrário ao do arguido B………. .

Os arguidos agiram de forma livre, voluntária e consciente, com o propósito comum e conjuntamente concretizado de reter a L………. no interior do estabelecimento até que a mesma satisfizesse as pretensões daqueles, bem sabendo que a privavam da respectiva liberdade e capacidade de movimentação.

Não desconhecendo do carácter ilícito e criminalmente censurável das respectivas conduta, os arguidos constituíram-se co-autores materiais, e na forma consumada, de um crime de sequestro p. e p. pelo n.º 1 do art. 158º do Código Penal.

Requerida a abertura da instrução, foram os arguidos pronunciados pelos factos e com a incriminação constante da acusação.

Efectuado o julgamento, foi proferida sentença, que assim decidiu: a) Absolveu os arguidos D……….. e G………., da prática do crime de sequestro, previsto e punível pelo artigo 158º, n.º1, do Código Penal; b) Condenou o arguido B……….., pela prática, em autoria material, de um crime de coacção, sob a forma tentada, previsto e punível pelos artigos 14º, n.º1, 22.º, 23º, 73.º, n.º1, alínea c), e 154º, nos 1 e 2, todos do Código Penal, na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa, à taxa diária de € 5 (cinco euros), o que perfaz o montante global de € 600 (seiscentos euros).

  1. Absolveu os arguidos/demandados cíveis D………. e G………. do pedido cível contra os mesmos deduzido; d) Condenou o arguido/demandado cível, B………., a pagarem à assistente, L………., a quantia de € 500 (quinhentos euros), a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros moratórios, à taxa de 4%, desde a presente data até integral pagamento.

Inconformado, o arguido B………. interpôs recurso, tendo extraído da sua motivação as seguintes conclusões: 1. O Tribunal a quo, por entender não estarem preenchidos os elementos objectivos e subjectivos do crime de sequestro imputado ao Arguido, acabou por julga-lo pelo crime de coacção, sob a forma tentada.

  1. Fundamentou tal decisão através da convolação jurídica operada tendo em atenção os factos dados como provados e por tal situação não corresponder a uma alteração substancial dos factos, mas antes uma alteração da qualificação jurídica.

  2. Ora, salvo devido respeito, não pode o Recorrente concordar com tais argumentos por, na verdade, o Meritíssimo Juiz a quo ter efectuado uma alteração substancial dos factos descritos no Despacho de Pronúncia.

  3. Verificou-se que, na matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo, foram acrescentados factos não constantes no Despacho de Pronúncia.

  4. Tal ampliação da matéria de facto não poder ser permitida sob pena da violação do princípio de defesa do Arguido constitucionalmente consagrado.

  5. O Arguido preparou toda a sua defesa tendo em atenção os factos que lhe foram imputados e não quaisquer outros, carreando aos autos os meios de prova para o efeito.

  6. O art. 1º, alínea f) do C.P.P. define a alteração substancial dos factos como aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis.

  7. Daqui decorre que o legislador consagrou dois critérios autónomos e alternativos para definir o conceito: imputação ao arguido de crime diverso e agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis.

  8. Articulando o conteúdo da Douta Sentença com o exposto, logo resulta que o Arguido foi condenado por crime diferente daquele por que vinha acusado, cuja moldura penal abstracta é menos gravosa.

  9. Acresce dizer ainda que, a presente defesa preparou-se para contestar um crime de sequestro, tendo ficado comprometida quando confrontada com factos novos, não obstante conduzir a uma pena menos gravosa, mas mesmo assim condenatória, quando o Arguido, com base nos factos constantes no Despacho de Pronúncia teria sido absolvido.

  10. É certo que, aquando da leitura da sentença foi dada a palavra ao Arguido para se pronunciar sobre a convolação jurídica dos factos e que nada foi requerido.

  11. Porém, não foi lhe foi comunicado uma alteração substancial dos factos, ou seja não foi dado cumprimento ao art. 359° n.° 1 e 2 do C.P.P.

  12. Tal alteração não pode ser levada em conta para efeitos de condenação.

  13. Deverá a sentença ser considerada nula por violar o disposto no art. 379° n.° 1 al. b) do C.P.P.

  14. E, em consequência, deverá o Tribunal ad quem absolver o Arguido.

    Caso assim não se entenda, em via subsidiária, 16. Em nenhum momento, o ora Recorrente valorou a sua acção -pedir a devolução da chave - no sentido de constranger a vontade da assistente, 17. O Recorrente não agiu com dolo em sentido estrito, nem dolo eventual.

  15. O alegado meio usado não deverá ser considerado censurável porquanto o simples acto de agarrar um braço não significa forçosamente emprego de violência ou ameaça de violência.

  16. Não se verificam preenchidos os pressupostos do crime de coacção sob forma tentada do que é condenado o Recorrente.

    Termos em que, e nos demais de direito, deverá ser dado provimento ao presente recurso, declarando nula a sentença por violar o disposto no art. 379° n.° 1 al. b) do CPP, e, em consequência, absolver o Arguido do crime que lhe foi imputado no Despacho de Pronúncia; Ou, se assim não se entender, deverá a Douta Sentença ser revogada e substituída por Acórdão Absolutória por não estarem preenchidos os pressupostos do crime de coacção sob a forma tentada de que foi condenado.

    Respondeu o M.º P.º com as seguintes conclusões: 1. Neste caso, a matéria fáctica considerada como provada na douta decisão recorrida não correspondeu a qualquer "ampliação da matéria de facto", antes a uma especificação da mesma.

  17. Tal alteração não afectou a identidade do objecto do processo, pois é certo que, na sua essência, não correspondeu à imputação de um crime diverso ao arguido, ao contrário do que pretende o recorrente, nem à agravação das sanções aplicáveis ao mesmo.

  18. A concretização do modo de actuação do arguido que se veio a apurar em julgamento e foi vertida na matéria de facto dada como provada, não representa mais do que uma pormenorização dos factos que já constavam da pronúncia e que, por isso mesmo, consubstancia uma alteração simples desses factos, que se reconduz naturalmente ao mesmo "facto histórico" e que não o "desfigura", não configurando tais factos, em si mesmos, qualquer surpresa para a defesa.

  19. A convolação realizada pelo M.º Juiz a quo inscreve-se no âmbito de um concurso aparente de normas, existindo uma relação de consunção entre o crime de coacção e o de sequestro (existe uma sobreposição dos bens jurídicos protegidos por ambos os tipos - a liberdade pessoal).

  20. Tratou-se de uma alteração não substancial dos factos descritos na pronúncia, com relevo para a decisão da causa, a qual foi tempestivamente comunicada ao arguido nos termos e para...

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