Acórdão nº 0710439 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 23 de Maio de 2007
Magistrado Responsável | JORGE FRANÇA |
Data da Resolução | 23 de Maio de 2007 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
ACORDAM NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO Nos autos de Processo Comum (Singular) que, sob o n.º.../02.8TAVRL correram termos pelo .ºJuízo do Tribunal Judicial de Vila Real, foi a arguida B………., submetida a julgamento, acusada pela prática de um crime de injúria qualificada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos o art.ºs 181º, n.º1, e 184º, com referência à alínea j) do n.º2 do art.º 132º, todos do C. Penal.
A fls. 24 e ss, a assistente C………. deduziu acusação particular contra a mesma arguida, imputando-lhe a prática de um crime de difamação, p. e p. pelo art.º 180º do C. Penal.
A fls. 26 e ss, a assistente C………. deduziu pedido de indemnização civil contra a arguida, peticionando a condenação desta a pagar-lhe quantia de € 1.000,00 porquanto a conduta da arguida foi no sentido de denegrir a honorabilidade profissional da demandante perante os seus doentes, pretendendo quebrar o elo de confiança que deve existir entre eles, gozando a demandante de uma reputação profissional inquestionável.
Efectuado o julgamento, viria a ser proferida sentença decidindo absolver a arguida relativamente a ambas as acusações e absolvendo-a também do pedido civil formulado.
Inconformada, a assistente interpôs o presente recurso que motivou, concluindo nos seguintes termos: 1.Na douta sentença impugnada deu-se como não provado que "…a arguida arremessou para cima da secretária da ofendida medicamentos supostamente por ela prescritos e disse-lhe repetidamente, em tom de voz alto e perfeitamente audível por quem estivesse nas proximidades: "Você receitou-me mal os medicamentos, você é uma incompetente, vá-se embora"; 2.No mesmo sentido se julgou ao dar-se como não provado que a arguida "Actuou da sobredita forma com a intenção de ofender, como de facto ofendeu, a sua honra e consideração enquanto membro do corpo clínico do Centro de Saúde, bem sabendo que a sua conduta era adequada a atingir essa finalidade; Agiu consciente e livremente, e com perfeito conhecimento de que a sua conduta era proibida por lei."; 3.Tal resultou, em parte, porque a M. Juiz "a quo" olvidou parte substancial das declarações prestadas pelas testemunhas em sede de audiência de julgamento, demitindo-se da exigência de objectivação que lhe era devida em sede de fundamentação da matéria de facto (artº 374º, nº 2 do C.P.C.); 4. E, por outro lado, pese embora a ausência de uma prova irredutivelmente dúbia, entendeu que a simples existência de prova divergente é corolário bastante para aplicação do princípio "in dúbio pró reo"; 5.Assim, pese embora a contingência deste tipo de recursos (o tribunal "ad quem" não olha o rosto do depoente, não sente as suas hesitações, o seu tom de voz, a espontaneidade das respostas) a boa verdade é que a transcrição das declarações prestadas é bastante para aquilatar da prova produzida; 6.Tudo porque a M.ª Juiz "a quo" ao olvidar depoimentos essenciais, não tece qualquer reparo crítico que desvalorize, diminua ou afaste as declarações prestadas pelas testemunhas identificadas na presente peça processual; 7.Nesse leque se inclui o depoimento da assistente (prova admissível - artºs 145º e 346º, ambos do C.P.P.) e das testemunhas D……….; E……….; F……….; G……….; H……….; I………. e J……….; 8.Sendo que da conjugação de tais depoimentos resulta claro que a arguida praticou os factos pelos quais se encontrava acusada e, como tal, incorreu na pratica de um crime de injúria qualificada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos o artº.s 181°, n.º1, e 184º, com referência à alínea j) do n.º 2 do art.º 132º, todos do C. Penal; 9.E, consequentemente, se impõe a sua condenação; 10.Finalmente, impõe-se, atenta a prova produzida e assinalada nesta sede, que seja julgada provada a matéria constante do pedido de indemnização cível, ou seja, que "A assistente ficou seriamente incomodada e perturbada com tal comportamento; Decorrido este tempo, desde a data dos factos, a assistente sente-se ainda muito envergonhada e humilhada; A demandada teve a intenção de denegrir a honorabilidade profissional da demandante perante os seus doentes, querendo quebrar o elo de confiança que deve existir nas relações médico-paciente. A arguida bem sabia que a sua atitude era prejudicial para o exercício da profissão da demandante."; 11.Julgando-se, assim, procedente, por provado o pedido de indemnização cível e, consequentemente, arbitrar-se à recorrente a indemnização peticionada a titulo de danos morais; 12.Ao não decidir da forma pugnada, a M.ª Juiz "a quo" violou, por erro de aplicação e interpretação, o preceituado nos artº.s 124º, 127º, 145º, 346º, 374º, nº 2, todos do C.P.P. e artº.s 181°, n.º1, e 184º, com referência à alínea j) do n.º 2 do art.º 132º, todos do C. Penal.
Respondeu o MP em primeira instância, concluindo pela procedência do recurso.
Também a arguida/recorrida respondeu, suscitando a questão prévia da rejeição do recurso, por «falta de motivação válida»; no mais, conclui pela improcedência do recurso.
Nesta Relação, o Ex.mo PGA emitiu douto parecer concluindo pelo provimento do recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
FACTOS ASSENTES: 1.º No dia 11 de Novembro de 2002, cerca das 9.30 horas, na extensão de L………. - Vila Real, a arguida, dirigiu-se ao consultório da ofendida C………., médica do aludido estabelecimento público e que então ali se encontrava de serviço, bateu à porta e entrou no meio de uma consulta que se encontrava a decorrer, abordando a ofendida no sentido de lhe passar outra receita porquanto os medicamentos que lhe tinha prescrito não chegavam.
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Perante tal atitude, a assistente disse à arguida para sair e esperar pela sua vez.
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A arguida não acatou o que a assistente lhe acabara de dizer e insistiu na sua pretensão, começando a falar alto e em tom de voz já exaltado.
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Houve troca de palavras de teor não concretamente apurado, tendo acabado a assistente e a arguida por se chamar "mal criada" uma à outra.
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A arguida não tem antecedentes criminais.
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A arguida é considerada, por quem a conhece, como pessoa respeitadora e respeitada.
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A assistente é considerada, por alguns dos utentes, como pessoa conflituosa.
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A arguida é viúva, doméstica, auferindo cerca de € 180,00 mensais a título de reforma.
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Vive sozinha, em casa própria.
FACTOS NÃO PROVADOS: Da audiência de discussão e julgamento e com interesse para a decisão da causa, resultaram não provados os seguintes factos:
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No dia, hora e local supra referidos em 1.º, a arguida arremessou para cima da secretária da ofendida medicamentos supostamente por ela prescritos e disse-lhe repetidamente, em tom de voz alto e perfeitamente audível por quem estivesse nas proximidades: "Você receitou-me mal os medicamentos, você é uma incompetente, vá-se embora".
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Actuou da sobredita forma com a intenção de ofender, como de facto ofendeu, a sua honra e consideração enquanto membro do corpo clínico do Centro de Saúde, bem sabendo que a sua conduta era adequada a atingir essa finalidade.
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Agiu consciente e livremente, e com perfeito conhecimento de que a sua conduta era proibida por lei.
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Quando se encontrava na sala de espera do referido Centro de Saúde, a arguida dirigiu-se aos utentes presentes, num tom pejorativo, dizendo que "se querem saber como ela me receitou os remédios, venham todos para a rua que eu explico-vos" e) Não satisfeita, a arguida continuou a proferir mais impropérios, perante todos os utentes presentes, dizendo que "esta médica é uma incompetente" f) Tais palavras foram proferidas por repetidas vezes, em voz alta e perfeitamente audíveis por quem se encontrava no local.
g)A arguida agiu de forma consciente e com intenção de humilhar a assistente, ofendendo a sua honra e...
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