Acórdão nº 0740636 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 09 de Maio de 2007

Magistrado ResponsávelPINTO MONTEIRO
Data da Resolução09 de Maio de 2007
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam, em audiência, no Tribunal da Relação do Porto: Inconformado com a sentença do Tribunal Judicial de Famalicão que o condenou pela prática de 4 contra-ordenações p.p. nos termos dos arts. 7.º, n.º1, e 20.º, n.º1, da Lei n.º25/06, de 30/06, em 4 taxas de portagem, no valor, cada uma, de €6,00, e em 4 coimas, no valor, cada uma, de €65,00, dela recorreu o arguido B………., devidamente identificado nos autos a fls. 51, tendo concluído a motivação nos termos seguintes: 1 - Os factos que são objecto do processo podiam ser reconduzidos, à data da sua prática, a transgressões, tal como se achava previsto no art. 1.º n.º2 do DL 42/2004 de 2 de Março. Esse diploma foi entretanto revogado pela Lei 25/06, de 30/06 à face da qual seriam tais factos passíveis de constituir contra-ordenações.

2 - Porque os ilícitos criminais e os de mera ordenação social configuram infracções com natureza essencialmente distinta, a revogação do art. 1.º n.º2 e a entrada em vigor da nova Lei não suscitou um caso de sucessão de leis penais, a que seja de aplicar a regra do n.º4 do art. 2.º do Código Penal.

3 - Operou antes uma despenalização da conduta, com efeitos retroactivos nos termos previstos no n.º2 da mesma disposição e no n.º4 do art. 29.º, da Constituição, devendo a questão da aplicabilidade da nova norma contra-ordenacional a factos anteriores ao ilícito de vigência desta ser resolvida de acordo com as regras que definem o seu âmbito de abrangência temporal.

4 - A este respeito, rege o princípio consagrado no art. 2.º e no n.º1 do art. 3.º do RGCO, não derrogado por qualquer norma transitória, e segundo o qual a lei não se aplica a factos praticados anteriormente à sua entrada em vigor.

5 - Ao considerar que, por factos anteriores ao início da vigência da Lei 25/06 de 30 de Junho, o arguido incorreu na prática de uma contra-ordenação p. e p. pelo art. 7.º deste diploma, a douta Decisão Recorrida fez portanto indevida aplicação do disposto no n.º4 do art.º 2.º do Código Penal e violou o estabelecido no art. 2.º e n.º1 do art. 3.º do RGCO, devendo ser revogada com as legais consequências. Inexiste lei anterior aos factos a declará-los puníveis como coima.

6 - A questão que importa dilucidar no presente recurso é a de saber qual a consequência da convolação de um ilícito criminal em mero ilícito de contra-ordenação social, quando o arguido pratica a conduta proibida no momento em que ela é tipificada como crime e vai ser julgado no momento em que o legislador a pune como contra-ordenação.

7 - Por força da Constituição, ninguém pode ser sentenciado criminalmente senão em virtude de lei anterior que declare punível a acção ou omissão. E só é punido com uma contra-ordenação aquele que praticar um facto descrito e declarado passível de coima por lei anterior ao momento da sua prática (art. 2.º do Regime Geral das Contra-Ordenações).

8 - Assim, valendo o princípio nullum crimen sine lege tanto em matéria de direito penal como contra-ordenacional, o agente que pratica a conduta proibida no momento em que ela é tipificada como crime e vai ser julgado numa altura em que o legislador a pune como contra-ordenação não poderá ser punido quer pela prática do crime (porque entretanto se operou a descriminalização), quer pela prática da contra-ordenação (porque o facto não era descrito e declarado passível de coima por lei anterior ao momento da sua prática).

9 - A conduta do arguido está despenalizada, não relevando mesmo em termos contra-ordenacionais - neste sentido Ac do STJ de 09/05/2002, P-02P628 in www.dgsi.pt.

10 - A Lei 25/2006 de 30 de Junho, que transformou a presente transgressão em contra-ordenação, é uma lei descriminalizadora ou despenalizadora, porquanto deixaram tais factos de merecer tratamento criminal, sancionados com penas, por força da aplicação retroactiva da lei nova despenalizadora nos termos do art. 29.º n.º4, 2.ª parte da CRP.

11 - Nestas circunstâncias a conduta do arguido deixou de integrar qualquer transgressão ou contra-ordenação.

Deixaram pois, os factos sub judice, de ser sancionados, porque inexiste norma penal que os sancione e inexistia norma contra-ordenacional que os punisse à data da sua prática.

12 - Neste sentido, o Dr. Taipa de Carvalho in "Sucessão de Leis Penais", 2.ª edição revista, pgs. 120 e segs., trata aprofundadamente a questão. A contra-ordenação é uma infracção de natureza administrativa, distinta, na sua natureza essencial e nos fins do seu sancionamento (punição), da infracção penal - o crime e mesmo a contravenção -, não pode existir a mínima dúvida de que a conversão legislativa de uma infracção penal numa contra-ordenação constitui uma despenalização da respectiva conduta e, necessariamente (CRP, art. 29.º, 4, 2.ª parte; CP 1982/95, art. 2.º, 2; CP 1886, art. 6.º, 1), tem eficácia retroactiva; jamais, a partir da entrada em vigor da lei que alterou a qualificação, poderá aplicar-se a L.A. e, tendo já sido aplicada em sentença transitada em julgado, cessam a execução da pena e os efeitos penais da condenação. A responsabilidade penal, derivada do facto praticado antes do início da vigência da L. N., extingue-se plenamente.

13 - Problema diferente - é o da eficácia temporal da L. N., na medida em que passou a qualificar o facto (a hipótese legal) como contra-ordenação. Ora o princípio geral é o de que a lei que "cria" contra-ordenações só se aplica aos factos praticados depois da sua entrada em vigor (Dec. Lei n.º 433/82, art. 3.º, 1 - eficácia pós-activa).

14 - A eficácia temporal da lei penal tem de ser a de que a lei que converte um crime (ou uma contravenção) numa contra-ordenação é uma lei despenalizadora e, em consequência, extingue toda a responsabilidade penal (pena principal e penas acessórias e...

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