Acórdão nº 0710448 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 28 de Março de 2007

Magistrado ResponsávelÉLIA SÃO PEDRO
Data da Resolução28 de Março de 2007
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam, em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto 1.Relatório O Ministério Público junto do Tribunal Judicial da Póvoa de Varzim recorreu para esta Relação da decisão de não pronúncia proferida nos autos de instrução n.º …./05.1PAVZ, formulando as seguintes conclusões: 1. Não existe qualquer alteração dos factos que constam da acusação pública deduzida nos autos contra o arguido B……….; 2. Dos actos de instrução resultou indiciado suficientemente que o arguido praticou parte dos factos que constam da acusação e que tais factos consubstanciam a prática pelo mesmo de um crime menos gravoso, neste caso, um criem de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art. 143º n.º 1 do C. Penal; 3. O arguido pôde-se defender de todos os factos que constavam da acusação pública e, portanto, também dos factos que se mostram indiciados no final da instrução; 4. Alteração da qualificação jurídica não é o mesmo que alteração dos factos; 5. No caso, a alteração da qualificação jurídica não dá lugar a qualquer comunicação ao arguido ou aos restantes intervenientes processuais, já que não se trata de alteração de factos; 6. A M.ª Juiz deveria ter proferido despacho de não pronúncia quanto aos factos que são imputados ao arguido na acusação pública e que integram a prática de um crime de maus-tratos a cônjuge e despacho de não pronúncia quanto aos factos indiciados suficientemente que integram a prática do crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art. 143ºn.º 1 do C. Penal.

  1. Pelo que a decisão recorrida violou o disposto nos arts. 303º e 308º do CPP.

    Conclui pedindo a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que pronuncie o arguido pela prática do crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art. 143º n.º 1 do C. Penal.

    O arguido B………. respondeu à motivação de recurso, concluindo, em síntese: - O arguido vinha acusado de uma série infindável de factos; - Finda a instrução, os factos imputados ao arguido tinham caído por terra, pelo que não podia ser pronunciado pelo crime de maus-tratos a cônjuge de que vinha acusado; - Porque o crime de maus-tratos a cônjuge exige um comportamento reiterado do arguido que se apurou não existir, mas também porque se apurou que, afinal, o arguido não tinha praticado os factos de que era acusado; - Mesmo em relação aos factos ocorridos em 21.11.05, conclui-se que o arguido não tinha insultado a cônjuge, nem lhe tinha agarrado pelo pescoço e apenas havia indícios de uma marca no braço direito da queixosa; - Não se pode assim falar de alteração da qualificação jurídica dos factos; - Só haveria alteração da qualificação jurídica dos factos se, no final da instrução, se concluísse que os factos imputados ao arguido tinham efectivamente ocorrido, mas se lhes tinha atribuído outro enquadramento jurídico, a ponto de configurarem um crime diferente daquele que constava da acusação; - Do que sobrava da acusação, corresponde a um crime diverso daquele de que o arguido era acusado, isto é, um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art. 143º n.º 1 do C. Penal.

    - Nem sequer é uma mera alteração da gravidade ou do elemento qualificador ou agravativo do criem de que vinha acusado, mas sim a atribuição de um crime diverso, por assentar em factos diversos, uma vez que caíram por terra aqueles que lhe eram imputados; - Segundo o art. 1º, n.º 1 al. f) do CPP, a imputação ao arguido de um crime diferente daquele de que vinha acusado constitui uma alteração substancial dos factos; - O art. 303º, n.º 3 do CPP determina eu, se em sede de instrução resultar fundada suspeita da verificação de factos que importem uma alteração substancial da acusação ou do RAI, o MP deve abrir inquérito quanto a eles; - Foi o que se passou no caso vertente; a Sr.ª Juiz de instrução tinha que ordenar a extracção de certidão ao MP, para abrir inquérito quanto à eventual prática, pelo arguido, do crime de ofensa à integridade física.

    Nesta Relação, o Ex.º Procurador-geral Adjunto foi de parecer que "o recurso deve proceder, devendo revogar-se a decisão instrutória recorrida e ordenar-se a reabertura do debate instrutório para que se cumpra o disposto no art. 303º, n.º 1 do CPP quanto aos factos constantes da acusação reportados ao dia 21 de Novembro de 2005, considerados suficientemente indiciados e passíveis de integrar, não o crime de maus-tratos apontado na acusação, mas o de ofensas à integridade física simples".

    Cumprido o disposto no art. 417º, 2 CPP o arguido respondeu, mantendo a posição já assumida nos autos.

    Colhidos os vistos legais, foi o processo submetido à conferência.

  2. Fundamentação 2.1 Matéria de facto Com interesse para a decisão do presente recurso, consideramos assentes os seguintes factos e ocorrências processuais: a) O MP requereu o julgamento em processo comum e perante tribunal singular do arguido B………., imputando-lhe a prática de um crime de maus-tratos a cônjuge, p. e p. pelo art. 152º, n.º 2 do C. Penal (fls. 44 a 46); b) O arguido, discordando de tal acusação, requereu a abertura de instrução (fls. 55 a 62); c) Efectuado o debate instrutório, a Sr.ª Juiz proferiu decisão de não pronúncia, cujo teor (na parte que agora interessa) é o seguinte: "(…) Vejamos então o que resulta dos presentes autos. Aqui temos duas versões: uma, apresentada pela queixosa, dando conta que o arguido, nos últimos 15 anos de casamento, lhe vem infligindo maus-tratos físicos, desferindo-lhe socos e pontapés em várias partes do corpo, bem como frequentemente a insultava de "sua puta, sua vaca, vou-te foder". A única testemunha inquirida no inquérito referiu nunca ter presenciado os maus-tratos de que a queixosa, de há cerca de três anos a esta parte se vem queixando. Em tais relatos a queixosa deu-lhe conta que o arguido a insulta frequentemente de "filha da puta, insureta, vaca e louca" e que a ameaçava de morte. Mais disse que no dia 21.11.2005 a queixosa apareceu em sua casa, cerca das 11:30 horas, queixando-se que o marido a tinha agredido, tendo esganá-la com as mãos no pescoço, tendo-a inicialmente empurrado pelas escadas e que a mesma ficou com...

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