Acórdão nº 0646074 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 28 de Fevereiro de 2007

Magistrado ResponsávelERNESTO NASCIMENTO
Data da Resolução28 de Fevereiro de 2007
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam, em audiência, na 2ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto I. Relatório I. 1. Na .ª Vara Criminal da Comarca do Porto, foi B………., submetido a julgamento, em processo comum com a intervenção do Tribunal Colectivo, acusado pelo MP, em autoria material, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 203º/1 e 204º/2 alínea a), ambos do Código Penal, na sequência do que veio a ser condenado na pena de 2 anos de prisão, cuja execução foi suspensa pelo período de 18 meses, com a condição de pagar ao assistente a quantia de € 20 400.00, no prazo de 12 meses.

Foi ainda condenado a pagar ao assistente, a título de indemnização, pelos danos patrimoniais, o valor de € 20 400.00, acrescido de juros de mora à taxa legal de 4%, desde a data da notificação até efectivo e integral pagamento e ainda a quantia de € 500.00, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais.

Inconformado com o acórdão, dele interpôs o arguido, recurso, que motivou, concluindo nos seguintes termos: 1. impugna-se a decisão proferida sobre a matéria de facto, no que respeita aos pontos acima enunciados, uma vez, que nenhuma prova foi produzida no sentido positivo e, a valoração dos documentos contraria o disposto no artigo 355º C P Penal, por nem todos terem ido objecto de exame em audiência de julgamento.

  1. Aceita-se que as testemunhas indicadas pelo assistente e arguido se limitaram a revelar o que cada um daqueles lhe diziam, pelo que, a prova reduz-se prática e essencialmente aos depoimentos de cada um dos sujeitos processuais, o que determina o benefício da dúvida para o arguido.

  2. E, com todo o respeito pelo Tribunal a quo, não se aceita que na valoração da prova, o depoimento do assistente tivesse sido mais credível do que o do arguido.

  3. Desde logo não podemos deixar de salientar a incoerência e contradição do assistente que, ora afirma que o arguido se apropriou da quantia que lhe pertencia, para logo afirmar que tudo não passou de alguma confusão motivada pela sua avançada idade.

  4. Por outro lado, não podem passar em claro os subterfúgios e ziguezagues do assistente, sempre com o exclusivo intuito de manter vantagens patrimoniais. No inventário por óbito da mãe do arguido procurou omitir bens a partilhar, como se veio a comprovar na partilha adicional, por agora de um jazigo.

  5. Agora, alega que pretendia evitar que a sua esposa se apropriasse de quantias em dinheiro.

  6. Por sua vez, o arguido, nunca agiu com propósitos materialistas, mantendo sempre uma conduta ética e moralmente correcta para com o assistente que, apesar dos constantes conflitos que este provoca, não impediram aquele de lhe prestar apoio nas sucessivas crises conjugais.

  7. Entendeu sempre o arguido que a abertura da aludida conta bancária, correspondeu apenas à reposição de parte de um direito que ainda lhe assiste e, que é o de receber a sua quota-parte na herança aberta por óbito da sua mãe e, que ainda está a tempo de exigir.

  8. Portanto, não se pode afirmar que o arguido teve a intenção de se apropriar da mencionada quanta em dinheiro ou, pelo menos, representou globalmente os elementos do tipo do crime que lhe é imputado.

  9. Efectivamente, o arguido teve sempre a firma convicção que tal montante lhe pertence, pelo que, também não se encontra preenchido o tipo subjectivo de ilícito, tendo agido sempre com o carácter próprio com que representou a importância depositada.

  10. Sendo certo que, o assistente também não demonstrou que a importância em causa fosse da sua exclusiva propriedade, sendo insuficiente a demonstração de que tal montante saiu de uma outra conta de que aquela também era titular.

  11. Ainda que assim não se entenda, o consentimento e o acordo do assistente, reconhecido expressamente no seu depoimento e o resultante do contrato de depósito, para a movimentação da conta bancária são formas límpidas e transparentes a mostrarem quer a exclusão do ilícito, quer a própria inexistência do preenchimento do tipo, conforme o previsto no artigo 38º C Penal.

  12. O arguido não cometeu o ilícito criminal que lhe é imputado e mantém a legítima expectativa de que o acórdão recorrido será revogado quanto à constituição do tipo de crime, mas, por mera cautela, sempre se terá de considerar que a condição imposta ao arguido para a suspensão da pena aplicada não é razoável de lhe exigir, atenta a situação económica que já se encontra demonstrada nos autos, tendo o acórdão recorrido efectuado errada interpretação e aplicação do disposto no nº. 2 do artigo 51º C Penal.

  13. Face a tudo o que se alega, fica directa e necessariamente prejudicado o pedido cível, uma vez que, este está dependente do ilícito penal.

  14. Ora, não subsistindo aquele, deixa de existir obrigação de indemnização.

Na 1º Instância respondeu quer o MP, quer o assistente, pronunciando-se ambos, pelo não provimento do recurso.

  1. Neste Tribunal, o Exmo. Procurador Geral Adjunto, concordando coma posição assumida pelo MP na 1ª instância, suscita, no entanto a questão de que os factos dados como provados, não consubstanciarão a prática do crime de furto, pelo qual o recorrente foi condenado, antes, integrarão o crime de abuso de confiança, p. e p. pelo artigo 205º/1 e 4 alínea b) C Penal, devendo a decisão recorrida ser mantida, negando-se provimento ao recurso, não obstante a moldura penal abstracta diversa, sendo que a pena concreta não vem colocada em causa.

    No cumprimento do artigo 417º/2 C P Penal, nada foi adiantado.

    Foram colhidos os vistos legais.

    Procedeu-se a julgamento com observância do legal formalismo.

    Cumpre decidir.

  2. Fundamentação III. 1. Como é por todos consabido, são as conclusões, resumo das razões do pedido, extraídas pelo recorrente, a partir da sua motivação, que define e delimita o objecto do recurso, artigo 412º/1 C P Penal.

    No caso presente, de harmonia com as conclusões apresentadas, suscita o recorrente para apreciação, as seguintes questões: impugnação da matéria de facto; qualificação jurídica dos factos; saber se existe alguma causa de exclusão da ilicitude; saber se é razoável a condição imposta para a suspensão da execução da pena; reflexo de tudo isto, no tocante ao pedido cível.

  3. 3. Passemos agora aos fundamentos do recurso.

    Vejamos primeiro, a matéria de facto definida pelo Tribunal recorrido: Factos Provados o arguido é filho do assistente.

    Em 12 de Abril de 2002, o assistente possuía a quantia monetária de 20.903,04€, a qual já havia depositado anteriormente na conta à ordem com o número ………….., aberta na agência da C………., sita em ………., no Porto, em nome próprio e da sua mulher D………. .

    Todavia e em virtude de se ter desentendido com a sua mulher, o assistente acordou com o arguido, em abrirem na mesma agência bancária a conta conjunta com o número ………….., para onde o assistente, no mesmo dia, veio a transferir o referido dinheiro, a fim de evitar que a sua mulher se viesse a apoderar do mesmo contra a sua vontade.

    Nessa altura, assistente e arguido acordaram também que a abertura daquela conta apenas visava aquele fim e que o dinheiro pertencia ao assistente.

    Porém, no dia 27 de Abril de 2002, o arguido dirigiu-se à mesma agência bancária e, daquela conta bancária, procedeu ao levantamento da quantia de 20.400€, a qual integrou no seu património e fez coisa sua, nunca mais a tendo devolvido ao assistente, não obstante as várias interpelações por este feitas.

    O arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, com o propósito concretizado de fazer sua a referida quantia monetária de 20.400€, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.

    Bem sabia também que o dinheiro não lhe pertencia e que o assistente apenas transferiu tal dinheiro para aquela conta em virtude da confiança derivada da sua relação de parentesco e para acautelar a sua eventual apropriação pela sua mulher.

    O arguido não tem quaisquer antecedentes criminais.

    É reputado pelas pessoas que consigo convivem como pessoa séria educada e respeitadora.

    É casado, tendo 3 filhos. Exerce a profissão de gerente comercial, pela qual aufere a quantia de 500€ mensais. Vive em casa própria pagando cerca de 500€ mensais de empréstimo bancário. Estudou até ao 7.º ano de escolaridade.

    Com a conduta do arguido, o assistente ficou preocupado, ansioso e triste, sentimentos esses que se exacerbaram em virtude de tais factos terem sido praticados por um filho.

    Factos não provados Não resultaram provados outros factos com interesse para a decisão da causa, designadamente que a quantia em causa fizesse parte do acervo hereditário por morte da mãe do arguido e cônjuge do assistente.

    Porque tal matéria releva igualmente para a apreciação do recurso interposto, importa conhecer a fundamentação que justifica aquela decisão sobre a matéria de facto.

    O Tribunal formou a sua convicção na apreciação crítica do conjunto da prova produzida, designadamente: através da análise de todos os documentos juntos aos autos; na livre apreciação de todos os depoimentos produzidos em audiência de julgamento, principalmente as declarações do arguido e do assistente; na conjugação dos documentos com os depoimentos prestados.

    Assim e desde logo as testemunhas inquiridas apenas demonstraram um conhecimento indirecto dos factos, somente sabendo aquilo que assistente ou arguido lhe diziam. Não obstante tal facto, foram importantes para este Tribunal poder aferir do modo como o arguido é reputado pelas pessoas que consigo convivem, testemunhas de defesa, bem como o modo como o assistente ficou após tais factos, testemunhas de acusação.

    Já quanto aos depoimentos do assistente e do arguido os mesmos divergiram totalmente, tendo o assistente deposto do modo como os factos foram dados como provados, enquanto que o arguido afirmou peremptoriamente que o seu pai lhe tinha dado esse dinheiro, dizendo que era por conta das partilhas. Além disso, o arguido ainda afirmou ter vários créditos sobre o seu pai, referentes não só às partilhas por morte de sua mãe, bem como provenientes de vários...

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