Acórdão nº 0615916 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 28 de Fevereiro de 2007
Magistrado Responsável | GUERRA BANHA |
Data da Resolução | 28 de Fevereiro de 2007 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Acordam, em audiência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto.
I 1. Nos presentes autos de processo comum nº ../03.0IDAVR do 2º Juízo Criminal da comarca de Oliveira de Azeméis, por acórdão de 10-07-2006, a fls. 911-927, foi proferida a seguinte decisão: A. Em matéria criminal: 1. Absolver a arguida B………. da prática dos dois crimes de abuso de confiança fiscal que lhe vinham imputados no âmbito dos dois processos, mandando-se em paz.
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Quanto ao arguido C……….: a) Absolvê-lo da prática de um crime de abuso de confiança fiscal, previsto e punido pelo art. 105º, nº 1, do RGIT; b) Condená-lo pela prática, em autoria material, de um crime de abuso de confiança fiscal, previsto e punido pelo art. 105º, nº 1, do RGIT, na pena de 150 dias de multa, à taxa diária de € 6,00, ou seja, na multa de € 900,00.
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Condenar a arguida "D………., LDA", pela prática, em concurso efectivo, de dois crimes de abuso de confiança fiscal, previstos e punidos nos termos dos arts. 7º e 105º, nº 1, da Lei nº 15/2001, de 5 de Junho, sendo: a) um deles na pena de multa que se fixa em 280 dias, à taxa diária de € 10,00, ou seja, a multa de € 2.800,00, b) o outro, na pena de multa que se fixa em 190 dias, à taxa diária de € 10,00, ou seja, a multa de € 1.900,00, c) Efectuando o cúmulo jurídico das duas penas de multa, vai a sociedade D………., LDA, condenada na pena única de 360 dias de multa, à taxa diária de € 10,00, ou seja, na multa de € 3.600,00, sendo que responde também, solidariamente, pela pena de multa de € 900,00 referida em 2-b) (art. 8º, nº 3, da citada lei penal).
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Em matéria cível: 1. Julgar o pedido de indemnização civil do proc. nº ../05 totalmente improcedente, dele absolvendo os dois arguidos/requeridos; 2. Julgar o pedido de indemnização civil do proc. nº ../03 parcialmente procedente e, em consequência: a) Absolver a arguida B………. do respectivo pedido; b) Condenar o arguido/requerido C………. no pagamento de indemnização no valor de € 6.310,04 a favor da Fazenda Nacional, acrescida dos respectivos juros de mora que se venceram e se vencerão sobre cada uma das quantias parcelares acima referidas na discussão da matéria cível -- € 3.137,81, € 3.068,15, € 22,50 e € 81,58 --, contados a partir do dia 20 de cada mês em que se venceu cada uma daquelas prestações de IRS, calculados à taxa mensal de juro fiscal em cada momento em vigor (cfr. art. 3º, nº 1, do Decreto-Lei nº 73/99, de 16 de Março), até integral pagamento; e c) Condenar a requerida sociedade "D………., LDA" no pagamento à Fazenda Nacional de indemnização no valor de € 20.568,62, acrescida dos respectivos juros de mora que se venceram e se vencerão sobre cada uma das quantias parcelares acima referidas na discussão da matéria cível, contados, a partir do dia 20 do mês seguinte a cada retenção em que se venceu cada uma daquelas prestações, calculados à taxa mensal de juro fiscal em cada momento em vigor (cfr. art. 3º, nº 1, do Decreto-Lei nº 73/99, de 16 de Março), até integral pagamento, sendo que até ao montante devido pelo arguido C………. vigora o regime da solidariedade na responsabilidade.
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Custas na parte criminal: Vão os arguidos C………. e a D………., LDA, solidariamente condenados nas custas do processo, fixando-se em € 500,00 a taxa de justiça devida por cada um deles, a procuradoria em € 200,00 e os honorários a favor de cada um dos dois ilustres defensores nomeados aos arguidos no equivalente a 18 UR, a adiantar pelo Cofre Geral dos Tribunais. Acresce o equivalente a 1% de cada uma das taxas de justiça fixadas, a favor do Cofre Geral dos Tribunais, nos termos do art. 13º, nº 3, do Decreto-Lei nº 423/91, de 30 de Outubro.
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Custas na parte cível: Em cada um dos pedidos de indemnização civil, custas pelos requeridos condenados, na proporção do respectivo decaimento.
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Não se conformando com a decisão condenatória contra si proferida em matéria cível e quanto a custas, o arguido C………. recorreu para esta Relação, formulando as conclusões seguintes: 1º. Nos termos do art. 129º do Código Penal, a indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil e será, pois, através da lei civil que se devem determinar os pressupostos da indemnização e bem assim toda e qualquer questão atinente que envolva os princípios gerais das obrigações.
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Por via de lei especial -- a Lei Geral Tributária --, a responsabilidade dos membros dos órgãos sociais é meramente subsidiária e estes dispõem ali de mecanismos processuais e de defesa que quer a lei penal quer a lei civil não contemplam.
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Ao condenar-se alguém numa pena e numa indemnização, tiveram-se, necessariamente, por verificados os respectivos requisitos, incluindo os da culpa quanto ao crime (dolo) e quanto à responsabilidade civil (dolo ou negligência) e tanto bastará para se actuar em conformidade com a lei e dar por implícito o futuro eventual uso daqueles mecanismos e meios de defesa.
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Assim, de acordo com o disposto nos arts. 20º, nº 1, 21º, 22º, nºs 2 e 3, 23º, nºs 1 e 2, e 24º da LGT, a condenação do arguido C………. no pedido de indemnização civil formulado pelo Ministério Público, por falta de pagamento de impostos pela sociedade no valor de € 6.310,04, deve respeitar a natureza subsidiária da obrigação dos agentes que actuam em nome de outrem.
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Com efeito, beneficiando os membros dos corpos sociais da reversão, o incidente reversório só é típico do processo de execução fiscal consequente ao não pagamento e, sendo a sua responsabilidade definida como subsidiária, ela depende da prova de que o património da pessoa colectiva se tomou insuficiente por culpa do obrigado subsidiário.
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No âmbito fiscal, para que o património do devedor subsidiário responda pela dívida tributária de outrem cujo património não é bastante (ou até já nem existe, o que não é o caso dos autos), é preciso que a administração fiscal prove que ele agiu com culpa relativamente à insuficiência de bens do sujeito fiscal, podendo o devedor subsidiário chamar à acção ou ao incidente os condevedores subsidiários solidários com ele, incluindo os Técnicos Oficiais de Contas.
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Assim, no caso de não pagamento, seja por que razão for, a execução a instaurar para cobrança do pedido cível tem que ser uma execução fiscal contra o devedor principal e onde o devedor subsidiário dispõe da reversão que contra ele tem que ser movida, só respondendo, como se disse, se, perante a insuficiência de bens do devedor tributário, a administração fiscal provar que o substituto agiu com culpa quanto àquela insuficiência.
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E sendo devedores potenciais -- e não se tendo, no processo-crime ou no pedido cível alegado e demonstrado os pressupostos de que depende a sua responsabilidade civil subsidiária -- não podem ser como tal condenados.
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Acrescente-se, ainda, que, relativamente aos juros -- as mais das vezes elevadíssimos --, também não é possível a condenação pela simples razão de que, não tendo ainda sido aberto o incidente da reversão e a consequente notificação para oposição, o devedor subsidiário ainda não foi declarado revertido e não lhe foi dada a faculdade de pagar voluntariamente e sem juros - art. 23° da LGT.
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Mesmo para a responsabilidade emergente da prática de crimes ou contra-ordenações pelas pessoas colectivas, a responsabilidade dos membros dos corpos sociais é, também, meramente subsidiária e dependente, ou por reversão ou por alegação e prova dos factos nos respectivos processos, da condição de demonstração da sua culpa na insuficiência dos bens da pessoa colectiva - art. 7°-A, nº 1, do RGIFNA e art. 8º, nº 1, do RGIT.
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Segundo a Direcção-Geral dos Impostos (Circular de Dezembro de 2002), o processo penal não é o meio idóneo para em sede de pedido de indemnização civil exigir do arguido quaisquer contribuições e impostos já que existe um meio próprio de obter a sua cobrança voluntária ou coerciva ao devedor, tudo isto porque o processo penal não é o meio próprio, não só para o sujeito passivo atacar a legalidade de tal dívida, mas também para conhecer da exigibilidade da mesma ao contribuinte. Ainda de acordo com a mesma entidade, os tribunais comuns não são os tribunais próprios para conhecer da impugnação da liquidação dos tributos ou a oposição à execução, como resulta dos art. 1º, 2º e 62º do E.T.A.F. e sempre seria inviável proceder a qualquer liquidação de impostos no processo penal tributário, já que retiraria aos sujeitos passivos ou contribuintes meios próprios de reagir contra tais liquidações. Na dita circular, concluiu-se ainda: 1) Sempre que em processo de averiguações por indícios de crime penal tributário forem apurados rendimentos sujeitos a imposto ou forem detectados impostos liquidados e não pagos, incumbe, de imediato, à Administração Tributária diligenciar -pelas respectivas liquidações ou apuramento, com as subsequentes notificações aos sujeitos passivos de molde a prevenir o prazo de caducidade previsto no art. 45º da L.G.T. 2) Caso tais liquidações venham a ser objecto de impugnação judicial ou os executados/revertidos venham opor-se à execução, haverá, então, que suspender o processo penal tributário até à prolação da sentença devidamente transitada, já que o processo penal tributário depende, essencialmente da existência de impostos devidos, mas não liquidados ou de impostos liquidados e devidos pelo sujeito passivo, mas não entregues nos prazos legais nos cofres do Estado. 3) Não obstante o processo penal ser suficiente para nele serem resolvidas todas as questões que interessem à decisão da causa, é certo, porém, que no caso do processo penal tributário tal não acontece, já que há uma questão prejudicial necessária não penal que impõe que a sua resolução seja anterior à decisão do próprio processo penal e que visa o apuramento de um elemento constitutivo da infracção. 4) Daí, entender, também, que o processo penal tributário é o meio impróprio para a Administração Tributária liquidar qualquer contribuição) ou imposto ao arguido, devendo tal liquidação seguir as regras e os trâmites...
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