Acórdão nº 0616665 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 28 de Fevereiro de 2007

Magistrado ResponsávelÉLIA SÃO PEDRO
Data da Resolução28 de Fevereiro de 2007
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto 1. Relatório No Tribunal Judicial de Peso da Régua (.º Juízo), foi julgado em processo comum, e perante tribunal singular, o arguido B………., devidamente identificado nos autos, tendo sido proferida a seguinte decisão: " Nestes termos, o Tribunal decide (…) - Absolver o arguido B………. da prática, em autoria material, de um crime de maus-tratos a cônjuge.

- Condenar arguido B………., pela prática de dois crimes de ofensa à integridade física simples, previstos e punidos pelo artigo 143º do Código Penal, na pena de 150 dias de multa por cada um dos crimes.

- Fixar em 250 (duzentos e cinquenta) dias a pena unitária a aplicar ao arguido, à taxa diária de € 6 (seis euros), no montante global de € 1500 (mil e quinhentos euros).

- Mais vai o arguido condenado nas custas do processo (…)" Inconformado com tal condenação, o arguido B………. recorreu para esta Relação, formulando as seguintes conclusões: "1. A ideia subjacente à sentença recorrida de que nenhum obstáculo legal existia à convolação de um crime de maus tratos a cônjuge nos dois de ofensa à integridade física simples não tem aplicação no caso sub judicio, sob pena de violação manifesta de lei expressa.

  1. Desde logo, porque nenhuma alteração processual aconteceu, os factos dados como provados integradores dos dois crimes de ofensas corporais teriam que constar já da acusação, como impõe, sob pena de nulidade, o art. 283°, 1,3,b), do CPP, o que não acontece no vertente caso, já que os termos vagos e genéricos em que foi deduzida (tendo como referência uma situação continuada de maus tratos) não permitia, nunca, isolar acontecimentos episódicos e circunstancialmente situados.

  2. Crescendo o juízo de censura à sentença recorrida, para que a M.ª Juiz a quo pudesse proceder à convolação dos identificados crimes mais graves nos dois menos graves era forçoso que estivessem presentes todos os requisitos substantivos e processuais do cometimento dos crimes de ofensa à integridade física simples.

  3. Ora, tratando-se de crimes de natureza semi-pública - art. 143°12, do Código Penal - (enquanto que o de maus tratos a cônjuge era público), a sua inclusão em procedimento criminal dependia, em absoluto, da apresentação pelo respectivo titular de queixa, no caso a ofendida - art. 113°/1, do Código Penal.

  4. Verifica-se, no entanto, por simples consulta das peças autuadas, que essa condição objectiva de procedibilidade, em que se traduz o exercício do direito de queixa, não foi cumprida, o que impedia o procedimento criminal.

  5. Mesmo que se viesse a considerar que a carta que a ofendida dirigiu ao Ministério Público a pedir a concessão da casa de morada de família, e que para ele serviu de notícia quanto à eventualidade do cometimento de um crime de maus tratos a cônjuge, configuraria uma queixa, no que se não concede, de todo, ela não abrangeu os dois crimes concretos por que o arguido/recorrente veio a ser condenado, já que, entrada em Tribunal em Outubro de 2003, um deles foi situado algures em 2004, e o outro teria acontecido num qualquer momento entre os anos de 2001 e 2004, sendo mais que legítimo considerá-la extemporânea, com a consequente extinção do seu direito - art. 115°/1, do Código Penal.

  6. Não podendo, assim, o Ministério Público, sequer, iniciar o procedimento criminal correspondente - art. 49°I1, do CPP -, muito mais estava a M.ª Juiz a quo impedida, ainda que por mera convolação, de condenar o recorrente por crimes relativamente aos quais não tinha sido cumprida a condição objectiva de procedibilidade.

  7. Sempre os pontos 2 a 7 do elenco dos factos dados como provados foram incorrectamente julgados, devendo integrar o lote dos factos que não foi possível provar, na medida em que relativamente a eles ficaram, exactamente, as mesmas dúvidas relevantes que levaram o Tribunal recorrido a não dar como provados os outros.

  8. Nada resultou da prova produzida em audiência que apontasse no sentido da credibilidade e consistência da realidade daqueles factos, bastando para essa percepção os termos em que aparece vertida a "motivação da decisão de facto", sobretudo referenciada ao trajecto analítico crítico pelos testemunhos colhidos.

  9. A prova produzida revelou-se "insuficiente e inconsistente" quanto aos maus tratos, mas também quanto aos dois factos incriminadores reportados às ofensas à integridade física, pelo que o princípio "in dubio pro reo", que funcionou para aquele primeiro crime, deve funcionar, da mesma forma, para estes dois outros, nenhuma razão, processualmente fundada, existindo para outra atitude decisória.

  10. De acordo com o exposto, a sentença recorrida traduz incorrecta interpretação e aplicação ao caso das pertinentes disposições legais, designadamente, dos comandos legais dos arts. 113°/l, 115°/l, 143°/l e 2, todos do Código Penal e dos arts. 49°/l e 283°/3 b) do CPP e, ainda, do princípio "in dubio pro reo".

    Pelo que, no provimento do presente recurso, deve revogar-se a sentença recorrida, e, em sua substituição, proferir-se outra que, julgando a acusação, sem mais, totalmente improcedente, absolva o arguido/recorrente da prática de qualquer crime, parecendo-nos que, assim se decidindo, resultará mais bem aplicada a lei e realizada a JUSTIÇA".

    Também inconformada com a decisão, recorreu a assistente C………., formulando as seguintes conclusões: "1°-De acordo com os factos dados como provados, o arguido agrediu, em determinada ocasião a assistente com murros na cara e no corpo, tendo-lhe ainda puxado o cabelo, causando-lhe dores e hematomas e nódoas negras e provocando-lhe problemas de saúde designadamente psíquicos.

    1. -Sendo que, ainda em conformidade com a matéria fáctica considerada provada, o arguido não se coibiu de repetir, mais tarde, essa mesma conduta, tendo passado a viver com uma amante.

    2. -Por virtude de comportamento criminoso da arguido a assistente ficou gravemente afectada designadamente na saúde psíquica, tendo sido obrigada a tomar frequentemente medicamentos e a receber cuidados médicos, o que continua a suceder.

    3. -O arguido, de resto, e como resulta também dos factos provados, vive com uma outra mulher, não cumpre a obrigação de pagamento de uma quantia razoável e suficiente para a satisfação das necessidades básicas da assistente e dos seus filhos violando, assim, continuamente, com esta conduta, importantes e elementares deveres de respeito e assistência conjugal.

    4. -Em consequência da conduta criminosa do arguido ocorreu a separação de ambos os cônjuges.

    5. -A razão de ser da agravação que subjaz à redacção do artigo 152° do Código Penal decorre da especial relação entre o agente e o ofendido, que cria naquele uma particular obrigação de não infligir maus-tratos ao familiar.

    6. -Não são os simples actos plúrimos ou reiterados que caracterizam o crime de maus-tratos a cônjuge.

    7. -O que importa é que os factos, isolados ou reiterados, apreciados à luz da intimidade do lar e da repercussão que eles possam ter na possibilidade de vida em comum, coloquem a pessoa ofendida numa situação que se deva considerar de vítima de um tratamento incompatível com a dignidade e liberdade, dentro do ambieieoiqwa1icedeu com a assistente.

    8. -A conduta do arguido integra o elemento objectivo e subjectivo do crime de maus-tratos a cônjuge, p. p. pelo art°152 do C.P.

    9. -Ao enquadrar a conduta do arguido na previsão do crime de ofensas à integridade física simples do art.°143 do C.P. a douta sentença recorrida violou, por errada interpretação, o disposto no art.°152, n°2, do C.P.

    10. -Mas, ainda que se aceitasse a incriminação perfilhada na douta sentença, a pena de multa, a pena de multa fixada sempre representaria uma sanção pouco mais que simbólica que não afastaria o arguido da prática de crimes idênticos, no futuro, em relação à assistente ou a qualquer outra pessoa com a qual vive presentemente.

    11. -São, neste caso, acentuadas as exigências de prevenção geral positiva pela reiteração e...

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