Acórdão nº 0511385 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 07 de Fevereiro de 2007
Magistrado Responsável | MARIA DO CARMO DIAS |
Data da Resolução | 07 de Fevereiro de 2007 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Acordam, em audiência, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto:*I- RELATÓRIO 1.1. No Tribunal Judicial da comarca de Santa Maria da Feira, nos autos de processo comum (Tribunal Singular) nº …./99.0GBVFR do ….º Juízo Criminal, foi proferida sentença, em 15/7/2003 (fls. 293 a 302), constando do dispositivo o seguinte: "Pelo exposto: 1º - julga-se a pronúncia procedente por provada, condenando-se o arguido C…………….: - numa pena de 120 (cento e vinte) dias de multa, ao quantitativo diário de 6 (seis) euros relativamente ao crime de coacção, p.p pelo art. 154º, 22º e 23º do CP; - uma pena de 90 (noventa) dias de multa ao quantitativo diário de 6 (seis) euros relativamente ao crime de injúrias, p.p. pelo art. 181º do CP.
- na pena de cúmulo de 160 (cento e sessenta) dias de multa ao quantitativo diário de 6 (seis) euros, num total de 960 (novecentos e sessenta) euros com 106 (cento e seis) dias de prisão subsidiária pelos factos que lhe são imputados.
Julgo parcialmente procedente por provado o pedido de indemnização civil formulado, condenando o demandado a pagar à demandante a quantia de 1000 € (mil euros), quantia acrescida dos juros legais de 4% contados desde a data de prolação desta decisão.
- Custas pelo arguido, fixando-se a taxa de justiça em 2 UCs, acrescida de 1% nos termos do art.13º, nº3 do DL nº423/91 de 30/10; (…)"*1.2. Não se conformando com o teor dessa sentença, o arguido C………….. dela interpôs recurso (fls. 310 a 322), formulando as seguintes conclusões: "1º. O pressuposto do crime de coacção simples ou agravada, é a perda da liberdade de determinação, o constrangimento, em consequência de violências ilegítimas, físicas ou morais, levando o sujeito a praticar um acto que não deseja ou a não fazer algo que deseja fazer, ou a ter de suportar, contra vontade, uma vontade alheia, afectando a livre determinação do indivíduo, protegida constitucionalmente através da inviolabilidade da integridade moral e física de cada um - artigo 24°, n° 1 da Constituição da República Portuguesa.
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É elemento típico deste crime o emprego da violência ou a ameaça com mal importante.
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No caso subjudice, o arguido não usou de violência física ou moral e não coagiu o Assistente, ameaçando com a prática de um crime contra a sua pessoa, ou a inflicção de qualquer mal importante, tendo-o, apenas, advertido da necessidade de fazer uma correcta e justa arbitragem de forma a evitar a reacção das massas após o términus do jogo.
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O crime de coacção consuma-se no momento em que alguém é violentado a fazer, omitir ou a suportar o que não quer, relevando, contudo, a permanência do constrangimento para a determinação do ilícito.
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Refere a Mtª. Juiz "a quo" na douta sentença recorrida: "o Assistente não se deu ao constrangimento pretendido pelo Arguido e continuou a arbitragem sem estar determinado pela expressão proferida pelo Arguido".
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De facto, quer o meio utilizado quer o fim visado pelo arguido com a sua conduta, não são ilícitos.
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Facto evidente do carácter preventivo das palavras do arguido é a referência a terceiros e ao comportamento tempestivo e impetuoso da massa associativo.
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Circunstância que não pode deixar de ser valorada, ainda, o contexto sócio-cultural em que os factos relatados se inserem e a necessidade de os apreciar atentos que sejam a exaltação, a excitação e o frenesim atinentes a qualquer jogo de futebol.
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Refere a Mtª. Juiz "a quo" que, sendo a coacção um crime de resultados só se consumaria se a pessoa objecto da acção fosse, efectivamente, constrangida a praticá-la, a omiti-la ou a suportá-la, de acordo com a vontade do sujeito desta, no entanto, entende que a conduta do arguido consubstancia a prática do crime de coacção na forma tentada, facto com o qual discordamos.
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Vejamos: A tentativa tem sempre de integrar uma referência objectiva a certa negação de valores jurídico-criminais, na forma de lesão ou perigo de lesão da bens jurídicos protegidos mas a que há que adicionar o próprio plano do agente integrado na sua intencionalidade volitivamente assumida.
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O dolo na tentativa terá de assumir a forma directa (intenção criminosa directa), excluindo-se, portanto, o dolo eventual. Neste sentido, Dr. J. Faria da Costa, in Formas do Crime, Jornadas do Direito Criminal.
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Ora, no caso em apreço inexiste dolo, tão pouco, dolo directo, porquanto o Arguido não praticou qualquer acto que preencha qualquer tipo legal de crime e não ficou provado que tenha pretendido praticá-lo.
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A teoria da aceitação ou do consenso acolhida no Código Penal, obriga a que a verificação do dolo só se possa radicar na vontade do agente.
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A interpretação feita na douta sentença recorrida, viola, assim, o disposto no artigo 14°, n° 3 e artigo 154°, n° 1, ambos do Código Penal.
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No que concerne ao crime de injúrias é imperioso que a valoração da conduta do arguido seja feita atento que seja o contexto sócio-cultural do mundo do futebol, caracterizado por momentos de exaltação, desequilíbrio e stress, que retiram a capacidade de qualquer indivíduo gerir a sua inteligência emocional e reflectir previamente sobre os efeitos atinentes aos seus actos.
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Atento que seja o artigo 71°, n° 1 do Código Penal a determinação da pena far-se-á em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, que em caso algum, pode ultrapassar a medida da culpa - artigo 40°, n° 2 do Código Penal.
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No caso subjudice a existir culpabilidade do agente só poderia ser qualificada como eventual ou como negligência, o que implica, necessariamente, o afastamento significativo da pena de multa, fixado pelo legislador em 120 dias.
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Condenou, assim, a Mtª Juiz "a quo" o arguido em pena excessiva e desproporcional, face às exigências de carácter comunitário e de integração.
Termina pedindo a revogação da decisão recorrida, com a sua consequente absolvição."*1.3. Respondeu o MºPº na 1ª instância, pugnando pela manutenção da sentença nos seus precisos termos.
*1.4. Nesta Relação, o Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu o seu parecer, concluindo que o recorrente deve ser absolvido do crime de coacção, acompanhando, no mais, a resposta do Ministério Público na 1ª instância.
*Foi cumprido o disposto no art. 417 nº 2 do CPP.
Colhidos os vistos legais, realizou-se a audiência.
Cumpre, assim, apreciar e decidir.
*2. 1.
Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos: "Discutida a causa resultaram provados os seguintes factos: No dia 28 de Março de 1999, pelas 15h00m, no Campo de Futebol …………, foi realizado um jogo de futebol entre as equipas do "D………………….." e o "E…………….", jogo esse a contar para o Campeonato Nacional da ….. .
O árbitro desse jogo foi o assistente F……………. .
Por seu turno, o arguido C…………. é o Presidente do "D……………".
Por motivos relacionados com divergências de opinião acerca da arbitragem do jogo, e já no intervalo do encontro, o arguido C………… dirigiu-se ao assistente e proferiu a seguintes expressão: "SR. F…………, O SR. JÁ NOS ROUBOU DOIS PENALTYS, OLHE QUE O PESSOAL AQUI É MUITO MAU, EU NÃO ME RESPONSABILIZO PELO QUE VIER A ACONTECER".
O arguido C…………. sabia que a citada expressão por si proferida no circunstancialismo já descrito, dirigindo-se ao assistente durante o intervalo do jogo por este arbitrado, era apta a limitar a liberdade ou livre determinação do assistente enquanto árbitro do jogo por forma a constrangê-lo a assumir um comportamento não desejado, ou seja, a beneficiar o "D…………….." com a sua arbitragem.
Este arguido sabia que o assistente iria entender tal expressão como intimidatória e, ainda assim, não se absteve de a proferir, querendo com tal actuação provocar no mesmo uma reacção de medo de vir a sofrer ferimentos físicos eventualmente graves ou até a sua morte e por via disso acabar por praticar uma acção que não era de sua vontade.
Não obstante tal conduta, o assistente não cedeu ao constrangimento pretendido pelo arguido e continuou a arbitragem sem estar determinado pela expressão proferida pelo arguido.
No final do jogo e já fora do recinto do jogo, o arguido C………… proferiu as seguintes expressões, em voz alta, dirigindo-se ao assistente: "És um ladrão que vieste aqui para nos roubar, seu ladrão, já recebeste o envelope com o cheque bem recheado".
Depois de abandonar o recinto desportivo, o ofendido dirigiu-se à GNR de São João da Madeira, a fim de apresentar uma participação criminal, sendo seguido por alguns adeptos do D………….., entre os quais o aqui arguido.
Já dentro do posto da GNR o arguido proferiu novamente as expressões "o envelope devia estar bem recheado, seu ladrão".
Com tal conduta, o arguido agiu com a intenção, que logrou alcançar, de ofender a honra, consideração e honorabilidade pessoal e profissional do participante.
Ao assumir as condutas descritas, o arguido agiu livre e conscientemente, voluntária e deliberadamente, bem sabendo que o seu comportamento era proibido e punido pela lei.
O ofendido sentiu-se vexado quer perante colegas de arbitragem quer perante pessoas conhecidas, familiares e amigos devido à conduta do arguido.
O arguido é chefe da Repartição de Finanças de Santa Maria da Feira, auferindo cerca de 1700 € por mês.
A sua esposa é professora primária auferindo cerca de 1500 € por mês.
O arguido não tem antecedentes criminais." 2.2.
Quanto aos factos não provados, consignou-se o seguinte: "Não se provou mais nenhum facto quer da pronúncia de fls. 208 quer da acusação particular de fls. 126 e ss quer do pic de fls. 133 e ss dos autos".
*II- FUNDAMENTAÇÃO 3.1. O objecto do recurso, demarcado pelo teor das suas conclusões (art. 412 nº 1 do CPP), incide sobre as seguintes questões: 1ª - Averiguar se houve errada interpretação na subsunção dos factos ao direito, na medida em que, na perspectiva do recorrente, os factos apurados não integram o crime de coacção na forma tentada, pelo qual também foi condenado; 2ª - Verificar se houve errada interpretação na subsunção dos factos ao direito, na medida em que, na perspectiva do recorrente, o crime de injúria pelo qual...
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