Acórdão nº 0710476 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 31 de Janeiro de 2007

Data31 Janeiro 2007
ÓrgãoCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam, em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto.

I 1. B………., arguido nos autos de inquérito que correm termos nos Serviços do Ministério Público dos Juízos Criminais do Porto com o nº …/06.9P6PRT, recorreu para esta Relação do despacho do Sr. Juiz de Instrução Criminal que, após o primeiro interrogatório judicial de arguido detido, nos termos do art. 141º Código de Processo Penal, lhe aplicou a medida de coacção da prisão preventiva.

Formulou as conclusões seguintes: 1º. O arguido, ora recorrente, está indiciado pela prática do crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21º do DL 15/93, de 22-01, tendo-lhe sido aplicada prisão preventiva com fundamento na existência de perigo de continuação da actividade criminosa.

  1. Não é este o meio adequado para a defesa no que se refere à demonstração que o arguido não cometeu o crime pelo qual vem indiciado, todavia, importa trazer, à colação a eventual obliquidade formal que parece ter estado presente para que a actual situação processual do recorrente seja a de prisão preventiva.

  2. Nas declarações por si prestadas, o arguido afirmou que tanto as substâncias como a arma que consigo trazia tinham como destino e finalidade o uso para seu próprio consumo.

  3. Atendendo ao facto de que o arguido é consumidor habitual de heroína e cocaína, ainda que se admita que, face aos elementos de prova constantes dos autos a que não se teve acesso, dado o segredo de justiça - possa haver indícios da prática do crime de tráfico, não se compreende, dadas as circunstâncias em que o arguido foi detido, bem como a qualidade e quantidade das substâncias apreendidas, porque se subsumiram desde logo tais factos ao crime previsto no artigo 21º do referido diploma legal, já que, de acordo com a mais recente jurisprudência do STJ, se tem entendido que este artigo "contempla a incriminação matricial do tráfico de estupefacientes, estabelecendo-se noutros artigos formas de punição do tráfico de forma privilegiada ou agravada (...), pode dizer-se que se punem no art. 21º os médios e grandes traficantes" - cf. Acs de 05/04/2006; de 10-11-2004, Proc. nº 3242/04; de 07-12-2004, Proc. nº 2833/04; de 13-04-2005, Proc. nº 459/05; de 1110-2005, Proc. nº 2533/05, e de 29-11-2005, Proc. nº 2940/05, entre outros.

  4. Ora, ainda que se admita que possa eventualmente existir indícios da prática do crime de tráfico, não se vislumbra que o aqui arguido possa ser considerado um médio ou grande traficante de estupefacientes, pelo que, tendo em conta os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações, quanto muito, poderiam existir indícios de prática de crime de tráfico de menor gravidade, previsto no artigo 25º do DL.

  5. Além do mais, o arguido, ora recorrente, encontra-se num débil estado de saúde, sofrendo de doença potencialmente contagiosa do foro respiratório, tuberculose, necessitando de medicação, assistência médica e outros cuidados que não lhe têm sido nem podem ser prestados tanto no estabelecimento prisional como no hospital-prisão.

  6. Por tudo e atendendo a que os princípios constitucionais da presunção de inocência (art. 32º, nº 2, da CRP) e da excepcionalidade e necessidade da prisão preventiva (arts. 27º, nº 3, e 28º, nº 2, da CRP) conferem à mais gravosa das medidas de coacção uma natureza excepcional, não obrigatória e subsidiária (consagrada no art. 193º do CPP), devendo ser aplicada sempre em última ratio, afigura-se ao ora recorrente que a medida de coacção de prisão preventiva a que foi sujeito foi aplicada em desproporcionalidade face ao perigo que visa evitar, verificando-se, pois, uma não adequação da medida -- que mais parece uma pena de prisão -- à necessidade cautelar.

  7. Tanto mais que a lei processual penal oferece uma panóplia de alternativas que, no caso em apreço, se afiguram como tão ou mais eficazes e menos desvaliosas, comparativamente à medida de coacção aplicada, como por exemplo, a prisão domiciliária com ou sem recurso às chamadas "pulseiras electrónicas", sendo claro que no nosso sistema processual penal se dá preferência às medidas de coacção não privativas da liberdade, o que decorre da enumeração das mesmas no Código de Processo Penal em sentido crescente de gravidade e subsidiariedade (arts. 196º a 202º do CPP).

  8. A aplicação da prisão preventiva ao ora recorrente viola os arts 27º e 28º da CRP, bem como os arts. 193º, 202º e 204º do CPP.

  9. Qualquer uma das medidas de coacção que a lei prevê como sendo de preferencial aplicação à da prisão preventiva é, algumas delas por excesso, adequada à satisfação das razões subjacentes à legal estatuição de tais medidas.

  10. Atenta a qualidade e quantidade do produto estupefaciente considerado, não é, de modo algum, concebível a existência de indícios, quanto mais fortes indícios, da prática de crime...

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