Acórdão nº 0615912 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 20 de Dezembro de 2006

Data20 Dezembro 2006
ÓrgãoCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam, em conferência, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto:*I- RELATÓRIO No Tribunal Judicial de Vila Nova de Famalicão, nos autos de instrução nº …/03.2TAPVZ do .º Juízo Criminal, foi proferida, em 2/5/2006, a seguinte decisão instrutória (fls. 325 a 330): "Reportam-se os presentes autos à queixa apresentada por B………., Ld.ª contra C………., Ld.ª e D………., por referência à prática de factos susceptíveis de integrar o crime de abuso de confiança, tendo o Ministério Público proferido despacho de arquivamento.

Cfr. fls. 82 a 85.

*Inconformada, a assistente B………., Ld.ª, veio requerer a abertura de instrução, pugnando pela pronúncia dos arguidos.

Para o efeito veio sustentar ter mantido relações contratuais com os arguidos, na sequência do que, para além do mais, emitiu um cheque, no valor de € 15.000,00, que serviria de garantia de uma letra de igual montante, a qual seria objecto de reforma até à liquidação da dívida completa e que os arguidos se comprometeram a devolver após novo acordo sobre a forma de pagamento da dívida, o que os arguidos não efectuaram, tendo, ao contrário, isto é, contra o acordado, apresentado o mesmo a desconto; nessa sequência e tendo em vista evitar entrar na "lista negra" do Banco de Portugal, a assistente ter-se-ia visto obrigada a pagar o exigido.

Cfr. fls. 97 a 99.

*Porque se entendeu que o requerimento de abertura de instrução formulado pela assistente não obedecia aos requisitos legais, designadamente no que respeitava à factualidade a imputar aos arguidos, efectuou-se um convite ao aperfeiçoamento à mesma.

Cfr. fls. 114.

*A assistente respondeu a tal convite.

Cfr. fls. 118 a 120.

*Proferido despacho liminar de admissibilidade de instrução e respectiva abertura (cfr. fls. 123), realizaram-se as diligências instrutórias requeridas e admitidas, em específico a inquirição de testemunhas (cfr. fls. 189, 226 e 310).

Cumpre apreciar uma questão prévia por referência ao convite ao aperfeiçoamento efectuado à assistente e à tempestividade do respectivo requerimento de abertura de instrução.

Efectivamente, a assistente considera-se notificada do despacho de arquivamento proferido pelo Ministério Público em 11 de Janeiro de 2004 (cfr. fls. 86, 87 e 89), dispondo, nos termos do art. 287.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, do prazo de 20 dias para requerer a abertura de instrução.

O requerimento formulado deu entrada dentro do termo de tal prazo: em 20-01-2004 (cfr. a ata aposta no carimbo de fls. 97).

Simplesmente, o convite ao aperfeiçoamento foi efectuado em 04-06-2004 (cfr. fls. 114), tendo a assistente respondido a tal convite em 23-06-2004 (cfr. fls. 117), ou seja, cerca de cinco meses após o termo do prazo legal.

Os arguidos nunca foram notificados do despacho que convidou a assistente ao aperfeiçoamento do respectivo requerimento de abertura de instrução (cfr. fls. 114 e 115).

Ora, actualmente resulta pacífico ser inadmissível o convite ao requerimento de abertura de instrução formulado pela assistente.

Efectivamente, nos termos do disposto no art. 309.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, a decisão instrutória é nula na parte em que pronunciar o arguido por factos que constituam uma alteração substancial dos factos descrito no requerimento de abertura de instrução, prevendo o art. 303.º do mesmo código as consequências da alteração não substancial e substancial dos factos descritos no requerimento de abertura de instrução constatada no decurso desta.

A este requerimento aplica-se, nos termos preceituados pelo n.º 2 do art. 287.º, do Código de Processo Penal, o previsto no n.º 3, al.as b) e c) do mesmo normativo.

Impõe-se, assim, à assistente requerente da abertura de instrução (obviamente em caso de arquivamento, como é o caso dos autos) um especial cuidado na selecção dos factos pelos quais pretende ver os arguidos pronunciados, especificamente, tendo em vista o cumprimento de todos os requisitos legais descritos no despacho de fls. 278.

Ora, o tribunal não pode substituir-se àquela requerente da abertura de instrução nessa tarefa (compulsando os autos e integrando as lacunas do assistente), sob pena de nulidade da decisão instrutória que pronuncie os arguidos, conforme supra exposto - cfr. a este propósito o Ac. RE de 14-04-1995, CJ, XX, II, 280.

Não o tendo efectuado e face a estas deficiências, impunha-se a rejeição do requerimento de abertura de instrução, por inadmissibilidade do mesmo, não havendo lugar a qualquer convite ao aperfeiçoamento, conforme, de resto, jurisprudência quer do Tribunal Constitucional (cfr. o Ac. n.º 27/2001 - processo n.º 189/2000, D.R. - II Série de 23-03-2001, págs. 5265 e seguintes), quer das Relações - cfr. os Acs. RL de 08-10-2002, 27-05-2003 e 15-12-2004, in www.dgsi.pt/jtrl, e os Acs. da RP de 14-01-2004, 21-01-2004, 05-01-2005 e 12-01-2005, estes in www.dgsi.pt/jtrp e, de forma, concludente de mais recentemente, o Ac. STJ n.º 7/05, publicado no D.R. - I Série, de 04-11-2005, páginas 6340 e seguintes.

Efectivamente, o convite ao aperfeiçoamento encontra-se previsto para o processo civil, processo de partes e interesses privados, enquanto no processo criminal nos movemos no domínio do interesse público, alicerçado numa estrutura acusatória (cfr. o n.º 5 do art.º 32.º da Constituição da República Portuguesa), a qual resultaria totalmente subvertida caso se admitisse esse convite ao aperfeiçoamento, ao que acresceria uma dilação (e, logo, também aqui, subversão) do prazo para requerer a abertura de instrução.

Simplesmente, o tribunal efectuou tal convite ao aperfeiçoamento e a assistente respondeu ao mesmo; repare-se: falamos em tribunal e em assistente, mas nada referimos quanto aos arguidos.

Na verdade, os arguidos não tomaram conhecimento daquele primeiro requerimento de abertura de instrução, assim como não foram notificados do despacho que formulou tal convite.

Esta constatação vai contra o carácter peremptório do prazo estabelecido no n.º 1 do artigo 287.º do Código de Processo Penal, conforme Acórdão de Fixação de Jurisprudência 2/96 de 06-12-1995, DR - I Série-A de 10-01-1996, pois como se decidiu no Ac. TC n.º 27/01 de 30-01, DR 2.ª Série de 23-03-2001: "Nos casos (…) em que o Ministério Público se decidiu pelo arquivamento do inquérito, o direito de requerer a instrução que é reconhecido ao assistente - e que deve revestir a forma de uma verdadeira acusação - não pode deixar de contender com o direito de defesa do eventual acusado ou arguido no caso daquele não respeitar o prazo fixado na lei para a sua apresentação.

O estabelecimento de um prazo peremptório para requerer a abertura de instrução - prazo esse que, uma vez decorrido, impossibilita a prática do acto - insere-se, ainda, no âmbito da efectivação plena do direito de defesa do arguido. E a possibilidade de, após a apresentação de um requerimento de abertura de instrução, que veio a ser julgado nulo, se poder ainda repetir, de novo, um tal requerimento para além do prazo legalmente fixado e, sem dúvida, violador das garantias de defesa do eventual arguido ou acusado.

Se se focar, agora, a perspectiva do direito do assistente de deduzir a acusação através do requerimento de abertura de instrução, a não admissibilidade de renovação do requerimento por decurso do prazo não constitui uma limitação desproporcionada do respectivo direito, na medida em que tal facto lhe é exclusivamente imputável, para além de constituir - na sua possível concretização - uma considerável afectação das garantias de defesa do arguido.

Dir-se-á, por último, que do ponto de vista da relevância constitucional merece maior tutela a garantia de efectivação do direito de defesa (na medida em que protege o indivíduo contra possíveis abusos de poder de punir), do que garantias decorrentes da posição processual do assistente em casos (…) em que o Ministério Público não descobriu indícios suficientes para fundar uma acusação e, por isso, decidiu arquivar o inquérito.

Este balanceamento dos interesses em causa basta para mostrar que a aceitação da exclusão do direito de renovar um requerimento nulo pelo decurso do prazo peremptório fixado não desencadeia uma limitação excessiva ou desproporcionada do direito de acusar do assistente (…)." Este entendimento foi o sufragado no âmbito do processo de Instrução n.º 405/01.0TASTS, do 1.º juízo criminal de Santo Tirso, no recurso que seguiu os seus termos na Relação do Porto, com o número 4599/04, da 4.ª secção, onde, precisamente, se efectuou um convite ao aperfeiçoamento por referência ao requerimento de abertura de instrução formulado por um assistente, admitindo-se, em seguida, a instrução, e conhecendo-se do mérito dos autos.

O tribunal da Relação do Porto entendeu que a instrução não era admissível por extemporânea, julgando, assim, prejudicado o conhecimento do mérito dos autos.

O caso objecto dos presentes autos assenta que nem uma luva ao caso analisado pelo Tribunal da Relação e que supra citamos, importando, por conseguinte julgar inadmissível o procedimento criminal em curso.

Simplesmente, não se poderá olvidar que tendo a instrução sido declarada aberta e realizadas diligências instrutórias, os sujeitos processuais têm uma expectativa quanto ao mérito dos autos, sendo que por uma questão de economia processual (e face à convicção por nós criada), tendo em vista evitar uma eventual sucessão de recursos, face à possibilidade de revogação da decisão que antecede, afigura-se-nos ser de conhecer, também, do mérito dos autos.

E o mesmo, inequivocamente aponta no sentido da fundamentação contida no despacho de arquivamento, já que as diligências probatórias produzidas na presente fase de instrução criminal nada de novo carrearam para os autos, face à notória falta de conhecimento directo das testemunhas inquiridas.

Em conformidade com o exposto, dando-se integralmente por reproduzida a eloquente fundamentação contida no despacho de arquivamento, interpretando extensivamente o art. 307.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, no sentido de que a...

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