Acórdão nº 0655260 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 23 de Outubro de 2006

Magistrado ResponsávelFONSECA RAMOS
Data da Resolução23 de Outubro de 2006
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação do Porto B………. e C……….

, intentaram, em 6.1.2004, pelo Tribunal Judicial da Comarca de Resende, acção declarativa de condenação, com processo sumário, contra: "D………." Peticionando: 1) - A condenação da ré a encerrar o estabelecimento de talho que instalou na fracção K do prédio dos autores, ou, em alternativa; 2) - A condenação da ré a efectuar obras de insonorização em todas as placas, vigamentos, tectos, paredes exteriores e interiores de todo o edifício ou, pelo menos, que eliminem a produção dos ruídos na fracção dos autores e nas partes comuns do prédio; 3) - A condenação da ré a pagar a quantia de € 2.000,00, acrescida de juros de mora a contar da citação, pelos danos não patrimoniais e patrimoniais sofridos.

Fundamenta as pretensões alegando, em síntese, que a ré instalou um estabelecimento de talho numa das fracções do prédio onde habitam os autores, estabelecimento que produz ruídos ensurdecedores durante todo o dia, o que tem provocado prejuízos aos autores, de ordem moral e patrimonial.

Acrescentam que foi a própria ré que vendeu a habitação aos autores, tendo-lhes sido assegurado que não seria instalado no edifício qualquer estabelecimento do género, sabendo a ré que os autores escolheram aquela residência devido ao facto de se situar numa zona sossegada.

A ré apresentou contestação, basicamente, para sustentar que o estabelecimento de talho pertence e sempre pertenceu a terceiro, não tendo a ré instalado ou exercido a actividade no talho em causa; a ré apenas prometeu vender e depois vendeu a fracção onde foi instalado o dito talho.

Os autores ainda replicaram, basicamente para manter a versão inicial.

Procedeu-se a julgamento, com observância das formalidades legais.

*** A final foi proferida sentença que julgou a acção totalmente improcedente e absolveu a Ré dos pedidos.

*** Inconformados recorreram os AA. que, alegando, formularam as seguintes conclusões: 1. As respostas aos quesitos 4°, 5°, 15°,16° e 17°, ex-vi do art. 646°-4 do Código de Processo Civil, hão-se ser consideradas como não escritas.

  1. A do 4º, porque a garantia ali referida, como se vê das als. C) e D) da especificação, está provada por documento.

  2. A primeira parte do 5°, por colidir com a confissão da Ré nos itens 6°, 9°, 33°, 34° e doc. 3 da contestação.

  3. A dos 15º, 16º e 17°, por aí se responder a matéria que, por força do art. 393° do Código de Processo Civil, só por documento se prova, inexistindo, aliás qualquer contrato-promessa, como a própria Ré a confessa no doc. 2 junto à contestação.

    1. Incorreu, pois, o Ex.mo Juiz "a quo" na nulidade prevista no art. 668°-1, al. d) do Código de Processo Civil, não apenas por ter conhecido de questões que lhe estavam vedadas por lei, mas também por não ter valorado nem a força que emerge dos documentos juntos aos autos por ambas as partes, nem a da matéria especificada sob as als. C), D), E), nem tão pouco a das respostas aos quesitos 6°, 7°, 8°, 9° e 10°.

    2. Aliás, no art.25° da contestação, a Ré aceitou expressamente a sua própria legitimidade, confessando, ainda, nos itens 6°, 9° e 24°, que era a dona do estabelecimento quando o mesmo começou a funcionar, daí se inferindo, como corolário jurídico dessa confissão, a responsabilidade que se lhe imputa.

    3. Não releva, ainda, o argumento de que, embora tenha assinado toda a documentação necessária a possibilitar a abertura e funcionamento deste talho, "em consciência", nada teria a Ré a ver com a sua actividade posterior, alegadamente, por ter cedido a outrem todos os direitos sobre o mesmo, pois as partes, no doc.2, apenas declararam vender e comprar a fracção K.

    4. Atenta a confissão da Ré, no art. 25° da contestação, o momento para determinar a sua legitimidade e, consequentemente, a sua responsabilização civil, é o que faz desencadear os factos em que entroncam o pedido e a causa de pedir, sendo inócuas, desse ponto de vista, as ulteriores mudanças de mão por que tenha passado o estabelecimento em causa, sob pena de se desvirtuar, como fez a sentença recorrida, o disposto nos arts. 268° e 271° do Código de Processo Civil.

    5. Ao elaborar e subscrever em seu próprio nome, como dona do talho, o doc. 3 e toda a documentação subsequente para legalizar a sua existência, deu vida a Ré ao exercício de uma actividade ilícita, iludindo a fé que o cidadão comum deposita nos documentos destinados a fazer fé pública, pois quando vendeu a fracção "K", em 04.01.22, já o fez com a implantação das estruturas e dos maquinismos próprios de um talho em pleno funcionamento.

    6. E mesmo que a Ré tivesse feito intervir terceiros na lide - o que poderia e deveria ter feito, se quisesse alijar responsabilidades, à luz do disposto no art. 329° do Código de Processo Civil - nem por isso, deixaria de ser solidariamente responsável, embora lhe assistisse, depois, eventualmente, o direito de regresso sobre aquele ou aqueles que diz serem os responsáveis.

    7. Demitindo-se do exercício dessa faculdade, terá a Ré de ser agora condenada, sem prejuízo de ainda poder accionar quem ela entenda ser actualmente o responsável (em audiência a sua testemunha E………. diz que "agora, até já nem é ele" sendo certo que a possível dificuldade em descobrir a sua entidade só sobre si recairá.

    8. Pois, perante a lei, inexistindo nos autos qualquer documento válido e eficaz que prove o contrário, continua a ser a Ré a responsável pelo cumprimento da condenação que eventualmente venha a ser decretada, pois só o nome dela figurou no doc. 3, não se vendo que através do doc. 2, tenha sido transferido algo mais do que a propriedade da fracção onde o mesmo foi instalado.

    9. Não o entendendo assim, incorreu a sentença recorrida na prática da nulidade prevista no art. 668°-1,al. d), do Código de Processo Civil, na medida em que deixou de conhecer de todas as questões que se suscitavam nestes autos, bem como em interpretação deficiente das normas prescritas nos arts. 268°, 271° e 329°, todos do Código de Processo Civil.

    Nestes termos, julgando procedente este recurso, revogando a sentença recorrida e substituindo-a por outra que condene a Ré nos pedidos, far-se-á inteira Justiça.

    Não houve contra-alegações.

    *** Colhidos os vistos legais, cumpre decidir tendo em conta que na Instância recorrida foram considerados provados os seguintes factos: i. Os autores são donos de um apartamento destinado a habitação, constituída pela fracção designada pela letra "D" localizada na cave do prédio urbano sito no ………., freguesia de Resende, descrito, este, na Conservatória do Registo Predial de Resende sob o n.º 01427/210200, e aquela sob o n.º 01427/210200 D, e inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo urbano 2408 - al. A) dos factos assentes.

    ii. Tal fracção foi construída e comercializada pela ré, tendo a transmitido aos autores - al. B) dos factos assentes.

    iii. Do alvará de construção n.º 342/01 do processo de licenciamento camarário n.º 251/01 consta: "A construção destina se a edifício multifuncional, habitação, comércio, serviços, restauração e bebidas e indústria compatível com habitação" - doc. n.º 2 junto com a petição inicial, que aqui se dá por reproduzido - al. C) dos factos assentes.

    iv. Da escritura de constituição da propriedade horizontal do prédio descrito na competente Conservatória sob o artigo 01427/210200 consta que a fracção "K" se destina a "comércio, serviços e pequenas indústrias não poluentes nem nocivas e compatíveis com a função residencial", doc. nº3 junto com a petição inicial, que aqui se dá por reproduzido - al. D) dos factos assentes.

  4. Na fracção "K" do prédio id. em i. foi aberto um estabelecimento de talho, que iniciou a sua actividade em 4 de Setembro de 2003 - al. E) dos factos assentes.

    vi. Foi realizado um projecto de remodelação da fracção "K", apresentado na E………., do qual consta um condicionamento acústico que teve por objectivo anular o impacto causado pelo exercício da actividade do talho junto às habitações mais próximas - doc. nº3 junto com a contestação, que aqui se dá por reproduzido - al. F) dos factos assentes.

    vii. Do auto de vistoria da E………., realizada em consequência de reclamação do ora autor quanto aos níveis de ruído do talho, consta: "No estabelecimento não se verificaram níveis de ruído que se possam considerar anormais, sendo que os ruídos detectados na habitação do reclamante (verificação no período diurno) se podem...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT