Acórdão nº 0543180 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 04 de Outubro de 2006

Data04 Outubro 2006
ÓrgãoCourt of Appeal of Porto (Portugal)

ACORDAM NA SECÇÃO CRIMINAL (2.ª)DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO I 1. No processo comum n.º …../02.0TDPRT (203/03) do ….º juízo criminal do Porto, após julgamento, por sentença de 19/01/2005, foi decidido, no que ora releva: a) - quanto à acção penal - declarar extinto, por prescrição, o procedimento contra-ordenacional; - condenar a arguida B……, como autora de um crime de homicídio negligente, p. e p. pelos artigos 15.º e 137.º, n.º 1, do Código Penal [Daqui em diante designado pelas iniciais CP], na pena de 5 (cinco) meses de prisão, substituída, nos termos do artigo 44.º do CP, por uma pena de multa de 150 (cento e cinquenta) dias à taxa diária de € 6,00; b) quanto ao pedido cível - condenar a demandada C……..S.A. a pagar aos demandantes, como herdeiros do sinistrado, o montante de € 32.500€ - sendo € 27.500,00, pela perda do direito à vida, e € 5.000,00, pelos danos morais sofridos pela vítima antes de morrer - a que acrescem os juros legais aplicáveis às obrigações civis, desde a notificação da mesma para contestar o pedido até integral pagamento; - condenar ainda a mesma demandada a pagar a cada um dos demandantes, a título de danos não patrimoniais próprios, o montante de € 10.000€, a que acrescem os juros legais aplicáveis às obrigações civis, desde a notificação da mesma para contestar o pedido até integral pagamento; - condenar a demandada a pagar à demandante D…….. o montante de € 1.469,94€, a título de danos patrimoniais, a que acrescem os juros legais aplicáveis às obrigações civis, desde a notificação da mesma para contestar o pedido até integral pagamento.

  1. Inconformadas, a arguida e a demandada seguradora interpuseram recursos da sentença.

    2.1. A arguida B……. extraiu da motivação apresentada as seguintes conclusões: «1º Não pode a arguida conformar-se com a douta sentença de fls., porquanto, olhando para a matéria da facto dada como assente, é manifesto que esta não pode levar à conclusão que se retira da mesma sentença, ou seja, desta não se pode concluir pela culpabilidade da arguida. [e] «2º Pois, mesmo considerando os factos tidos como provados, os mesmos são insuficientes para se concluir que a conduta da arguida teve influência na ocorrência do sinistro, para além de ser manifestamente gravosa para a arguida a proporção de responsabilidade atribuída a cada um dos intervenientes.

    «3º Porém, perante as transcrições supra efectuadas, é manifesto que as conclusões da Meritíssima Juíza do Tribunal A Quo deveriam ter sido outras quanto à matéria de facto dada como provada e como não provada. Da audição das gravações do julgamento resulta, inclusivamente, que muitas das respostas desabonatórias ou duvidosas dadas pelas testemunhas são-no por via da insistência e da condução do Tribunal a essas mesmas respostas: não são, manifestamente, espontâneas, e por ventura não deveriam ser essas as respostas que ajudariam a formar a convicção do julgador.

    «4º - É excessivo e gravoso para a arguida a proporção de responsabilidade - 100% - que lhe é atribuída no sinistro dos autos, já que resulta inequivocamente dos autos a responsabilidade da vítima no sinistro dos autos. Ao que acresce, ainda, ser igualmente excessivo considerar-se adequada a conduta da arguida à produção do resultado, pois do acidente resultou apenas uma fractura na anca direita da vítima. Assim, e ainda que se considere que à arguida se pode assacar alguma responsabilidade no acidente, sempre esta deveria ser condenada, quando muito, como autora material de um crime de ofensas corporais por negligência e nunca, como faz a douta sentença de que se recorre, por um crime de homicídio por negligência.

    «5º Nenhuma das testemunhas afirmou que o peão iniciou a travessia da via após se certificar que o podia fazer. Nem, com o que resulta da matéria acima dada como assente, tal se pode retirar. Na verdade, mesmo que o peão tivesse olhado para os dois lados, como se afirma na douta sentença recorrida, certo é que tal cautela não era suficiente nem adequada para evitar o sinistro, como não foi., dado que o peão atravessou pela frente de um veículo que se encontrava parado na faixa de rodagem, a aguardar que se desse uma vaga de estacionamento.

    «6º - A passagem pela frente do veículo estacionado, nas circunstâncias que resultam da matéria assente foi, por parte do peão, manifesta imprevidência, nomeadamente tomando em conta o seu estado de saúde, que por certo não desconhecia, além de que não se assegurou, manifestamente, que poderia encetar a travessia sem perigo de ser atropelado.

    «7º Por seu turno, se os condutores de veículos têm determinadas obrigações, também as têm os peões. Daí que, verificando a existência do veículo estacionado em plena faixa de rodagem, o peão deveria e poderia prever que os veículos que por ela legitimamente circulassem seguramente o iriam contornar... sendo manifesto que estes veículos não o poderiam avistar e que o local adequado para estes circularem era, seguramente, a faixa de rodagem (segundo o art. 1º, al. f) do C.E., "parte da via pública especialmente destinada ao trânsito de veículos" - que não de peões.) «8º Ao contrário do que se afirma na douta sentença em crise, atentas as circunstâncias em que ocorreram os factos, NÃO era de esperar que alguém, com as capacidades da arguida, conseguisse evitar o acidente em apreço, tanto mais que por parte da arguida não foi violada nenhuma norma de direito estradal nem esta, tão pouco, omitiu os deveres de cuidado que lhe eram impostos.

    «9º - Ficou provado na douta sentença recorrida que ao sentir o embate no peão a arguida, de IMEDIATO, parou. A arguida não parou a 10, 5 ou mesmo 2m, caso em que, mesmo assim, se teria que admitir que a velocidade que imprimia ao seu veículo era reduzida e a sua atenção efectiva - traduzindo-se a atenção, logicamente, na capacidade de reacção ao embate: a arguida parou imediatamente e no mesmo local onde caiu o peão. Assim sendo, não só era manifesto que imprimia ao seu veículo uma velocidade reduzida como, ainda, que conduzia com a devida atenção, pois, se assim não fosse, seguramente seria outra a sua actuação face ao estrondo que ouviu. Não se percebe, portanto, como é que face a este dado objectivo a meritíssima juíza conclui que a arguida seguia com "desatenção ao trânsito de peões que na hemi-faixa em pretendia continuar a circular" (sic).

    «10 - Que especial perigosidade revestiu a manobra que efectuou a arguida, tomando em linha de conta o que ficou provado, ou seja, que esta não podia ver o peão, que não saiu da sua hemi-faixa de rodagem, que em sentido oposto não circulava nenhum veículo e que circulava em velocidade tal que parou o seu veículo imediatamente após o embate, embate esse que se verificou não na frente mas na lateral direita do seu veículo? A resposta é, necessariamente, NENHUMA.

    «11º - A conduta da arguida, ao contrário do que vem dito na sentença em crise, foi absolutamente cuidadosa, não sendo objectivamente previsível que aquela manobra, naquele local e àquela velocidade pudesse ser adequada a provocar um atropelamento, quanto mais com as nefandas consequências do dos autos.

    «12º - Por outro lado, do acidente resultou para a vítima uma simples fractura da cabeça do fémur direito. Tal aconteceu porque a vítima bateu com a perna no veículo automóvel conduzido pela arguida, nas circunstâncias já supra descritas. Ora, os mais pequenos pormenores deste caso apontam, não para a culpa da arguida mas sim para uma lamentável fatalidade, consequência mais do azar do que da culpa. A lesão letal adveio, não do embate em si mas da idade avançada da vítima, da sua fragilidade de saúde, motivada pelos diabetes e estado de nutrição deficitário «13º - No caso concreto há um[a] conjunto anormal de circunstâncias aponta (sic) para que a culpa da arguida, ainda que na forma de negligência, não exista, pois que esta não podia prever nem as circunstâncias nem, tão pouco, o desfecho do presente caso, que seguramente seria outro se não fossem os padecimentos da vítima. Daí que, e quando muito, a arguida pudesse ser indiciada por ofensas corporais por negligência, que seria o caso não fora as anormais circunstâncias reunidas - ou, talvez não, pois um cidadão saudável ter-se-ia seguramente desviado do perigo representado pelo veículo da arguida, para não dizer que poderia ter valorado de diferentes formas o risco de uma travessia da rua naquelas concretas circunstâncias, não a tendo, por isso, encetado.

    «14º - Mesmo tendo em consideração a matéria de facto dada como provada, deveria ter sido outra a sorte da arguida no presente caso, já que as circunstâncias do caso manifestamente apontam para a desresponsabilização da mesma no atropelamento que se analisa, e consequente absolvição penal, o que se espera, por justo, dos Venerandos Desembargadores.

    «15º No caso em apreço é manifesto que o acidente se deu pelo facto de a vítima ter sido negligente ou pelo menos imprevidente e temerária no atravessamento da via, já que não atentou que o seu estado de saúde o obrigaria a cautelas acrescidas nem observou as regras básicas de segurança a tomar em conta no atravessamento de qualquer via (maxime, fazê-lo em local de onde pudesse ver com segurança se na faixa de rodagem circulava algum veículo).

    «16º - Como refere a Testemunha E……., o peão estava bastante indeciso, quanto a atravessar ou não a via. Diz mesmo este,. O sr., falando de forma mais popular, estava atarantado. Com as buzinadelas, com o trânsito, o Sr. estava atarantado! É Manifesto que a arguida não poderia contar com tal circunstância anómala! Tanto mais que, no dizer desta testemunha, após ouvir buzinar o comportamento da arguida FOI INSTINTIVO. PAROU. Ora, se arguida seguisse desatenta, teria parado imediatamente, reagindo de imediato ao sinal de perigo? Não é crível.

    «17º - Além do mais, não houve chiar dos travões, a testemunha buzinou e deu-se a colisão. A sra travou no momento em que a pessoa colidiu com o carro ou o carro com a pessoa., foi naquele instante. O...

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