Acórdão nº 0641683 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 13 de Setembro de 2006

Data13 Setembro 2006
ÓrgãoCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam, em conferência, na Secção Criminal da Relação do Porto: I - Relatório: I - 1.) Inconformados com o despacho proferido a fls. 1068 a 1078 nos autos com o NUIPC …../00.0JAPRT, em que a Sr.ª Juiz de Instrução Criminal do Porto julgou "improcedente a nulidade invocada e consequente proibição da valoração como prova, do resultado da análise da saliva colhida através de zaragatoa bucal efectuada ao arguido B…….. e ainda a efectuar ao restantes arguidos (em que se incluem os ora impetrantes), e por conseguinte, ser legal o despacho proferido pelo Exm.º Magistrado do Mº.P.º titular do inquérito, que ordenou a realização dos preditos exames à saliva dos arguidos a colher através de zaragatoa bucal", recorrem os arguidos C…… e D…… para esta Relação, sustentando em seu apoio as seguintes conclusões: 1.ª - No direito português vigente, por falta de lei expressa, só o consentimento livre e esclarecido do arguido pode legitimar a sua submissão a uma colheita de vestígios biológicos para análise de ADN; 2.ª - Uma vez que os recorrentes manifestaram a sua expressa recusa em colaborar ou permitir tal colheita, é manifestamente ilegal e até criminalmente ilícita a sua realização coactiva, por manifesta falta do indispensável suporte legal - lacuna essa que o intérprete e aplicador da lei não estão, por si, legitimados a colmatar; questão que devia conhecer, e sobre a qual o tribunal recorrido não se pronunciou sendo portanto tal despacho nulo nos termos do art. 379.º, n.º1, al. c), do C.P.P.

  1. - Dever-se-ia ter reconhecido e declarado a ilegalidade de tal mandado e posterior despacho quanto à sobredita colheita, nos termos em que está configurada com todas as legais consequências, a começar pela proibição absoluta de valoração da(s) prova(s) assim obtida(s) por em manifesta violação do disposto, entre outros, no art. 25.º, n.º 1, da CRP; 4.ª - Decidindo de forma diversa, o Exm.º Juíz a quo violou, entre outras, as normas contidas nos art.ºs 25.º, 26.º, n.º 1, e 32º, n.º 8, todos da CRP, o art. 8.º da CEDH, o art. 12.º da DUDH, o art. 17.º do PIDCP e os art.ºs 126.º, n.º 1 e 2 al.ªs a) e c) e 3, bem como o art. 172.º, n.º 1, ambos do C.P.P.; 5.ª - De resto, sempre estaria ferida de inconstitucionalidade a norma do art. 172.º, n.º 1, do C.P.P., interpretada no sentido de possibilitar ao M.º P.º ordenar a colheita coactiva de vestígios biológicos de um arguido para determinação do seu perfil genético, quando este último tenha manifestado a sua expressa recusa em colaborar ou permitir tal colheita; 6.ª - Da mesma forma que seria igualmente inconstitucional a norma do art. 126.º, n.ºs 1, 2 al.ªs a) e c) e 3, do C.P.P, quando interpretada no sentido de considerar válida e, consequentemente, susceptível de ulterior utilização e valoração, a prova obtida através da colheita efectuada nos moldes descritos na conclusão anterior.

  2. - É que dada ser esta matéria das restrições aos direitos, liberdades e garantias está sujeita à reserva de lei formal e material, 8.ª - Ou seja os direitos, liberdades e garantias não podem ser restringidos senão por via de lei; 9.ª - E só podem ser regulados por lei da Assembleia da República ou por decreto-lei governamental autorizado por aquele órgão legislativo, nos termos dos artigos 167.º e 168.º, n.º 1, al. b), da CRP.

  3. - Garantindo-se assim que os direitos, liberdades e garantias não ficam à disposição do poder regulamentar da administração e que o seu regime há-de ser definido pelo próprio órgão representativo, e não pelo governo, e muito menos pelas entidades públicas dotadas de poder de auto-regulação; 11.ª - Ou seja, nesta matéria não há lugar para regulamentos autónomos ou interpretações extensivas ou inventivas (art. 115.º CRP).

  4. - Porque se inserem tais questões no âmbito consagrado nos preceitos constitucionais relativos a direitos, liberdades e garantias.

  5. - São inconstitucionais as leis e despachos - dentro do qual o recorrido é - que infrinjam os ditos preceitos constitucionais, 18.º, 19.º, 29.º, 168.º, n.º 1, 282.º, n.º 3, todos da C.R.P.

  6. - O que se requer seja superiormente declarado.

    I - 2.) Na sua resposta, o Digno magistrado do Ministério Público após ter suscitado a questão prévia da admissibilidade do recurso, alinhou por seu turno as seguintes conclusões: 1.ª - A intervenção do juiz de instrução, na fase de inquérito, está circunscrita ao taxativamente fixado nas normas dos art. 268.º e 269.º, ambos do CPP.

  7. - Assim, na fase de inquérito, não compete o juiz conhecer de nulidades suscitadas, quer pelo arguido, quer pelo assistente.

  8. - Sendo o Ministério Público, na fase de inquérito, livre de realizar quaisquer diligências de prova, com vista ao exercício da acção penal e orientadas segundo o princípio da legalidade, a decisão que tomar sobre o curso da investigação não é passível de ser sindicada durante o inquérito pelo juiz, sob pena de vulneração dos princípios da oficialidade e do acusatório.

  9. - Não sendo os actos do Ministério Público susceptíveis de recurso e não podendo o juiz apreciar, durante o inquérito, a legalidade do corpo de diligências que compõem o inquérito, nem o arguido nem o assistente têm legitimidade para recorrer do despacho judicial que indevidamente se pronunciou sobre a legalidade da actividade investigatória desenvolvida pelo Ministério Público.

  10. - Neste termos, o presente recurso não é legalmente admissível, e a circunstância de ter sido admitido não vincula o Tribunal ad quem, que dele não deverá tomar conhecimento - art. 414.º n.ºs 2 e 3 e 420.º n.º 2, ambos do CPP.

  11. - Os exames representam providências cautelares para que se fixe em auto os vestígios e os indícios ou se permita ao tribunal a observação directa dos factos que relevem em matéria de prova, podendo ter como objecto pessoas, coisas ou locais.

  12. - Constituindo os exames, meio de obtenção de prova, o arguido, mesmo sendo sujeito processual, dotado de direitos e deveres, é, também, objecto de investigação, pelo que é obrigado a eles sujeitar-se, sem necessidade da sua concordância prévia.

  13. - A recolha de saliva através de zaragatoa bucal não implica qualquer ofensa à integridade física do agente (arguido), visto que não acarreta qualquer prejuízo significativo no seu bem-estar físico, nem põe em causa o normal funcionamento das suas funções corporais.

  14. - De qualquer forma, ainda que se perfectibilizasse ofensa à integridade física do sujeito submetido a tal exame, a restrição da protecção de tal direito estaria justificada pela necessidade de concretização do ius puniendi do Estado.

  15. - O art. 263.º, n.º 1, do CPP, que atribui competência ao Ministério Público para a direcção do inquérito, não está ferido de inconstitucionalidade.

  16. - No âmbito do inquérito, na prossecução do interesse público da segurança e investigação criminal eficaz o MP procede, dentro do quadro da legalidade e objectividade, às diligências adequadas à decisão sobre o exercício da acção penal e soluções alternativas.

  17. - A determinação, na fase de inquérito, de realização de recolha de amostras biológicas - zaragatoa bucal - aos arguidos, para comparação com outros vestígios biológicos, é da competência do MP e constitui, simultaneamente, diligencia fundamental e imprescindível para a descoberta do (s) agente (s) do dos crimes em investigação - duplo homicídio doloso - pelo que não se revela desajustada e desproporcionada com a finalidade da investigação.

  18. - Em consequência, o exame em questão é meio legal de prova e pode ser valorado como tal.

  19. - O despacho judicial que julgou simultaneamente julgou inverificada a alegada nulidade do despacho do MP e a consequente não proibição de valoração como prova, do predito exame e seu resultado, não vulnerou o disposto nos art. 25.º, 26.º n.º 1 e 32.º n.º 8, da CRP; as normas dos art. 126.° n.ºs 1 e 2, als. a) a c) e n.º 3 e 172.° n.º 1, estes do CPP.

  20. - Tal despacho violou, isso sim, pelo menos, as normas dos art. 262.º n.º 1, 263.º n.ºs 1 e 2 e, a contrario, os art. 268.º e 269.º, todos do CPP.

  21. - Termos em que se pede: - que o Tribunal ad quem não tome conhecimento do recurso, por inexistência de fundamento legal para o mesmo; - na pior das hipóteses, que confirme o despacho judicial «recorrido».

    III - 1.) Subidos os autos a esta Relação, o Exm.º Sr. Procurador-Geral Adjunto, teve vista do processo.

    *Seguiram-se os vistos dos Exm.ºs Sr.s Desembargadores que comparticipam na decisão.

    *Teve lugar a conferência.

    Cumpre apreciar e decidir: III - 2.) Deixando de lado aspectos colaterais ao real objecto do recurso, traduzidos, por exemplo, numa menos correcta identificação do despacho que se visa impugnar, a sua definição essencial incide na legalidade e constitucionalidade da decisão do Ministério Público, em inquérito, de sujeitar os recorrentes a "exame", traduzido na recolha de saliva para definição do seu perfil genético e subsequente comparação com vestígios biológicos encontrados no local onde se verificou um determinado homicídio, a fim de assegurar o desenvolvimento da sua investigação.

    Na respectiva resposta, introduz-se, no entanto, a questão da própria admissibilidade do recurso.

    III - 2.) Vejamos no entanto, primeiro, as partes mais significativas do despacho de que se recorre: "(…) Respeitam os presentes autos à investigação, entre outros, da prática de factos susceptíveis de integrar dois crimes de homicídio qualificado p. e p. pelos arts. 131º e 132º nºs 1 e 2 c), f) e i) do Cód. Penal.

    No local onde ocorreram os homicídios foram recolhidos vestígios biológicos, sendo eles ou alguns deles, pertencentes ao(s) autor(es) de tais crimes.

    No decurso da investigação, em face da falta de testemunhas presenciais daqueles homicídios, decidiu o MºPº ordenar a prova por meio de exames à pessoa dos suspeitos entretanto constituídos como arguidos, com vista à colheita de vestígios biológicos para determinação do seu perfil genético e subsequente comparação com os dos vestígios biológicos encontrados no local dos crimes.

    Verifica-se do exame...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT