Acórdão nº 134/07.0YRCBR de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 23 de Maio de 2007

Magistrado ResponsávelGABRIEL CATARINO
Data da Resolução23 de Maio de 2007
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra.

  1. – Relatório.

    O assistente, A...

    , requer que seja recusada a intervenção do Senhor Juiz do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Torres Novas, por: “Na sequência de uma notícia publicada pelo Diário de Notícias de Maio de 2003, cuja cópia se junta, sob Doc. Nº 1, o Exmo. Sr. Dr. Juiz B...

    , na qualidade de Presidente do Tribunal de Torres Novas, mandou instaurar, contra o ora Assistente, um processo-crime, conforme respectiva certidão que se junta sob Doc. n.º 2.

    Nessa sequência, o ora Assistente foi constituído arguido, prestou TIR, tendo o processo sido remetido para a Comarca do Entroncamento, onde veio a ser arquivado, conforme Doc. Nº 3 a 6 que se juntam.

    Desde então, o Assistente tem notado, da parte do Exmo. Sr. Dr. Juiz B... uma aclara má vontade contra a sua pessoa, a qual se traduz na não pronúncia de arguidos em processos em que o ora Assistente tem, igualmente, esta posição processual (Proc. nº ...../02.4 TDLSB, 1.º Juízo de Torres Novas), e na pronúncia deste, depois do arquivamento pelo Ministério Público, em processos onde o ora Assistente é arguido (Proc. nº .../04.4 TA1NV, 1º Juízo de Torres Novas). A má vontade continua nos presente autos, traduzida do douto despacho de 14 de Fevereiro de 2007, indeferindo a inquirição de uma testemunha, que por sinal também é magistrado, a qual, publicamente afirmou ter recebido pressões e bloqueios, para não investigar matéria relevante para o apuramento da verdade material dos factos subjacentes aos autos. Junta-se cópia do referido despacho, sob Doe. Nº 7.

    O facto de o Exmo. Sr. Dr. Juiz de Instrução, no passado, ter promovido um processo-crime contra o ora Queixoso, por causa da matéria destes autos, aliada ao sentido das decisões que tem tido, neste processo, e em todos aqueles em que o Assistente é parte interessada originam uma fundada desconfiança sobre a sua imparcialidade.

    Esta desconfiança (que em face do exposto é legítima) é intolerável, devendo, a bem da justiça, e da sua transparência, ser removida».

    Avisado para os efeitos do nº 2 do artigo 42º do Código de Processo Penal, o Senhor Juiz pronunciou-se nos termos que a seguir se deixam extractados.

    […]Em primeiro lugar refira-se que foi efectivamente apresentada contra o assistente uma queixa-crime, actuando o agora respondente na qualidade de presidente, na altura em exercício, do Tribunal de Torres Novas, e não a título pessoal. E a queixa foi apresentada arque, objectivamente, consideramos que o assistente havia praticado um crime de difamação quanto à instituição Tribunal com as declarações que prestou à comunicação pessoal. Na altura nada nos moveu a título pessoal contra o assistente.

    Por outro lado, o Juiz agora respondente efectivamente presidiu à instrução no Processo nº ..../02.4TDLSB, que correu termos no 1º Juízo deste Tribunal de Torres Novas, de que somos titulares (dever-se-ia ter empregue o substantivo na forma singular, “titular”, dado que se refere a um sujeito único o Juiz titular do 1º Juízo). Na altura, e como sempre temos feito ao longo da nossa carreira, tomamos uma decisão instrutória de forma objectiva e em consciência quanto à solução mais correcta para a situação. Na altura, e por estarmos convictos que não existiam indícios nesses autos que os arguidos que haviam sido indicados pelo assistente não teriam cometido qualquer crime, proferimos despacho de não pronúncia.

    Mais uma vez nada nos moveu contra o ali igualmente assistente, A.... Nem a opção tomada de proferir despacho de não pronúncia teve a ver com a queixa que apresentamos anteriormente, na qualidade de presidente do Tribunal de Torres Novas.

    Consideramos assim verdadeiramente alvitrante (o sentido e a inserção do termo sugere que tenha querido dizer-se “aviltante”: “que avilta”; “que torna vil”; “que humilha”, dado que “alvitrante”=”alvitrador” significa “que ou aquele que alvitra”; “que ou aquele que sugere”; “que ou aquele que propõe” – ver dicionário da Língua Portuguesa, de Cândido Figueiredo, e “Dicionário Houassis da Língua Portuguesa”) e difamatória a afirmação realizada pelo assistente no presente requerimento que teríamos passado a ter má vontade contra o mesmo a partir do momento em que apresentamos a referida queixa na qualidade de presidente do tribunal de Torres Novas. E ainda mais grave consideramos a insinuação, despida de qualquer fundamento e ainda mais difamatória, que teria sido pela má vontade que este Juiz teria em relação ao assistente, que teríamos decidido proferir despacho de não pronúncia em relação aos arguidos em causa naqueles processos.

    Do mesmo modo, continuamos a considerar totalmente infundado e difamatória a insinuação realizada pelo assistente que, igualmente com base na “má vontade”, teríamos proferido despacho de pronúncia contra o mesmo, sendo que aí ele ocupa a posição de arguido, no processo no 4/04.4TATNV, que corre termos neste 1º Juízo do Tribunal de Torres. Mais uma vez aí tomamos a decisão em consciência e em termos objectivos. Consideramos na altura que existiriam indícios nos autos da prática pelo arguido (aqui assistente) de um crime de difamação agravado. Daí termos pronunciado o assistente (naquele processo na qualidade de arguido) pelo crime em causa.

    Mais uma vez consideramos totalmente alvitrante (?) e difamatório e destituído de fundamento a alegação efectuado no presente requerimento pelo assistente que se proferiu despacho nos autos de instrução apensos em que se indeferiu a inquirição de determinada pessoa mais uma vez pela má vontade que teremos em relação a ele e ainda porque essa pessoa é magistrado. O Juiz agora respondente indeferiu a inquirição dessa testemunha porque considerou que não havia fundamento para a sua realização, tal como devidamente fundamentou no despacho em causa. Evidente que nos termos do artigo 291.º,n.º1, do Código de Processo Penal, só serão produzidos na instrução os actos que o Juiz considera que interessam ao objecto da mesma, e não todos que o seu requerente entenda que devam ser produzidos. Mais uma vez de forma objectiva e consciente considerou-se que aquele acto não interessava à instrução, tendo-se então rejeitado a produção do mesmo.

    Ter-se-á assim que concluir que o Juiz agora respondente actuou nos autos apensos, como em todos os processos em que interveio o assistente, de forma totalmente imparcial e objectiva. Nunca houve qualquer intenção da nossa parte, desde que iniciamos funções no âmbito da nossa actividade, de prejudicar quem quer que fosse nas decisões que tomamos. E será esse o nosso comportamento sempre e em todas as ocasiões.

    Em conformidade, e pelo exposto consideramos que o presente incidente de suspeição não tem qualquer fundamento, devendo, como tal, ser indeferido

    .

    Nesta instância, o Exmo. Senhor Procurador-geral Adjunto, em diserto parecer, pronunciou-se pelo indeferimento da requestada recusa, em parecer que se deixa transcrito nos “tramos” achados pertinentes.

    […] De harmonia com o princípio do Juiz Natural consagrado na CR – nº 9 do art. 32.º - nenhuma causa pode ser subtraída ao tribunal cuja competência esteja fixada em lei anterior.

    A independência e a imparcialidade dos tribunais são uma exigência da própria constituição – art.s 203.º e 216.º.

    O direito a que uma causa seja decidida por um tribunal imparcial está expressamente consagrado na Convenção Europeia dos Direitos do Homem – art. 6.º & 1.º.

    3. Afigura-se-nos que o presente incidente não deverá ser atendido.

    Com efeito, como decidiu o Supremo Tribunal de Justiça – (AC de 2000.04.05, CJ VIII, I, 244) – só deve ser deferida a escusa ou recusa do Juiz natural quando se verifiquem circunstâncias muito sérias e bem definidas, tidas por sérias e graves e irrefutavelmente denunciadoras de que ele deixa de oferecer garantias de imparcialidade.

    Só um motivo sério e grave, e não simples ameaças, pode fundamentar um pedido de escusa ou recusa de um juiz - cfr. AC R. C. de 92.06.09, Processo 282/92.

    Como se diz no AC desta Relação, de 2004.07.14, os motivos da imparcialidade geradora da recusa encontrar-se-ão em razões de ordem subjectiva, na medida em que os mesmos obnubilem as capacidades de raciocínio, discernimento e lucidez, mas também em razões objectivas, que se revelam quer numa impossibilidade para tomar decisão, quer na existência de um preconceito limitativo da liberdade de querer. – (Recurso n.º 2634/04, deste Tribunal) – (“O êxito da recusa deve assentar, em regra, na verificação de circunstâncias exteriores ao desenrolar da causa, pois ao contrário, correr-se-ia o risco de toda e qualquer decisão “errada”a poder ser considerada motivo sério e grave, adequado a gerar a desconfiança de que fala o 43.º,nº 1 do Código de Processo Penal”) – AC da RL, de 2001.01.10, documento 20010110004283, processo 0042833, obtido através do site da DGSI.

    Necessário é, pois, face à letra da lei, que exista um nexo de adequação entre o motivo (que tem de ser sério) e a desconfiança sobre a liberdade de decidir, servindo de critério para aferir dessa adequação, a representação de que um cidadão médio, representativo do meio, pode suspeitar que o juiz deixe, em tal caso, de ser imparcial; - “(…) deste modo, a seriedade e gravidade do motivo causador do sentimento de desconfiança sobre a imparcialidade do juiz devem ser apreciadas num plano objectivo, de acordo com o senso e a experiência comuns” – cfr. AC de 2007.03.14, no recurso no 63/ 07.8YRCBR, deste Tribunal.

    A discordância quanto ao decidido relativamente a questões processuais (no caso a não admissão de uma inquirição, perfeitamente fundamentada), tanto mais que era/é passível de recurso (como o já havia feito relativamente ao processo indicado no último parágrafo de fls. 1) – distribuído na mesma data, onde, por coincidência, as posições do Ministério Público até vão no sentido do recorrente - , não deverá ser suficiente para sequer se questionar a falta de imparcialidade, ou seja, para se poder afirmar que existe um...

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