Acórdão nº 874/03.3TMAVR-B.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 13 de Março de 2007

Data13 Março 2007
ÓrgãoCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

(.............) 2.

Objecto do recurso.

O presente recurso de agravo tem por objecto o despacho que indeferiu liminarmente o pedido de alteração de atribuição da casa de morada de família.

  1. Enquadramento da pretensão da recorrente.

    Na sequência da convolação de uma acção de divórcio litigioso em mútuo consentimento, a recorrente e o seu ex-marido acordaram, entre ouras coisas, na atribuição a ambos da casa de morada de família, o que foi homologado por sentença.

    Veio agora, a recorrente pedir a alteração da atribuição da casa de morada de família, alegando alteração das circunstâncias.

    Concluso o processo, foi proferido o despacho recorrido.

  2. Alegações.

    A recorrente alega que, estando separada de facto do ex-marido de há longa data, anterior ao pedido de divórcio, admitiu a possibilidade de continuar a viver na mesma casa do que ele, como vinha acontecendo, razão do acordo. Contudo, após o divórcio, o ex-marido começou a ter atitudes de desprezo em relação ao filho, portador de deficiência profunda, tentou expulsar a filha da casa, restringiu a circulação dentro da casa e agrediu fisicamente a recorrente e a filha, na altura grávida. Estes factos consubstanciam uma alteração superveniente que altera os pressupostos do acordo, estando em causa os princípios legais que devem presidir à atribuição de casa de morada de família, os interesses e a ordem familiar, pelo que, de acordo com o disposto no nº 1 do artigo 1411º do Código de Processo Civil, o despacho recorrido deve ser alterado, com vista à alteração do acordo referido.

    ...

    II – Fundamentação.

  3. Os factos.

    A recorrente e o seu ex-marido, J ..., em 13 de Janeiro de 2005, convolaram a acção de divórcio que corria entre eles numa acção de divórcio por mútuo acordo, tendo acordado, entre ouras coisas, o seguinte: «o direito a habitar a casa de morada de família é atribuído a ambos os cônjuges até à partilha. Enquanto ambos os cônjuges habitarem a casa de morada de família, o autor entregará até ao dia dez de cada mês e com início no próximo mês, a quantia de 50,00 € como participação nas despesas de água, luz e gás. De momento não se fixam quaisquer outras quantias a título de alimentos entre os cônjuges, ficando sem efeito os alimentos provisórios fixados no despacho saneador de fls. 81 a 87». O acordo foi homologado por sentença.

    Em 20 de Junho de 2006, num processo de inventário para separação de meações, no que respeita à casa de habitação e não havendo acordo entre a recorrente e o ex-marido, foi considerado que ela tinha sido edificada em momento anterior ao casamento, ocorrido em 22 de Junho de 1994, e foi a questão remetida para os meios comuns.

    Em 24 de Outubro de 2006, a recorrente deu entrada a um pedido de alteração da atribuição da casa de morada de família, alegando, entre outras coisas, que «na presente data existe a impossibilidade total de um relacionamento minimamente cordial entre o ora requerido e a restante família», o que concretizou alegando que o requerido rejeita o filho, portador de deficiência profunda, que agrediu a recorrente e a filha, na presença do filho, e que fecha portas à chave, impedindo a utilização da casa pela restante família.

    Concluso o processo, foi proferido o despacho recorrido: «Indefere-se liminarmente o pedido, pois na acção de divórcio litigioso convertido em mútuo consentimento, os cônjuges, ora Requerente e Requerido, acordaram, singelamente, que o direito a habitar a casa de morada de família era atribuído a ambos os cônjuges (fls. 115 dos Autos principais), tendo tal acordo sido homologado por sentença transitada em julgado (fls. 116 e 117 dos mesmos)».

  4. O Direito.

    Não há unanimidade na questão de saber se a decisão de atribuição da casa de morada de família (AtCMF) pode ser posteriormente modificada, perante alteração das circunstâncias, ou não.

    Dos mais recentes, decidiram pela imodificabilidade os seguintes Acórdãos: a) o Acórdão da Relação de Lisboa, de 18 de Fevereiro de 1993 [1]; b) o Acórdão da Relação do Porto, de 17 de Fevereiro de 2000 [2]; c) o Acórdão da Relação de Lisboa, de 13 de Fevereiro de 2003 [3; d) o Acórdão da Relação de Guimarães, de 7 de Maio de 2003 [4]; e) o Acórdão da Relação do Porto, de 5 de Maio de 2005 [5]; f) o Acórdão do STJ de 2 de Outubro de 2003 [6].

    Decidiram pela modificabilidade, o Acórdão da Relação do Porto, de 30 de Setembro de 2002 [7], e o da Relação de Lisboa, de 27 de Maio de 2003 [8], que cita outros em favor desta tese e, ainda, a posição do Dr. Nuno de Salter Cid [9] de que não parece tão evidente a inadmissibilidade de alteração do acordo, acrescentando que «ainda que assim se entenda, segundo o disposto no art. 437º, nº 1, do CC, havendo alteração anormal das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar, a parte lesada tem direito à resolução do contrato, ou à modificação dele segundo juízos de equidade, desde que a exigência das obrigações por ela assumidas afecte gravemente os princípios da boa-fé e não esteja coberta pelos riscos do contrato...» [10]. Em artigo posterior, este Autor reafirma com clareza a sua adesão à tese da modificabilidade, com fundamento no artigo 1.411º do Código de Processo Civil (CPC) [11].

    Ao número dos primeiros não corresponde diversidade de argumentação, uma vez que todos seguem os argumentos do referido na alínea a): o da alínea b) só com parte deles; os das alíneas c) e e) com um único argumento do primeiro; o da alínea d) de forma muito chegada; o do STJ é relatado pela mesma pessoa que relatou o primeiro, sendo vogal também pessoa que já o havia sido no primeiro, sendo que o outro vogal votou contra. Assim, seguiremos fundamentalmente os argumentos do primeiro Acórdão.

    Estamos com a posição que defende a modificabilidade da decisão de AtCMF, quer por termos posição diferente dos primeiros referidos Acórdãos (nº 7.1.) quer porque há uma circunstância neste processo que sempre levaria à admissibilidade da alteração do já decidido (7.2.).

    7.1.1. Vejamos os argumentos do primeiro Acórdão.

    1. Não obstante a jurisdição voluntária não se sujeitar a critérios de estrita legalidade, o divórcio por mútuo consentimento só pode ser decretado quando se verificarem os requisitos estabelecidos na lei [12].

      O princípio da conveniência e da oportunidade, que predomina na jurisdição voluntária [13], não significa que não se tenha de respeitar as normas imperativas quanto às resoluções e às sentenças, como é o caso dos requisitos do divórcio.

      E, mesmo fora do domínio imperativo, não se estar sujeito a critérios de estrita legalidade, não significa que não se esteja subordinado ao que está disposto normativamente, sendo que, na jurisdição voluntária, aquela observância tem de conjugar-se com factores de oportunidade, pelo que o princípio da legalidade não vincula de forma estrita; mas, não desaparece, sendo o seu espaço mais amplo ou mais restrito consoante cada caso em concreto, como se estipula no artigo 1.410º do CPC. Assim, também a AtCMF está sujeita a requisitos legais, tal como o divórcio, os alimentos devidos a filhos maiores ou emancipados [14], etc...

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