Acórdão nº 1544/04.0TACBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 14 de Fevereiro de 2007

Data14 Fevereiro 2007
ÓrgãoCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra.

Inconformado com a decisão da Mmª Juiz de Instrução Criminal que declara extinto o seu direito de acusar a arguida pelo crime de difamação corporizado em articulado processual (artºs 115º, nº2, e 117º do Código Penal), o assistente A...

interpôs recurso e formula as seguintes conclusões: 1.- A decisão recorrida baseia-se nas seguintes conclusões alternativas: Ou o mandatário actuou sponte sua e é o único responsável pelos factos; Ou a arguida lhe deu informações precisas nesse sentido e ambos são responsáveis ( . . . ).

Em ambas as conclusões (únicas alternativas possíveis de acordo com a decisão) está assim subjacente e imanente uma prévia concepção da figura do advogado como um mercenário da palavra.

  1. - A tomarmos tal juízo como válido, secundando-nos na vox populi, seguir-se-ia que deveríamos porfiadamente abater os poderes legislativo, executivo e judicial, uma vez que, ainda a vox populi, exprime ainda pior opinião sobre juízes e políticos. . .

  2. - A aceitar-se o raciocínio inscrito na decisão recorrida quanto à autoria mediata e imediata, teremos que todo o agente judiciário que subscreva o que quer que seja será sempre responsável pelo conteúdo integral de tais escritos. Por generalização temos, então que essencial é saber quem assina, pois que este, enquanto autor imediato é sempre responsável pelas imputações que o escrito contenha, ganhando assim o estatuto de arguido se tais imputações se revelarem falsas e difamatórias.

  3. - Se a decisão recorrida se revela profundamente infeliz quanto ao exercício da função de advogado, se atentarmos nas normas do art. 305° CPP, veremos que a doutrina da decisão revela iguais perigos e desacerto quanto ao próprio juiz de instrução e funcionário de justiça que o acompanhe. Na verdade, a aceitar-se o decidido nos seus termos teríamos que quaisquer declarações prestadas em sede de debate instrutório, se se revelarem falsas e injuriosas e/ou difamatórias darão fatal e necessariamente ao sr. juiz de instrução e ao sr. funcionário de justiça, o estatuto de arguidos, uma vez que só eles assinam a acta.

  4. - O estatuto de arguido não é nem ética, nem socialmente neutro. Mais, o mesmo é apto a causar grave desconsideração e desconfiança sobre o cidadão que o carrega.

  5. - Recordemos ainda que o aparelho judiciário precisa de advogados, juízes e funcionários. E precisa, mais ainda, do prestígio de tais classes. Não pode, pois, disfuncionar, impondo a par e passo a tais agentes e por motivos de forma, o estigma da condição de arguido.

  6. - A acusação particular versa a imputação de factos feitos pela arguida em articulado subscrito pelo seu mandatário.

  7. - Na relação advogado-cliente pertence a este último ser a fonte dos factos que justifiquem a sua pretensão.

  8. - A honestidade e confiança inerentes ao mandato (com dignidade legal - arts. 83°,2 e 92°, 1 EOA) mais reforçam a conclusão anterior.

  9. - Também a experiência comum determina que em peça processual subscrita por advogado os factos devam ser reportados à parte representada enquanto os juízos, pelo contrário, devem ser atribuídos ao mandatário.

  10. - O concreto comportamento da arguida no caso é apto a fazer crer que tudo se passou dentro da normalidade, ou seja, que o mandatário se limitou a narrar os factos que lhe foram transmitidos pela mesma arguida.

  11. - A arguida apesar de invocar a irregularidade da queixa, não indicou qualquer facto (nomeadamente a quebra do dever de honestidade, ou da relação de confiança) que indicie que possa o seu (também aqui) mandatário ser o autor dos factos por que está acusada.

  12. - Há, pois de concluir-se que em casos como o dos autos, só o apuramento em concreto e no inquérito do comportamento patológico do mandatário, ou seja o desvio da experiência comum e das regras deontológicas da profissão, farão com que a apresentação de queixa se estenda ao mandatário que não tenha honrado o seu munus.

  13. - Ou seja, no que ao caso reporta e finalmente haverá ainda de concluir-se que a norma do art. 115°, 2 CP não era aplicável ao caso, sendo, essa sim, aplicável a norma do art. 114° CP .

  14. - Foi assim por diversas formas e fundamentos violada a norma do art. 115°, 2 CP por indevida aplicação, assim como o foi a norma do art. 117° Código Penal O recurso foi admitido.

Em resposta o Ministério Público, sufragando o entendimento acolhido pela decisão recorrida, pugna pela sua manutenção.

Nesta instância o Exmº Procurador-Geral Adjunto é de parecer que o recurso da assistente deverá obter provimento.

Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.

O recurso tem com única questão decidir se proferidas afirmações difamatórias em peça processual, subscrita por mandatário forense, é aplicável o princípio da indivisibilidade do direito de queixa, devendo esta ser necessariamente dirigida também contra o advogado subscritor sob cominação de desistência de queixa contra o mandante.

Para melhor percepção do diferendo é oportuno reproduzir a decisão recorrida: O assistente, A...

, apresentou queixa e acusação particular contra B...

, a quem imputa a prática de um crime de difamação, p.p. pelos artºs 180º e 183º, nº1 al. b) do Código Penal. Segundo o relato acusatório as expressões consideradas atentórias da honra e bom-nome do assistente foram escritas em peça processual apresentada no âmbito de um processo de regulação do exercício do poder paternal, tratando-se da peça cuja certidão se encontra a fls. 3, a qual se encontra subscrita pelo mandatário da aí...

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