Acórdão nº 53/2001.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 23 de Janeiro de 2007

Magistrado ResponsávelTELES PEREIRA
Data da Resolução23 de Janeiro de 2007
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra I – A Causa 1. A....

(A. e neste recurso Apelada), intentou no Tribunal Judicial de Oliveira do Bairro a presente acção declarativa de condenação sob a forma de processo sumário, contra B....

(R. e aqui Apelante), alegando ter adquirido a esta uma viatura (VW Transporter, matrícula 90-66-CX) marcando, na ocasião da compra, no mostrador dos quilómetros percorridos 3.000Km., facto este determinante, por parte dela A., de tal aquisição. Porém, verificando posteriormente, na sequência de diversos problemas mecânicos com a viatura, que ela já teria percorrido mais de 100.000Km, pretende a anulação por erro, nos termos do artigo 247º do Código Civil (CC), da referida venda, formulando o correspondente pedido nos seguintes termos: “[…] Seja por sentença decretada a resolução contratual do contrato de compra e venda do veículo automóvel com a matrícula 90-66-CX, vendido pela R. à A., em 18/11/97, e, em consequência, a R. condenada a) A reconhecer resolvido o contrato, b) A devolver à A. a quantia de 1.750.000$00 que constitui o preço da transacção pago pela A. à R., recebendo esta o veículo 90-66-Cx, c) A pagar à A., pelas razões referidas nos artigos 22º, 47º, e 48º desta petição[ “[…]22ºPara poder confirmar o consumo excessivo de óleo a A. levou a viatura às instalações da Auto Vistula, S. A., a fim de ser inspeccionada, tendo para o efeito pago o montante de 11.476$00.

[…]47ºComo é evidente deixou de poder realizar negócios, porque perdeu tempo com todas as deslocações à oficina da R., à Auto Vistula a Aveiro e a tal título exige o montante de 500.000$00 […].

48ºAlém disso deve a R. ser condenada no pagamento da quantia de 11.476$00 […] a título de benfeitorias, que foram feitas na reparação de alguns defeitos e nos exames efectuados e pagos à Auto Vistula.

], e que ora se invocam, a quantia de 511.476$00, o que perfaz, com o montante da alínea anterior, a quantia global de 2.261.476$00, à qual [acrescem] os juros vencidos e vincendos sobre tais montantes […] à taxa legal de 10% desde […] 18/11/97 e da citação […]”.

[transcrição de fls. 7 e vº] A R. contestou excepcionando a caducidade da garantia de bom funcionamento, impugnando globalmente os factos alegados e pedindo, em reconvenção, o pagamento do valor de 500.000$00, correspondente ao remanescente do preço da viatura.

A este articulado respondeu a A., acrescentando aos pedidos formulados na petição inicial, um outro de condenação da R. como litigante de má fé.

1.1.

Fixados os factos (então) assentes e elaborada a base instrutória, avançou-se para julgamento – procedendo-se neste à gravação da prova testemunhal produzida –, findo o qual, apurados os factos provados por referência ao elenco constante da base instrutória de fls. 50/52, foi proferida a Sentença constante de fls. 293/314 – a Decisão objecto do presente recurso de apelação –, culminando esta com o seguinte pronunciamento decisório: “[…] A) – [D]eclara[-se] a anulação (invalidade por vício de anulabilidade) do contrato de compra e venda celebrado entre a A. e a R., referente ao veículo automóvel de matrícula “90-66-CX”; B) – Condenando-se, em consequência, a R. a devolver, em singelo, à A. a quantia de esc. 1.750.000$00, que constitui a parte do preço da transacção já paga pela A. à R..

  1. – E julga-se também parcialmente procedente, por apenas parcialmente provada, a reconvenção, termos em que, em consequência, tendo ocorrido algum desgaste do aludido veículo durante o tempo em que esteve na posse da A., que o usou em seu benefício (de, pelo menos, 1996 até ao ano de 2000), e não se dispondo agora de elementos objectivos que permitam fixar um montante compensatório adequado, correspondente ao uso e desgaste/desvalorização da viatura enquanto na disponibilidade da A., vai a A./Reconvinda condenada a pagar à R./Reconvinte, a esse título, o montante compensatório que se vier a apurar em liquidação em execução de sentença.

  2. – Já do mais contra si peticionado (em sede de acção e em sede reconvencional) indo a A./Reconvinda e a R. absolvidas.

  3. – Julga-se, por fim, improcedente, por não provado, o pedido incidental formulado de litigância de má fé, termos em que de tal pedido se absolve a R./Reconvinte.

[…]” [transcrição de fls. 313/314] Justificando o que assim decidiu, entendeu o Tribunal a quo que, tendo o A. configurado a situação verificada como de erro, se apuraram os pressupostos da relevância deste vício da vontade, decorrentes da circunstância de ter sido garantido pela R., e funcionado como pressuposto do negócio para o A., que o veículo teria 3.000Km, quando na realidade tinha muito mais, preenchendo as distintas previsões dos artigos 251º, 247º, 285º e 287º e segs., todos do CC. Em função disto, ou seja, como resultado da anulação do negócio, estabeleceu-se o direito da A. à restituição do valor pago pela viatura (1.750.000$00), mas não ao pagamento das quantias de 500.000$00 e de 11.476$00, também peticionadas pela A.. Quanto à não verificação da excepção de caducidade invocada pela R., entendeu-se como data relevante para a contagem do prazo de um ano, previsto no artigo 287º, nº 1 do CC, a data do “conhecimento do erro” (Outubro de 2000), sendo que a presente acção foi intentada em Janeiro de 2001.

No que tange à reconvenção, descartados como sendo devidos, em função da anulação do negócio, os 500.000$00 do remanescente do preço pedidos pela R./Reconvinte, determinou-se, relegando-se porém a respectiva liquidação para execução de sentença[ Tratando-se de processo instaurado anteriormente a 15/09/2003, ao qual não se aplicam as alterações ao Código de Processo Civil introduzidas pelo Decreto-Lei nº 38/2003, de 8 de Março (cfr. artigo 21º, nº 1 deste Diploma), era possível a condenação em montante a liquidar em execução de sentença, face à redacção do artigo 661º, nº 2 do Código de Processo Civil aplicável.

], que a A./Reconvinda deveria pagar um montante compensatório correspondente ao uso e desgaste/desvalorização da viatura no tempo em que a utilizou. E, finalmente, considerou-se não verificada, por parte da R., a situação de litigância de má fé invocada pela A. na resposta à reconvenção.

1.2.

Inconformada, interpôs a R. a presente apelação, alegando-a a fls. 327/344 e formulando no final de tal peça processual as seguintes conclusões: “[…] 20 – face à matéria de facto dada como provada e à fundamentação para considerar não provados outros quesitos, a decisão só pode ser a da improcedência da acção e procedência da reconvenção; 21 – decidindo pela procedência da acção e anulação do contrato o meritíssimo Senhor Juiz a quo violou o disposto no nº 2 do artigo 659º e alínea c) do nº 1 do artigo 668º, ambos do Código de Processo Civil e o disposto nos artigos 247º e 251º do [CC].

22 – Quanto à impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto, está em causa a matéria vertida no quesito 12º dado que dos autos consta o documento junto com a contestação/reconvenção sob o nº 8 que é um auto de entrega elaborado pela GNR do Posto Territorial de Bustos do qual claramente se infere que a A. não entregou a viatura à R.. Tanto assim é que em 23 de Outubro de 2000 requereu a intervenção da GNR para que lhe fossem entregues os documentos (Livrete e Título de Registo de Propriedade) do veículo que era de sua propriedade.

[…]” [transcrição de fls. 343, tendo-se omitido, do texto das conclusões a mera repetição do teor dos articulados, da matéria provada e não provada, bem como da fundamentação daquela e desta] A A./Apelada respondeu ao recurso, pugnando pela integral manutenção da Sentença recorrida.

II – Fundamentação 2.

Importa consignar desde já, com interesse para toda a subsequente exposição, que as conclusões acabadas de transcrever operaram a delimitação temática do objecto do presente recurso [artigos 684º, nº 3 e 690º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil (CPC)][ V. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, vol. V (reimp.), Coimbra, 1981, pp. 362/363; cfr., entre muitos outros possíveis, os Acórdãos do STJ de 6/05/1987 e de 14/04/1999, respectivamente na Tribuna da Justiça, nºs 32/33, Agosto/Setembro de 1987, p. 30, e no BMJ, 486,279.

]. Assim, por referência às questões enunciadas nessas conclusões, o recurso apenas poderá prescindir de as apreciar quando a sua decisão esteja logicamente prejudicada pela solução dada a outras questões, e apenas poderá ir além delas na medida em que a lei lhe permita, ou imponha, o conhecimento oficioso de qualquer outra questão, mesmo que não suscitada nessas conclusões (artigo 660º, nº 2 do CPC).

Tendo presentes estas considerações de âmbito geral, cumpre determinar quais as concretas questões suscitadas pela Apelante neste recurso. Importa, aliás, não esquecer, e trata-se de uma decorrência do que antes se referiu, que qualquer outra questão, que tenha sido relevante para o sentido da Decisão recorrida e que se não mostre logicamente condicionada pela decisão de alguma das questões suscitadas pela recorrente, terá de ser considerada não abrangida pela apelação.

Assim, conforme resulta das conclusões antes transcritas, visa o recurso a matéria de facto considerada provada, num trecho específico desta, e visa também a operação de subsunção dos factos ao direito – pressupondo, como a Apelante o afirma, os factos constantes da Decisão –, tal qual esta operação foi efectuada pelo Tribunal a quo, considerando a Apelante existir na Sentença recorrida o que qualifica como um “[…] claro erro na aplicação do direito à matéria de facto dada como provada […]” (fls. 327).

2.1.

A reapreciação dos factos considerados provados que a Apelante propõe a este Tribunal tem um carácter muito limitado e precede logicamente o outro fundamento do recurso. Reduz-se tal reapreciação à resposta ao quesito 12º da base instrutória[ Que perguntava: “[d]esde o dia 04/07/2000 que a A. entregou à R., que o recebeu, o veículo em causa?” ( fls. 51). E foi respondido: “provado apenas que a A., no...

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