Acórdão nº 264/06.6JELSB-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 06 de Dezembro de 2006

Magistrado ResponsávelBR
Data da Resolução06 de Dezembro de 2006
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra.

*I – Relatório.

1.1. Submetidos a primeiro interrogatório judicial de arguido detido, nos termos do disposto pelo artigo 141.º, n.º 1 do Código de Processo Penal (diploma de que serão os demais preceitos a citar doravante, sem menção expressa da origem), A...

, já com os demais sinais nos autos, viram o M.mo Juiz que presidiu àquele acto manter-lhes a medida coactiva de termo de identidade e residência (vulgo TIR e que já haviam prestado), bem como impor-lhes então a de prisão preventiva, isto tudo como melhor consta do despacho que vem certificado a fls. 133/4.

1.2. É na irresignação com a imposição desta última que por eles vêm apresentados os presentes recursos de cujo requerimento de interposição, após motivação, extraíram ambos as conclusões (idênticas, conjuntas e que em alguns pontos se resumem) seguintes: 1.2.1. O artigo 64.º, n.º 1, alínea c), postula a obrigação de assistência do defensor “Em qualquer acto processual, sempre que o arguido for surdo, mudo, analfabeto, desconhecedor da língua portuguesa, menor de 21 anos, ou se suscitar a questão da sua inimputabilidade ou da sua imputabilidade diminuída” (sublinhado dos arguidos).

1.2.2. No caso dos autos, os recorrentes, ambos de nacionalidade Israelita, não obstante desconhecerem em absoluto a língua portuguesa, foram constituídos arguidos pelo Inspector da Polícia Judiciária [PJ], de nome B..., sem assistência de defensor nesse concreto acto processual.

1.2.3 Tendo ainda, na mesma ocasião, prestado TIR também sem estarem, conforme imposição legal, assistidos por defensor, pois, reafirma-se, ambos desconhecem em absoluto a língua portuguesa, falando apenas hebraico.

1.2.4. Tal falta determina e impõe a nulidade desses dois actos processuais, de constituição de arguido e prestação de TIR, atentas as disposições conjugadas dos artigos 64.º, n.º 1, alínea c), e 119.º, alínea c), bem como do artigo 32.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa [CRP].

1.2.5. Também aquando da prática de tais actos, o órgão de polícia criminal [OPC] que a eles procedeu, não nomeou intérprete idóneo a nenhum dos recorrentes.

1.2.6. Isto é, infringiu, consequentemente e ademais o artigo 92.º, n.º 2 cominando com o vício de nulidade, por tal circunstância, ambos os aludidos actos processuais.

Vício que ora invocam.

1.2.7. Como melhor decorre dos autos, os TIR relativos aos recorrentes não se encontram feitos nem em português nem em inglês, mas sim numa combinação dos dois.

1.2.8. O que acarreta, também nos termos da última disposição legal citada, a nulidade de tais actos, que expressamente invocam.

1.2.9. Todos os actos processuais praticados pela PJ, sem a assistência do defensor dos arguidos, designadamente constituição de arguido e tomada de termo de identidade e residência é não só ilegal, por violação do artigo 64.º, n.º 1, alínea c), mas também materialmente inconstitucional por violação do artigo 32.º, n.º 3 da CRP quando conjugado com aquele mesmo normativo.

1.2.10. Uma interpretação restritiva atinente às fases e aos actos em que deverá ser exigida a assistência de defensor, designadamente se excluir os actos de constituição de arguido e termo de identidade e residência, gera inconstitucionalidade do preceito do artigo 64.º, n.º 1, alínea c), por violação do disposto no artigo 32.º, n.º 3 citado.

1.2.12. Compulsados os autos, como ressalta de fls. 31 a 33 e 41, constata-se que a busca e apreensão efectuada no interior da caravana/roulotte, com matrícula alemã MUR PA 60, foi realizada pelos mencionados inspectores B...

, C...

e D...

, na presença do arguido A..., e sem que tivesse sido dado cumprimento ao disposto na alínea c) do artigo 64.º n.º 1.

1.2.13. Na verdade, sendo tal arguido um cidadão israelita, desconhecedor da língua portuguesa, que apenas domina o idioma e alfabeto hebraico, no acto processual de busca e apreensão no interior da caravana deveria, conforme resulta do referido artigo 64.º, n.º 1, aliena c), estar assistido por defensor.

1.2.14. Não tendo havido essa assistência, como decorre dos autos, cumpre declarar-se a nulidade desses actos, atento o cominado no artigo 119.º, alínea c).

1.2.15. Este arguido, pese embora, reafirma-se, desconhecer em absoluto a língua portuguesa e dominar apenas o idioma e alfabeto hebraico, interveio ainda no processo assinando o auto de busca e apreensão do interior da caravana sem que a entidade que presidia ao acto lhe tivesse nomeado, como era sua obrigação legal, interprete idóneo capaz de lhe traduzir para hebraico o documento que estava a assinar.

1.2.16. Ora, a não nomeação então ao arguido de interprete idóneo por forma a efectuar a tradução ou interpretação de todos os actos do processo que ele necessitava para poder beneficiar de um processo equitativo, conforme estipula o artigo 92.º, n.º 2 e o artigo 6.º, n.º 3, alínea e), da Convenção Europeia dos Direitos do Homem [CEDH], determina também que se declare a nulidade daquele auto de busca e apreensão.

1.2.17. Como salientam Gomes Canotilho e Vital Moreira [ Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª Edição revista, Coimbra Editora, pág. 213.

] “ (…) tem de entender-se por domicílio desde logo o local onde se habita, a habitação, seja permanente seja eventual, seja principal ou secundária. Por isso, ele não pode equivaler-se ao sentido civilístico, que restringe o domicílio à residência habitual (mas certamente incluindo também as habitações precárias como tendas, roulottes, embarcações (...)”.

1.2.18. Tratando-se de busca domiciliária e não tendo existido uma ordem ou autorização judicial as buscas só podem ser efectuadas por OPC desde que os visados consintam, sendo que o titular desse direito é a pessoa que tiver a disponibilidade do lugar onde a diligencia se realize (artigo 176.º, n.º 1), o dono desse lugar, no caso, o dono ou a dona da casa (Ac. do STJ, de 16 de Novembro de 1992, processo 42916).

1.2.19. A caravana em causa nos autos não era, nem é, propriedade do arguido A..., não era ele o titular do respectivo direito ou sequer quem tinha a livre disponibilidade em relação a esse lugar, sendo seu proprietário e possuidor, aquele que era e é titular do respectivo direito e tinha a livre disponibilidade em relação a esse lugar, e a quem competia autorizar a dita busca – o que não fez –, o arguido Sivan Bandel.

1.2.20. Ora, a busca domiciliária realizada com uma putativa “autorização” de quem não seja titular do direito à inviolabilidade do domicílio fere a CRP, designadamente, o seu artigo 34.º, n.ºs 1 e 2, bem como o artigo 174.º, n.º 4, alínea b), por remissão do artigo 177.º, n.º 2, sendo, assim, nula a busca e apreensão efectuada no interior da caravana.

1.2.21. Acresce que a fls. 30 dos autos se encontra junto um documento, redigido num inglês primário, com o qual os senhores Inspectores da PJ pretendem dar cumprimento ao disposto na alínea b), do artigo 174.º, n.º 4, ex vi do artigo 177.º, n.º 2.

1.2.22. Sucede porém que, para além de esse acto processual ter...

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