Acórdão nº 07A949 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 24 de Maio de 2007
Magistrado Responsável | AZEVEDO RAMOS |
Data da Resolução | 24 de Maio de 2007 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça : AA interpôs recurso de apelação da sentença de 28-10-03, que confirmou a decisão proferida pelo Sr. Director dos Registos e Notariado, que, por sua vez, também havia confirmado, em recurso hierárquico, a decisão do Sr. Director do Registo Nacional de Pessoas Colectivas, que declarou a perda do direito ao uso da sua denominação, ao abrigo do disposto no art. 60, nº1, do Regime do RNPC, aprovado pelo dec-lei 129/98, de 13 de Maio, pelo facto da tal denominação contrariar o disposto na Portaria 249/01, de 22 de Março, onde se estabelece que o nome de "farmácia", simples ou composto, só pode ser utilizado para denominar estabelecimentos cuja instalação e funcionamento se encontrem autorizados pelo Infarmed.
Por Acordão da Relação do Porto de 27-6-05, foi negado provimento à apelação e confirmada a sentença impugnada, mas o Supremo Tribunal de Justiça, através do seu Acordão de 27-4-06, anulou a decisão recorrida e ordenou a baixa dos autos à Relação, para efeito de ser elencada a matéria de facto considerada provada e de pronúncia sobre a questão da arguida inconstitucionalidade orgânica da citada Portaria 294/01.
* Foi então proferido, na Relação do Porto, o novo Acordão de 6-11-06, que, na improcedência da apelação, confirmou a sentença recorrida .
* Continuando inconformada, a AA pede revista, onde resumidamente conclui : 1- O Acordão da Relação é nulo por decidir sobre a matéria de facto, em primeira mão, isto é, sem que tenha havido previamente uma qualquer decisão de facto proferida pela 1ª instância .
2- A determinação dos factos provados e não provados não é "questão " de que o Tribunal da Relação pudesse conhecer, tal como prevista nos arts 659, nº3, 660 e 715, nº2, do C.P.C.
3 - Mesmo que assim não fosse considerado, a Relação só podia apreciar e decidir tal matéria se a apelação fosse procedente e a decisão recorrida tivesse sido revogada.
4 - De qualquer modo, o Acordão recorrido é nulo, por ser omisso quanto às provas que terão fundamentado a decisão de facto e, por conseguinte, a decisão final .
5 - Na hipótese de se considerar que a Relação pode, em primeira linha, considerar provada a matéria de facto, então deve ainda julgar-se provada a seguinte factualidade : - a recorrente é uma associação de direito privado, sem fins lucrativos ; - não tem estabelecimento aberto ao público ; - tem por objecto apenas a defesa dos interesses dos seus associados; - não exerce a actividade de parafarmácia; - esta actividade é conhecida pública e até internacionalmente com essa designação ; - existem registadas no RNPC inúmeras pessoas colectivas com denominações sociais que usam a palavra "farmácia", simples ou composta ; - o RNPC não declarou a perda do direito ao uso do nome de AA - esta Associação também não está licenciada pelo Infarmed.
6 - A Portaria 294/01 viola o art. 32, nº4, al. c) do Regime do RNPC.
7 - Aquela Portaria não é uma lei, nem se aplica, enquanto regulamento, ao Registo Nacional de Pessoas Colectivas, que não está, nem orgânica, nem funcionalmente, dependente do Secretário de Estado da Saúde.
8 - Por outro lado, a dita Portaria apenas se aplica aos estabelecimentos comerciais, tipo porta aberta, não licenciados pelo Infarmed, e que vendam produtos similares aos medicamentos .
9 - São coisas substancial e materialmente distintas, os nomes dos estabelecimentos e as denominações sociais das pessoas colectivas, pelo que a portaria em causa não se aplica á recorrente, que não tem qualquer estabelecimnto tipo porta aberta, nem sequer vende produtos de saúde ou quaisquer produtos, nem tem por objecto social tal actividade .
10 - A actividade associativa da recorrente respeita o princípio da verdade, contido no art. 32 do, regime do RNPC, pois a recorrente é uma associação que tem por objecto territorial a associação de entidades portuguesas e a representação e protecção dos legais proprietários de parafarmácias .
11 - O termo farmácia, porque é de uso genérico e vocabulário comum, não pode ser apropriado, nem a sua utilização limitada, não podendo ser, por isso, de uso exclusivo, como se pretende fazer pela referida Portaria, em violação frontal a uma lei - art. 32, nº3, do regime RNPC.
12 - As parafarmácias são, de há muito, conhecidas e reconhecidas na Europa comunitária, estando até reconhecidas na CE outras associações congéneres da recorrente, com a denominação de parafarmácia .
13 - Inexiste confundibilidade, quer fonética, quer semântica, entre o vocábulos farmácia e parafarmácia .
14 - A Portaria 294/01 viola o Regulamento nº 40/94, do Conselho Europeu de 20-12-93, que permite às empresas identificar os seus produtos ou serviços de forma idêntica na Comunidade, o que a torna formal e materialmente inconstitucional e inaplicável no nosso ordenamento jurídico .
15 - A referida Portaria padece de inconstitucionalidade orgânica, formal e material, pelo que deve ser recusada a sua aplicação .
16 - Considera violados os arts 659, nºs 2 e 3 do C.P.C., 32, nº2 e 3 do RNPC, a Portaria 249/01, de 22 de março, o Regulamento nº 40/94, do Conselho Europeu e os arts 199, al. c) , 201, 198, 277, 112, nºs 6, e 8 da C.R.P. e ainda o art. 5º do dec-lei 474-A/99, de 8 de Novembro .
* O Ex.mo Director Geral dos Registos e Notariado, em contra-alegações, limitou-se a oferecer o merecimento dos autos .
* Corridos os vistos, cumpre decidir : * A Relação considerou provados os factos seguintes : 1 - No Diário da República de 17 de Janeiro de 2002, II Série, nº14, mostra-se publicado o seguinte : "Certifico que no 2º Cartório Notarial de Santa Maria da Feira, no dia 9 de Novembro de 2001, e no livro de notas para escrituras diversas nº ....-H, a fls 93, se encontra exarada uma escritura de constituição de associação, denominada AA, com duração por tempo indeterminado a contar da sua constituição, com sede na Rua ..............., nº ......., sala 8, freguesia de ........., em Vila Nova de Gaia, cujo objecto social é representar os legais proprietários de parafarmácias, com vista à defesa dos seus interesses comuns, morais, profissionais e económicos, tomando para o efeito todas as iniciativas e desenvolvendo todas as actividades que se mostrem necessárias ou úteis, desde que não contrariem o disposto na lei ou os presentes estatutos, e os órgãos sociais são a assembleia geral, conselho fiscal, direcção e conselho geral " .
2- Por despacho do Sr. Director do Registo Nacional de Pessoas Colectivas de 20 de fevereiro de 2003, foi, nos termos do art. 60, nº1, do dec-lei 129/98, de 13 de maio, declarada a perda do direito ao uso da denominação em epígrafe ( AA ", pelo facto da mesma contrariar o disposto na Portaria nº 249/01.
3 - Desse despacho interpôs recurso hierárquico a AA.
4 - Por despacho do Ex.mo Director Geral dos Registos e Notariado decidiu-se manter o anterior despacho de 20-2-03, proferido pelo Ex.mo Director do Registo Nacional de Pessoas Colectivas .
5 - Desse despacho, a AA interpôs recurso contencioso para o Tribunal da comarca de Vila Nova de Gaia .
* Vejamos agora o mérito do recurso : 1.
A recorrente começa por sustentar que o acórdão recorrido (fls. 241 e ss. dos autos) é nulo por ter desrespeitado o anterior acórdão do STJ, dando uso indevido ao disposto no art.º 715.º do CPC, por não se limitar a alterar ou completar a matéria de facto considerada pela 1.ª instância, porque esta não existia, assim se substituindo ao tribunal recorrido, violando o princípio da dupla decisão sobre a matéria de facto e do cumprimento sequencial da hierarquia das instâncias.
Mas sem razão .
Os factos que a Relação considerou provados resultaram de prova documental, que se encontra adquirida nos autos desde a...
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