Acórdão nº 07P341 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 03 de Maio de 2007

Magistrado ResponsávelRODRIGUES DA COSTA
Data da Resolução03 de Maio de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)
  1. Em processo comum e perante tribunal colectivo, no Tribunal da Comarca de Celorico de Basto, foi julgado o arguido AA, com a alcunha de "…", casado, sapateiro, nascido a 25 de Dezembro de 1964, natural de …, Celorico de Basto, onde tinha a sua residência, actualmente preso preventivamente à ordem deste processo no Estabelecimento Prisional Regional de Vila Real, acusado de quatro crimes de abuso sexual de crianças, na forma tentada, previstos e punidos nos termos do art. 172º n.º 2 e 23º n.º1 do Código Penal (CP), dois deles na pessoa do menor BB, um na pessoa do menor CC e o último na pessoa do menor DD; um crime de abuso sexual de criança através de conversa obscena na forma consumada, p. e p. nos termos do art. 172º n.º 3 b) do C P, na pessoa do menor EE; um crime de abuso sexual de criança consumado, na forma continuada, p. e p. nos termos do art. 172º n.º 2 e 30º do Código Penal, na pessoa do menor FF.

    No final, o arguido foi condenado: - Por três crimes de abuso sexual de criança, na forma tentada, nas penas, respectivamente, de 8 (oito), 9 (nove) e 10 (dez) meses de prisão; - Pelo crime de abuso sexual de criança através de conversa obscena, na pena de 1 (um) ano de prisão; - Pelo crime de abuso sexual de criança na forma continuada, na pena 6 (seis) anos e 5 (cinco) meses de prisão.

    Em cúmulo jurídico, foi o arguido condenado na pena única de 7 (sete) anos e 5 (cinco) meses de prisão.

  2. Inconformado, o arguido recorreu para o Tribunal da Relação de Guimarães, que manteve integralmente o decidido.

  3. Ainda inconformado, o arguido recorreu para este Supremo Tribunal, concluindo: 1 - A proibição de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça constante do disposto na al. f) do art° 400.º do Código do Processo Penal é inconstitucional, por violação do direito ao recurso conjugado com o princípio da igualdade (artigos 329, n.º l, e 13°, n° l, da Constituição), na interpretação segundo a qual não é admissível o recurso interposto apenas pelo arguido para o Supremo Tribunal de Justiça, quando a pena de prisão prevista no tipo legal de crime for superior a oito anos, mas a pena concretamente aplicada ao arguido - insusceptível de agravação por força da proibição da reformation in pejus - tenha sido inferior a oito anos - cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 628/2005 de 15 de Novembro de 2005-Processo n.º 707/2005 - 2. Secção (Relatora: Conselheira Maria Fernanda Palma) 2 - A mãe do menor FF e GG quando foi inquirida em sede de Audiência de Julgamento afirmou que nunca apresentou queixa e que nunca declarou que o pretendia fazer 3 - Assim, pensamos que não foi exercido o direito de queixa que teria que ser formalmente expresso em requerimento autónomo e dentro dos prazos legais e não o constante de simples declaração, aliás não confirmada pelo declarante.

    4 - Em relação ao menor DD também não foi apresentada qualquer queixa-crime 5 - Assim, tratando-se como se trata de crimes de natureza semi-pública previstos e punidos pelo art. 172° do CP que dependem de queixa - cfr.art. 178.º n.º 1 do CP, ⌠a queixa é imprescindível⌡, sob pena de este direito se extinguir pelo decurso do tempo como foi o caso.

    6 - A falta de legitimidade do Ministério Público para exercer a acção penal constitui nulidade insanável invocável a todo o tempo, equivalendo à falta de promoção pelo ministério público, cfr. art.° 119° al. b) do CPP 7 - Por outro lado, e sem prescindir, e quanto à determinação da medida da pena aplicada ao arguido, sempre se dirá que esta é excessiva. Assim, 8 - Teremos que atender aos antecedentes criminais constantes do certificado de registo criminal de fls., no qual nada consta, bem como ao facto do presente processo ter sido despoletado por factos a que o arguido era completamente alheio, tendo este sido julgado por factos que este confessou em inquérito e só por este motivo. Por outro lado, devemos ter em conta a Relatório Social (IRS).

    9 - Face a estes factos, pensamos que a pena ajustada a aplicar, caso improcedam as nulidades supra invocadas, seria a do limite mínimo das penas de cada crime, efectuando o cúmulo jurídico das mesmas.

  4. Respondeu o Ministério Público junto do tribunal "a quo", pugnando pela manifesta improcedência do recurso.

  5. Neste Supremo, o Ministério Público manifestou a mesma opinião, em parecer emitido ao abrigo do disposto no art. 416.º do CPP, no qual sustentou tal conclusão no facto de o recorrente se ter limitado a repetir "a argumentação já ponderada pelo Tribunal da Relação, sem aduzir nada de novo que pudesse contrariar ou pôr em crise a posição assumida por aquela Relação". Cumprido o disposto no art. 417.º, n.º 2 do CPP, o arguido nada veio acrescentar.

  6. No despacho preliminar, o relator entendeu ser de prosseguir com o processo para audiência.

  7. Colhidos os vistos, realizou-se a audiência de julgamento.

    O Ministério Público, quanto à questão da legitimidade do Ministério Público para a promoção da acção penal, remeteu para a fundamentação do acórdão recorrido, que, nessa parte, segundo o seu ponto de vista, responde totalmente à questão.

    Quanto à medida da pena, sustentou a sua correcção, mas admitindo a justeza da pena de 6 anos e 5 meses, para a hipótese de se entender esta como mais correcta.

    A defesa remeteu para a motivação de recurso.

    1. FUNDAMENTAÇÃO 7. Matéria de facto apurada 7.1. Factos dados como provados: 1. Em data não concretamente apurada, mas que se situa no ano de 2000, o arguido, AA, começou a sentir uma forte atracção sexual por rapazes com idades compreendidas entre os onze e os treze anos, razão pela qual começou a procurar crianças, do sexo masculino, com idades compreendidas no referido escalão etário, para com elas manter relações sexuais; 2. Em data não concretamente apurada, mas localizada no ano de 2000, quando a criança BB contava apenas 10 anos, o arguido abordou-o à saída da Escola Primária que frequentava e convidou-o a dar um passeio de moto consigo e que lhe mostraria umas revistas pornográficas, o que este, receoso da fama que aquele tinha de abusar sexualmente de crianças, recusou; 3. Novamente o abordou, num Domingo, quando seguia acompanhado de um irmão, esse com 13 anos, oferecendo-lhe boleia; pela aludida razão, este mais uma vez recusou; 4. No ano de 2003, quando o BB já contava 13 anos, o arguido abordou-o e, de dentro do veículo automóvel, de cor vermelha, em que se fazia transportar, disse-lhe:"Vem andar de moto comigo que eu mostro-te revistas pornográficas"; 5. No ano de 2002, o arguido deu uma boleia à criança EE e, como em tempos havia transportado frequentemente este menor e o seu irmão mais velho sem que houvesse mantido qualquer conversa relacionada com sexo, este aceitou-a; 6. Durante o percurso o arguido perguntou ao menor a sua idade e este respondeu ter 12 anos, ao que o arguido retorquiu "Quando tiveres 13 anos vou-te por a piça a gemer"; 7. Em data não concretamente determinada, mas que situa em fins do ano de 2004 e o início de 2005, a criança CC, com 14 anos, foi à sapataria onde o arguido trabalha e uns dias mais tarde encontraram-se na rua tendo o arguido resolvido acompanhar aquela criança, com ele entabulando conversa; 8. Assim, começou por lhe perguntar se tinha namorada e se com ela mantinha relações sexuais; como o CC lhe respondeu afirmativamente, ele pediu-lhe que lhe contasse como tal havia decorrido; 9. Num terceiro contacto, tendo o CC voltado à sapataria onde o arguido trabalhava, este perguntou-lhe se queria ir dar uma volta com ele para o monte, o que concretizou nos seguintes termos "quero mostrar-te a piroca e mostras-me a tua. Vou mostrar-te uma coisa de que vais gostar"; 10. Como percebeu que o arguido pretendia manter consigo relações sexuais, o CC recusou tal convite; 11. O arguido ainda o contactou mais uma vez quando seguia num veículo automóvel de cor vermelha, com uma criança pequena, do sexo masculino. Chamou o CC e perguntou-lhe se queria ir com ele dar uma volta pelo monte; porém, como este respondeu negativamente, o arguido agarrou-o pelas mãos puxando-o para dentro do carro; todavia o menor fugiu para junto dos amigos; 12. No ano de 2004, também em data não concretamente apurada, no fim de um jogo de futebol, que havia ocorrido no Campo da Cruz, nesta comarca de Celorico de Basto, o arguido, falando baixinho, convidou o DD, ao tempo com 12 anos e que estava acompanhado pelo pai, para, no dia, seguinte ir jogar bilhar; 13. Como o DD não apareceu, o arguido, conhecedor dos trajectos que este utilizava, começou a esperá-lo, às quintas-feiras, quando saia das aulas. Para tanto, imobilizava o seu veículo automóvel junto da Estação de Comboios desactivada e esperava que este aparecesse; 14. Costumava oferecer boleia ao DD e, como este recusava, dava a volta com o carro e esperava-o, mais à frente, por onde sabia que ele teria de passar. Uma vez ofereceu-lhe uma bola de futebol, mas como o menor fugiu ele correu no seu encalço, não o conseguindo porém apanhar; 15. O último contacto deu-se em fins de Novembro de 2004 e, como decorria a Festa da Vila de Celorico de Basto, o arguido ofereceu...

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