Acórdão nº 07B406 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Março de 2007

Magistrado ResponsávelSALVADOR DA COSTA
Data da Resolução15 de Março de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I Empresa-A - depois designada ...- intentou, no dia 1 de Fevereiro de 2005, contra Empresa-B, acção declarativa de condenação, com processo ordinário, pedindo a sua condenação a pagar-lhe € 2 266 084,78, juros vencidos até 15 de Novembro de 2004 no montante de € 677 962,90, juros vincendos e juros compulsórios de 5% contados do trânsito em julgado da sentença, com fundamento no incumprimento e na resolução de contrato de empreitada celebrado com Empresa-C e em contrato de seguro caução celebrado entre esta e a ré.

A ré, em contestação, afirmou que a empreiteira resolveu o contrato de empreitada invocado pela autora, ter o mesmo sido alterado sem o seu conhecimento, concluindo que, por isso, não era obrigada a indemnizar a autora, e esta replicou, reiterando o afirmado na petição inicial.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença no dia 16 de Janeiro de 2006, por via da qual a ré apenas foi condenada a pagar à autora € 543 214,25 e juros à taxa de 9,25% e à que viesse a ser fixada para os créditos das empresas comerciais desde a data da sentença, e juros à taxa anual de 5% sobre o referido capital desde a data do seu trânsito em julgado.

Apelou a autora, e a Relação, por acórdão proferido no dia 21 de Setembro de 2006, negou provimento ao recurso e rejeitou a sua ampliação requerida pela ré, por a considerar prejudicada.

Interpôs a apelante recurso de revista, formulando, em síntese útil, as seguintes conclusões de alegação: - os contratos de seguro caução em causa integram garantias autónomas e independentes, vinculando a recorrida a entregar-lhe o capital seguro no caso de incumprimento pela Empresa-C do contrato de empreitada - artigos 236º e 238º do Código Civil e 6º, nº 1, do Decreto-Lei nº 183/88, de 24 de Março; - não tem o ónus de prova do incumprimento do contrato de empreitada, não podendo a recorrida opor-lhe excepções dele resultantes; - provado o incumprimento do contrato de empreitada pela empreiteira, a recorrida é responsável pela indemnização pedida - artigo 406º do Código Civil; - como não negociou ou outorgou nos contratos de seguro nem aceitou deles obrigações, não está vinculada ao cumprimento de qualquer obrigação deles decorrente - artigos 217º, 218º e 406º do Código Civil e 4º a 8º da LCCG; - a recorrida manteve os seguros caução, cobrando sempre os prémios trimestralmente devidos pela totalidade do capital seguro, aceitando tacitamente a não realização das deduções acordadas no contrato de empreitada que implicariam a libertação de idêntico valor percentual do correspondente seguro caução e a redução dos prémios a pagar - artigos 217º e 234º do Código Civil; - a recorrida estava onerada por via da cláusula terceira do contrato de seguro a acompanhar o contrato garantido e a solicitação à tomadora do seguro as informações relativas à sua execução, o que nunca fez, só invocou a falta de deduções na contestação, pelo que a sua conduta integraria abuso de direito e venire contra factum proprium - artigo 334º do Código Civil; - não houve agravamento do risco em consequência da não realização das deduções previstas no contrato de empreitada por não se verificar qualquer alteração do montante do capital segurado e a recorrida haver cobrado trimestralmente os prémios sobre a totalidade do capital seguro - artigo 334º do Código Civil; - a recorrente não violou ilicitamente qualquer dever contratual, designadamente o de informação, não é aplicável o regime do concurso de culpas previsto no artigo 570º do Código Civil, nem se verificam os pressupostos da mora creditoris - artigo 813º e seguintes daquele diploma; - a recorrente nunca poderia ser penalizada com a redução do montante da indemnização por incumprimento culposo da empreiteira com base em actuações culposas que não lhe são imputáveis - artigo 570º do Código Civil; - ao abater ao capital seguro todas as deduções que não foram efectuadas, subtraindo ainda ao referido valor a percentagem de culpa que assistia à recorrente e à empreiteira, a Relação procedeu, sem qualquer fundamento, a dupla dedução ao referido capital e ao agravamento injustificado da culpa da recorrente; - a recorrida deve ser condenada em, pelo menos, setenta por cento do montante do capital seguro, não podendo ser considerada qualquer redução resultante da responsabilidade da empreiteira - artigo 570º do Código Civil; - o valor do crédito da recorrente sempre foi líquido, pelo que a recorrida tem de lhe pagar a totalidade do capital seguro - € 2 266 084, 75 - e os juros vencidos e vincendos calculados desde a data em que se constituiu em mora. - artigos 102º do Código Comercial e 806º do Código Civil.

Alegou a recorrida, em síntese de conclusão: - o contrato de seguro-caução não constitui garantia autónoma e independente ou de primeira interpelação, pelo que o beneficiário tem de demonstrar perante o garante o incumprimento condição da obrigação de indemnizar; - a recorrente aceitou ambos os contratos de seguro porque lhe foram entregues e não impugnou os seus termos, e a tomadora do seguro não cumpriu o contrato de empreitada; - independentemente de a recorrente ter feito deduções, ao aceitar a apólice e suas condições, aceitou que o seguro respondia na proporção do valor dos trabalhos a realizar; - o risco coberto é o incumprimento da obrigação da tomadora de ressarcir a recorrente do adiantamento que esta lhe fez ao abrigo do contrato de empreitada; - não podia alterar o valor do capital seguro sem a autorização da recorrente e, como ela não a autorizou, não pode disso extrair vantagens; - a tomadora do seguro e a recorrente têm obrigações, e a recorrida a faculdade e a possibilidade, porque as primeiras estão em contacto com a obra e a última não; - a circunstância de não ter alterado o valor do capital seguro e o dos prémios não implica a aceitação tácita da não realização das deduções, sendo que, feitas ou não, o seguro responde sempre na proporção dos trabalhos a realizar; - a recorrente estava obrigada a informar a recorrida dos sinais de incapacidade financeira da tomadora do seguro, não o fez e, por ser recíproco o incumprimento, é aplicável o disposto no artigo 570º do Código Civil; - mais grave é o incumprimento obrigacional pela recorrente e pela tomadora do seguro do que pela recorrida, pelo que está correcta a diferença de vinte por cento; - não há abuso do direito porque foi a recorrente a única responsável por não terem sido feitas as deduções e, apesar disso, pediu na acção o pagamento da totalidade do seguro; - o crédito da recorrente nunca foi líquido, nem após a sentença, porque há um valor que serviu de base à determinação e à liquidação da indemnização cuja causa de obtenção é ignorada; - deve negar-se provimento ao recurso ou alterarem-se as respostas aos quesitos 13º e 14º da base instrutória, respectivamente, para: "se a autora tivesse feito as deduções proporcionais em cada factura de trabalhos executados, a indemnização a pagar pela ré seria de € 901 560,56; "tendo em conta que em 22 de Abril de 2002 estavam executados 60,2 % da totalidade dos trabalhos; - deve, nesse caso, fixando-se a indemnização em € 360 624, 22.

Respondeu a recorrente à pretensão de ampliação do recurso formulada pela recorrida, em síntese: - o recurso de revista não pode ter por objecto a reapreciação da matéria de facto dada como provada pelas instâncias; - o pedido formulado pela recorrida apenas visa a modificação do julgado quanto à matéria de facto; - não se verificam no caso os pressupostos de que dependeria a ampliação do objecto do recurso.

II É a seguinte a factualidade declarada provada no tribunal recorrido: 1 . A autora é uma sociedade comercial anónima, que tem por objecto a "promoção imobiliária, construção de imóveis e celebração de negócios de compra e venda de imóveis, bem como a prestação de serviços de administração imobiliária.

  1. Era proprietária de um lote de terreno para construção, com a área de 5.302,90 metros quadrados, denominado Lote 4.40.01, integrado no Plano de Pormenor nº 4 da Zona de intervenção da EXPO 98, sito em ..., freguesia de Moscavide, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Loures sob o nº. 858, da freguesia de Moscavide, omisso na matriz, com pedido de inscrição datado de 30 de Dezembro de 1999.

  2. No âmbito da sua actividade, a autora pretendeu construir no seu terreno um empreendimento imobiliário denominado Vila do Oriente, e, em 1999, abriu um concurso limitado a algumas empresas de construção civil para a construção da totalidade desse empreendimento.

  3. Adjudicou a totalidade da construção do empreendimento a Empresa-C e, em 20 de Março de 2000, ambas celebraram um acordo denominado "contrato de empreitada de obras de construção civil por preço global", cujo documento está junto a folhas 32 a 145, incluindo anexos.

  4. A cláusula segunda do acordo mencionado sob 5 é do seguinte teor: - "1º Pelo presente contrato o dono da obra encomenda e adjudica ao EMPREITEIRO todos os trabalhos de construção civil e fornecimento de materiais, mão-de-obra e equipamentos necessários à realização e concretização da empreitada de construção de um edifício com elevados níveis de qualidade, acabamentos e perfeição, a erigir no lote de terreno identificado na antecedente cláusula 1ª, nºs 1 e 2, adiante designados "obra"; - 2º A "obra" tem por objecto a realização dos trabalhos definidos quanto à sua espécie, quantidade e condições técnicas de execução no Projecto que se junta como anexo 3, que as partes conhecem, aceitam e rubricam no índice, considerando a extensão do mesmo, e que faz parte integrante do presente contrato; - 3º A "obra" ora adjudicada e contratada é do tipo "chave na mão", compreendendo a realização de todos os trabalhos de construção civil, prestação de serviços, fornecimento de materiais e equipamentos necessários e indispensáveis à integral e perfeita execução sem defeitos do edifício a que se reporta o nº 1 da presente cláusula, incluindo escavações...

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