Acórdão nº 06S3410 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Março de 2007

Magistrado ResponsávelSOUSA GRANDÃO
Data da Resolução14 de Março de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I-RELATÓRIO 1.1.

AA intentou, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, acção declarativa de condenação, com processo comum, emergente do contrato individual de trabalho, contra "M.A.R.L. - Mercado Abastecedor da Região de Lisboa S.A.", pedindo, com fundamento na pretensa invalidade da cláusula acessória do termo resolutivo aposta no contrato de trabalho aprazado entre as partes: A- se declare que o aludido vínculo configura um contrato de trabalho sem prazo e que, por via disso, a decisão de cessação contratual, operada pela Ré, corresponde a um despedimento ilícito, já que se mostra desprovida de justa causa e com omissão do necessário processo disciplinar; B- se condene a mesma Ré a reintegrar o Autor no seu posto de trabalho - se ele não vier a optar, entretanto, pela indemnização de antiguidade - e a pagar-lhe as componentes retributivas e os benefícios em espécie discriminados no petitório inicial, bem como uma indemnização por danos não patrimoniais e os correspondentes juros moratórios.

A Ré contraria integralmente a versão do Autor, designadamente aduzindo que a aposição do termo certo se mostra conforme à previsão normativa atendível - sendo que o contrato dos autos estava imperativamente sujeito ao regime da contratação a prazo -, que o demandante recebeu uma indemnização de 5.155.449$00 pela caducidade do contrato e que, enfim, essa cessação, sendo plenamente legal, não produziu quaisquer danos indemnizáveis.

1.2.

Instruída e discutida a causa, veio a 1ª instância a julgar totalmente improcedente a acção por considerar válido - de acordo com o disposto no art.º 41° n.º 1 al. E) (2ª parte) da L.C.C.T. - o termo aposto no contrato de trabalho ajuizado, bem como a sua cessação por caducidade.

Sob desatendida apelação do Autor, o Tribunal da Relação de Lisboa confirmou integralmente o julgado, ainda que com fundamentação diversa, pois que subsumiu a justificação do termo à previsão contida na al. G) do falado art.° 41° n.° 1.

1.3.

Continuando irresignado, o Autor pede a presente revista, em cujo âmbito formula as seguintes conclusões: 1- no caso do contrato de trabalho a termo, que é um negócio formal, a declaração não poderá valer com um sentido objectivo que não encontre um mínimo de correspondência no texto do documento - art.º 238° do Cod. Civil; 2- a esta luz, o acórdão recorrido não fez uma boa interpretação jurídica do contrato, o que flui até da própria Cl.ª 3ª, em cujos termos compete ao A. desempenhar as funções correspondentes à sua categoria profissional de Director-Geral "e inerentes ao objecto social e actividade da ENTIDADE PATRONAL"; 3- ora, o acórdão passa por cima disto - ou seja, põe de lado o objecto social e a actividade estatuária da R.

onde, segundo a cl.ª 3ª, se deve ir buscar o real conteúdo funcional da convencionada categoria de Director Geral e, sem mais, reduz a necessidade da contratação do A. à realização de TRABALHOS DE CONSTRUÇÃO CIVIL (trabalhos "não inseridos na actividade corrente da entidade empregadora"); 4- dá-se como líquido que os "CONSIDERANDOS" constantes do escrito contratual devem ser tomados em conta para o efeito de se verificar se foi ou não cumprida a exigência legal de a estipulação a prazo ser acompanhada da indicação do motivo justificativo - art.º n.º 1 al. E) da L.C.C.T.; 5- o motivo concretamente invocado e o termo concretamente estipulado devem estar em articulação directa, de tal modo que entre um e outro exista uma relação de causa-efeito, isto é, que o termo, tal como estipulado, surja como causalmente conexionado com aquele motivo individualizado no escrito contratual como justificador do desvio à regra da celebração do contrato por tempo indeterminado. É que, só à luz da "congruência entre o termo estipulado, e o concreto fundamento invocado como causa da aposição do termo, é possível o controlo jurisdicional da admissibilidade legal da contratação a termo"; 6- mais: tem de ser feita em juízo (pela entidade empregadora) a prova da veracidade do fundamento formalmente individualizado no contrato, o que postula a necessidade de a matéria de facto dada como provada dever retratar fielmente a conformidade daquele concreto fundamento que as partes invocaram no escrito contratual com a realidade de facto apurada no processo; 7- para a avaliação da imprescindível articulação directa entre o termo estipulado e o motivo justificativo invocado, necessário é que a motivação indicada no escrito contratual, para além de corresponder à verdade provada em juízo, preencha "in concreto" um dos taxativos tipos de justificação previstos numa das alíneas do n.º 1 do art.º 41º da L.C.C.T.; 8- a representação que, no texto do contrato, se faz, através da expressa invocação da al. B) do n.° 1 daquele art.º 41°, ao "acréscimo temporário ou excepcional da actividade da empresa" - é a única motivação factual que pode ser tomada em conta para se apurar se foi ou não cumprida a exigência legal de "invocação do motivo justificativo da estipulação do termo, por ter sido esta, e só esta, a aberta e inequivocamente invocada no texto do contrato; 9- uma vez que as duas instâncias repeliram "o acréscimo temporário ou excepcional da actividade da empresa" indicada no escrito contratual" como razão única justificativa da aposição do termo, tanto bastaria para que o contrato dos autos tivesse que ser inexoravelmente havido como celebrado por tempo indeterminado; 10- falhado, aos olhos das instâncias, aquele específico motivo justificado único eleito pelas partes para a estipulação do termo, não é permitido ao Tribunal, substituindo-se aos contraentes - a pretexto, obviamente errado, de que se estaria a mover no domínio das qualificações jurídicas - procurar um qualquer outro circunstancialismo factual como aptidão para salvar a estipulação do termo. Por esse ínvio caminho, a Relação foi desembocar na al. G), porque não podia socorrer-se, como fez a 1ª instância, da al. E) do citado art.º 41° n.º 1; 11- não faz sentido que a Relação tivesse associado o "acréscimo temporário ou excepcional da actividade da empresa", expressamente referido pelas partes, à concretização do projecto de Construção Civil do mercado, como se, tudo amalgamado, permitisse, neste caso, justificar a aposição do termo! 12- sendo o A.

licenciado em direito, e não havendo no processo factualidade de onde emergisse a sua competência técnica para implementar e desenvolver aquele projecto de Construção Civil, não se percebe a solução alcançada pelo acórdão recorrido. O raciocínio do Acórdão parece ter assentado na falsa ideia de que a Ré necessitou de contratar o A.

a prazo por ele ser um perito em construção civil, sendo que esse projecto foi implementado e fiscalizado por empresas altamente qualificadas no ramo, não fazendo sentido que a Ré confiasse tal missão ao A.; 13- neste contexto, o que contratualmente competia ao A. era velar pela preparação atempada do mais que fosse necessário à "plena entrada em funcionamento do Mercado", não se esgotando o objecto do contrato no dia em que a construção civil fosse dada por terminada; 14- é a própria cl.ª 3ª a dizer expressamente que compete ao A. desempenhar as funções correspondentes à sua categoria profissional de Director-geral e "inerentes ao objecto social e actividade da Entidade Patronal"; 15- o raciocínio do acórdão recorrido só faria sentido se estivesse em causa a contratação, a termo de 3 anos, de um Perito em Construção Civil. Mas, sendo o A.

licenciado em direito (facto n.º 18) e não se tendo provado que ele tivesse qualquer experiência em Trabalhos de Construção Civil, não se compreende a justificação encontrada. A Relação só denota não fazer a mais pequena ideia do que seja um Mercado Abastecedor e, muito menos, a sua construção; 16- temos como certo que as instâncias não se ocuparam da qualificação jurídica da motivação negocial das partes: o que fizeram a pretexto de que se estaria no domínio das qualificações jurídicas, foi fazer prevalecer outra motivação factual, o que é de todo inaceitável, visto que o Tribunal não pode mexer no circunstancialismo de facto que as partes consideraram no momento da celebração do contrato; 17- e, ainda que fosse de admitir que a contratação do A. visara o "Desenvolvimento de projectos, incluindo concepção, investigação direcção e fiscalização, não inseridos na actividade corrente da entidade empregadora", a verdade é que ali estava a cl.ª 3ª para dizer o contrário; 18- ora, quando a contratação, nos termos dessa cláusula, se destinou à realização de trabalhos "inseridos na actividade corrente da entidade empregadora", a previsão da al. G) está inapelávelmente afastada por o seu conteúdo se reportar explicitamente apenas a trabalhos "não inseridos na actividade corrente da entidade empregadora": a cl.ª 3ª e a parte final da al. G) são incompatíveis; 19- sendo de afastar a previsão da al. G), a contratação do A.

só seria permitida por tempo indeterminado; 20- acresce que, não se podendo presumir que o A. foi contratado para a Construção Civil do MARL, os trabalhos de concretização do projecto não têm idoneidade para confirmarem um "acréscimo temporário ou excepcional da actividade da empresa", única motivação factual expressamente invocada no contrato para a aposição do termo, em momento em que a actividade estatuária corrente do MARL ainda nem sequer tinha começado. Por isso, como se poderia falar já em "acréscimo temporário ou excepcional" dessa actividade, abarcada pelo objecto social da empresa? E como, qualificar então um acréscimo em período posterior, quando a Ré já tivesse a seu cargo a gestão corrente do Mercado entretanto inaugurado? 21- no caso vertente, a estipulação do termo, por não se integrar na provisão da al. B), torna a cláusula do termo ilícita, inválida e ineficaz, devendo o contrato ser havido como celebrado por tempo indeterminado - art.º 42° n.º 3 da L.C.C.T.; 22- por isso, a cessação do contrato levada a cabo pela Ré equivale...

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