Acórdão nº 06S4476 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 07 de Março de 2007
Magistrado Responsável | FERNANDES CADILHA |
Data da Resolução | 07 de Março de 2007 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
AA, identificado nos autos, intentou a presente acção emergente de contrato de trabalho, contra a BB de Olhão, com sede em Moncarapacho, pedindo que seja declarado ilícito o seu despedimento e a Ré condenada a reintegrá-lo no seu posto de trabalho, bem como as retribuições que deixou de auferir desde o despedimento e uma indemnização por danos não patrimoniais.
Alegou para tanto que, tendo sido eleito para a Direcção da Ré em 23 de Março de 1989 e celebrado com esta, no dia 1 de Abril seguinte, um contrato de trabalho para o exercício do cargo de Director Executivo, veio a pedir, em 7 de Março de 1996, demissão do cargo electivo e a passagem à situação de reforma por invalidez relativamente ao vínculo laboral. E depois de tal proposta ter sido aceite e o autor ter entrado em situação de baixa por doença, a Ré, na sequência de uma intervenção do Conselho de Administração da BB, veio a declarar a nulidade do contrato de trabalho, com fundamento no disposto no artigo 398º do Código das Sociedades Comerciais, o que corresponderia a um despedimento ilícito por essa referida disposição não ser aplicável ao caso.
A acção foi julgada improcedente em primeira instância e, em apelação, o Tribunal da Relação de Évora confirmou o julgado.
É contra esta decisão que se insurge a ré, na parte que lhe é desfavorável, mediante recurso de revista, em que formula, no termo da sua alegação, as seguintes conclusões: 1. O Recorrente intentou contra a BB de Olhão Acção Declarativa Ordinária emergente de Contrato de Trabalho, visando a impugnação de despedimento de que foi alvo.
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Para tanto invocou que tinha celebrado um vínculo laboral válido com a R desde 1989, e que esta ao decidir pela nulidade do seu Contrato de Trabalho, sob invocação do art. 398° do C.S.C. procedeu a um despedimento sem justa causa e sem prévia elaboração do procedimento disciplinar adequado.
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Subsidiariamente, e caso assim não se entendesse, pediu ainda que fosse declarada a inaplicabilidade do art. 398° do C.S.C. quer por se confrontar com os Estatutos da R, quer por força da sua inconstitucionalidade formal e orgânica desta norma, face à violação conjunta e em acumulação dos arts. 55°, alínea d), e 57°, n. 2, alínea a), e 168°, n° 1, alínea a), todos da C.R.P..
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A R. contestou a presente Acção pugnando pela nulidade do referido Contrato de Trabalho, pela legalidade da sua conduta, e pelo entendimento de que a norma do art. 398° nº1 CSC é aplicável ao caso sub judice e não é inconstitucional.
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O Tribunal da 1ª instância decidiu julgar a acção improcedente e, em consequência, absolveu a R. do pedido.
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Não se conformando com esta decisão interpôs o A. Recurso de Apelação, que veio a ser julgado improcedente pelo Tribunal da Relação de Évora com fundamento em que: a) Existe lacuna a integrar por aplicação do art. 398° n° 1 face à remissão das normas constantes do art. 2° do D.L. n° 24/91, de 11 de Janeiro (Regime Jurídico do Crédito Agrícola Mútuo e das Cooperativas do Crédito Agrícola Mútuo) e art. 8° do Código Cooperativo, aprovado pelo D.L. n° 454/80, de 9 de Outubro.
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Os arts. 55° n° 3 do D.L. n° 24/91 e 33° do Regime Geral das Instituições de Crédito (D.L. n° 298/92 de 31.12) invocados pelo Recorrente respeitam a situações bem diversas, bem como o citado acórdão do ST J que apenas visa as sociedades por quotas; c) O art. 23° do D.L. n° 24/92 também respeita a matéria substancialmente diversa do citado art. 398° e nem sequer parece ter natureza exaustiva.
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O art. 398° n° 1 do CSC tem natureza imperativa logo o contrato de trabalho celebrado entre A. e R. é nulo por aplicação do art. 294° do CC.
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A nulidade do contrato também não parece afectada por ter sido a R. abusiva e, por consequência, ilegitimamente a invocá-la (art. 334° do CC) uma vez que a nulidade opera ipso facto (art. 286° do CC) e depois porque esta nulidade só foi invocada pela R. após na mesma ter intervindo o Conselho de Administração da Caixa Central de Crédito Agrícola.
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Quanto à aplicação do art. 17° n° 1 do LCT, "independentemente da questão de se saber se, na hipótese dos autos, chegou a haver propriamente uma "execução de contrato", (...) afigura-se que em matéria de direito societário há norma expressa, mais exigente, (...) que impede que pudesse operar-se qualquer solução desse teor".
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Não existe inconstitucionalidade formal e orgânica do art. 398° n° 1 do CSC pois não estão aqui em causa direitos e interesses dos trabalhadores enquanto tais, e muito menos direitos ou interesses das suas associações representativas, pelo que, não se pode falar aqui de "legislação do trabalho" 7. Não se conformando com tal decisão vem o Recorrente apresentar o presente Recurso com os seguintes fundamentos: 8. Ao contrário do que entendeu o acórdão recorrido não existe lacuna a colmatar uma vez que a matéria dos impedimentos e incompatibilidades vem expressamente regulada no Regime Jurídico do Crédito Agrícola Mútuo (arts. 20° e seguintes) e de entre as pessoas designadas nas alíneas a) a c) do art. 23° n° 2 não constam os directores das próprias Caixas de Crédito Agrícola.
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O disposto nos arts. 55° n° 3 do mesmo diploma, art. 33° do Regime Geral das Instituições de Crédito e a tese sufragada no acórdão do STJ referido para as sociedades por quotas, apesar de se tratar de questões distintas, apenas confirma a tese de que não existe lacuna para efeitos de aplicação do art. 398º do CSC uma vez que tal matéria se acha regulada pelo legislador nesses diplomas, ou seja, o legislador previu aí os casos de incompatibilidades e impedimentos que queria prever.
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Acresce que o art. 398º n° 1 do CSC não comina qualquer sanção em si mesmo tendo o legislador estabelecido as cominações a aplicar aos casos subsumidos nos impedimentos e proibições deste preceito noutros preceitos que não o art. 2940 do CC, a saber: a) Para os casos da existência de um contrato de trabalho preexistente, no art. 398º n° 2 onde se prevê expressamente a cominação de suspensão do contrato de trabalho (uma vez que a extinção aí prevista foi já julgada inconstitucional) b) Para os casos de celebração de contrato de trabalho posteriormente à designação como administrador responde, no art. 397º n° 2 do CSC onde se prevê a nulidade caso não tenham sido previamente autorizados por deliberação do Conselho de Administração, na qual o interessado não pode votar, e com o parecer favorável do Conselho fiscal.
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Assim, ao caso sub judice (e caso o regime das sociedades anónimas lhe fosse aplicável, o que não sucede) sempre se aplicará a norma contida no art. 397º n° 2 do CSC pois trata-se expressamente de um contrato celebrado entre a sociedade e os seus administradores.
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E, no caso dos Autos, o contrato foi formalizado por deliberação da Direcção e Conselho Fiscal onde não interveio o A (Acta n° 69/90 de 28/11/90 da Direcção) tendo sido ainda, posteriormente, todos estes actos relativos ao mesmo e sua execução, ratificados pela Assembleia Geral (acta n° 2/92 de 05/12/92) onde este ponto da ordem de trabalhos foi aprovado por maioria, com a abstenção dos membros da direcção presentes, entre eles o A, que consignaram em acta que se abstiveram porque a matéria em causa lhes dizia respeito.
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Pelo que, nem por aplicação ilícita do regime contido no Código das Sociedades Comerciais, o Contrato celebrado entre A. e R poderia ser considerado nulo.
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Além do mais, não se pode deixar de aplicar o regime do art. 334º do CC à conduta abusiva posterior da R por virtude da alegada intervenção da BB uma vez que esta intervenção foi feita relativamente a um regime de reforma antecipada e não à nulidade do Contrato de Trabalho entre A. e R, não detém legalmente esta Caixa Central quaisquer poderes para intervir no sentido desta nulidade e, ainda, no seguimento dessa intervenção e com base nessa intervenção, a R decidiu ainda considerar o A. seu empregado com a categoria profissional de Director Executivo, em situação de baixa por doença, desde 08/03/96, conforme consta da matéria factual assente nos presentes Autos.
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A consequência dessa ilegitimidade (na modalidade de "venire contra facturo proprium") é a insusceptibilidade legal de tal invocação de nulidade por parte da R e a subsistência da relação de trabalho entre A. e R.
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E, mesmo que se entenda que a nulidade em causa opera ipso facto e pode ser decretada oficiosamente pelo Tribunal (art. 286º do CC, 2ª parte) esta só veio a ser decretada pelo Tribunal na Sentença proferida nos presentes Autos na 1ª Instância a qual ainda não transitou em julgado e não se tendo retirado quaisquer consequências jurídicas relativamente à aplicação do art. 334º à conduta da R.
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É ainda forçoso entender que é manifestamente ilegal e inconstitucional afirmar-se que o art. 398º n° 1 do CSC se sobrepõe ao art. 170 n° 1 da LCT uma vez que o regime contido neste preceito encontra respaldo em normas constitucionais, seja os arts. 53° e 58° n° 1 da CRP, ao passo que os interesses tutelados pelo art. 398° do CSC não merecem tal protecção.
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