Acórdão nº 07P015 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Fevereiro de 2007

Magistrado ResponsávelSIMAS SANTOS
Data da Resolução15 de Fevereiro de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)
  1. O tribunal Colectivo da 1ª secção da 5.ª Vara Criminal de Lisboa (Proc. n.° 917/04.3PVLSB) condenou o arguido JCCS, como autor do crime de homicídio qualificado dos arts. 131.° e 132.°, n.°s 1 e 2, als. d) e i), do C. Penal, na pena de 20 anos de prisão e a pagar à assistente MMRMF, mãe da vítima, a quantia de 101,785.00 €, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescido de juros de mora à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento Inconformado com esta decisão condenatória, dela recorreu o arguido para a Relação de Lisboa pedindo a sua revogação e a respectiva absolvição, ou, subsidiariamente, a atenuação extraordinária da pena, suspendendo-se a pena de prisão a aplicar ou, ainda, fosse reconhecida a existência de vício do n.° 2 do art. 410.° do CPP, reenviando-se o processo para novo julgamento.

    A Relação de Lisboa (proc. n.º 7217/06-5), por acórdão de 24.10.2006 decidiu julgar parcialmente procedente o recurso e condenar o arguido como autor do crime de homicídio qualificado dos art.ºs 131.º e 132.º, als. i) do C. Penal, na pena de 18 anos de prisão, bem como no pagamento da indemnização cujo montante foi reduzido para 86.785,00 €, acrescido de juros de mora à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento, no mais confirmando a decisão recorrida.

    Ainda inconformado recorre para este Supremo Tribunal de Justiça, concluindo na sua motivação: 1 - O douto acórdão recorrido é de ser censurado pois ajuizou mal da prova produzida em audiência de julgamento e ainda depois da decisão da RELAÇÃO (que desde logo alterou a medida da pena) fazendo ainda uma incorrecta qualificação dos factos e consequentemente uma excessiva determinação da pena.

    2 - O Tribunal de Comarca não fez boa apreciação e utilização da prova produzida em audiência de julgamento e demais elementos de prova valoráveis constantes do processo, erro em que o Tribunal da Relação reincidiu ao apreciar o recurso interposto, não ponderando nos termos constitucionais de um princípio de legalidade não deveria de ser aplicada ao arguido qualquer pena.

    3 - O Tribunal da Relação manteve como provados actos que o arguido não cometeu e comportamentos que lhe não são imputáveis, designadamente os que tipificam a conduta punível nos termos da norma incriminadora pela qual o arguido foi punido (Homicídio) 4 - A sua interpretação extrapola as regras do princípio da livre apreciação da prova sustentando-se em meras presunções, meios lógicos ou mentais sem suporte na prova disponível no processo, e colhida e em audiência de julgamento, qualificando ainda tal ilícito (Homicídio Qualificado) 5 - O tribunal recorrido e mesmo a 1ª instância consideraram indirectamente que o exercício do direito ao silêncio seria negativa.

    6 - Violou um principio constitucional do art. 32 ° C'RP, além disso e entre outros também o disposto nos artigos 40.º, 50.º, 70.º a 74.º todos do Código Penal.

    7 - Deveria o tribunal da RELAÇÃO ter determinado pena igual para o recorrente e co-arguidos suspensas na sua execução 8 - Deveria o Tribunal da RELAÇÃO ter determinado PENA INFERIOR E SUSPENSÃO DE EXECUÇÃO DA PENA APLICADA AO ARGUIDO determinando a aplicação do instituto do art. 50.° da CP, nada desabonando em seu prejuízo 9 - Deverá pois ser o ACORDÃO REVOGADO e em sua substituição ser determinado pena ao recorrente em último caso suspensa na sua execução e se esse for o entendimento da sua responsabilidade criminal.

    10 - Deverá ainda ter em consideração a redução efectiva do pedido de indemnização civil para 3.5000 €.

    Respondeu o Ministério Público, que concluiu: Em conclusão, será de considerar: - ter-se limitado o recorrente a reeditar questões cuja apreciação colocara já quando impugnara o acórdão proferido na 1 Instância, através do recurso por si interposto para o Tribunal da Relação, em razão do que existe carência de objecto do recurso interposto para o S.T.J., geradora da consequência do seu não conhecimento, impondo-se a sua rejeição; - ter a lei sido aplicada e a prova valorada em conformidade com os poderes de cognição do Tribunal da Relação; - não padecer o acórdão recorrido de falta de fundamentação, insuficiência, erro de apreciação, omissão ou qualquer ou qualquer nulidade/irregularidade; - ter sido dado cumprimento integral ao disposto no art.127 do C.P.P., não se registando violação do estatuído nos arts.410°., n°.2, 374°. e 379°. do C.P.P.; - porém, face à matéria de facto dada como provada - a respeito da qual inexistem razões para aplicação do princípio in dubio pro reo, por ter tal prova sido apreciada de acordo com a lei, não se tendo colocado qualquer dúvida ao Tribunal -, ter o arguido cometido um crime de homicídio simples p. e p. pelo art.131°. do Código Penal a que corresponde moldura penal abstracta cujo limite máximo é de 16 anos de prisão; - tendo presentes os preceitos legais convocáveis em matéria de fixação do "quantum" da pena, mormente os arts.40°. e 71°. do Código Penal - com especial destaque para a forma brutal como o crime foi cometido - dever consequentemente ao arguido/recorrente ser imposta pena de prisão em medida próxima de tal limite máximo, se não mesmo com ele coincidente, por se entender ser a mesma justa e adequada à prossecução dos fins punitivos, face à culpa do recorrente e à gravidade do crime; - o acórdão recorrido não merecer qualquer censura, no que tange às demais questões suscitadas, concedendo-se provimento ao recurso interposto pelo arguido, tão-somente no que tange à subsunção jurídica da sua respectiva conduta, nos termos expostos.

    Distribuídos os autos a 4.1.2007 neste Tribunal, teve vista o Ministério Público.

    Colhidos os vistos teve lugar a audiência. O relator situou o objecto do recurso e lembrou as questões colocadas em recurso e indicou duas outras que entendia deverem ser abordadas: saber se., a ser inoperante a impugnação da qualificação jurídica, ainda assim o Supremo Tribunal de Justiça poderia conhecer dela oficiosamente e se não haveria insuficiência de motivação quanto à impugnação da indemnização civil.

    Em alegações orais, o Ministério Público referiu, em síntese, que não cabe ao Supremo Tribunal de Justiça apreciar a impugnação da matéria de facto, que já o foi minuciosamente na Relação; que a questão da qualificação jurídica não foi devidamente colocada pelo arguido; mas que oficiosamente a questão pode ser abordada pelo Supremo Tribunal de Justiça, e admitindo que se conclua pela prática de um crime de homicídio simples, a pena deve ser fixada em 14 anos de prisão.

    A Assistente sustentou a decisão recorrida, entendendo que não há verdadeira motivação quanto à impugnação do pedido de indemnização.

    Já a defesa limitou-se a remeter para a motivação do recurso.

    Cumpre, pois, conhecer e decidir.

    2.1.

    E conhecendo.

    Suscita o recorrente as seguintes questões: - Impugnação da decisão de facto (conclusões 1.ª a 5.ª) - Qualificação jurídica da conduta (conclusões 3ª e 4.ª) - Medida da pena (conclusões 7.ª a 9.ª) - Montante da indemnização civil fixada (conclusão 10.ª) Vejamo-las, começando pela que concerne com factualidade apurada pelas instâncias.

    Impugnação da decisão de facto.

    Sustenta o recorrente que a 1.ª Instância não fez boa apreciação e utilização da prova (produzida em audiência de julgamento e constante do processo), erro em que o Tribunal da Relação reincidiu, não ponderando que, nos termos constitucionais de um princípio de legalidade, não deveria ser aplicada ao arguido qualquer pena. (conclusão 2), pois manteve como provados actos que o arguido não cometeu, correspondentes ao crime de homicídio (conclusão 3).

    Defende, ainda, que foram violadas as regras do princípio da livre apreciação da prova sustentando-se em meras presunções, meios lógicos ou mentais sem suporte na prova disponível e a colhida em julgamento, para mais qualificando o crime como de homicídio qualificado (conclusão 4), tendo considerado "indirectamente que o exercício do direito ao silêncio seria negativa" (conclusão 5), com violação de um princípio constitucional do art. 32 ° CRP (conclusão 6).

    Sucede, porém que a questão de facto já está, neste momento e no recurso para este Supremo Tribunal de Justiça, definitivamente arrumada.

    Com efeito, resulta da Revisão de 1998 do CPP, que o Supremo Tribunal de Justiça foi restituído à sua qualidade de Tribunal de revista que conhece exclusivamente da matéria de direito, com a excepção dos recursos trazidos de decisões finais do tribunal de júri e das decisões em que as Relações funcionam como tribunais de 1.ª Instância.

    Nos restantes casos, o Supremo Tribunal de Justiça não conhece da questão de facto que lhe seja colocada pelos recorrentes, o que não o impede de oficiosamente declarar, se for o caso, a existência de qualquer dos vícios do n.º 2 do art. 410.º do CPP, que impossibilitam a definição da aplicação do direito, por insuficiente ou inadequada matéria de facto.

    O que é ainda mais claro quando, como no caso, o recorrente já beneficiou de um efectivo duplo grau de jurisdição em matéria de facto, uma vez que já colocou perante a Relação as suas críticas à matéria de facto apurada na 1.ª Instância, críticas que aquele Tribunal Superior apreciou com detalhe, e que o recorrente mesmo agora se dispensa de abordar, remetendo-se para generalidades.

    Depois, deve notar-se que o recorrente impugna o uso feito pelas instâncias do princípio da livre apreciação da prova, matéria que esteve sempre arredada do conhecimento do Supremo Tribunal de Justiça, mesmo no âmbito da "revista alargada" (ao conhecimento dos vícios do n.º 2 do art. 410.º) e, assim, nem anteriormente à revisão de 1998 poderia ser apreciada pelo Supremo Tribunal de Justiça.

    Quanto às presunções de que fala o recorrente na conclusão 4.ª importa notar, em síntese, que, como se refere no AcSTJ de 21/10/2004 (proc. n.º 3247/04-5, com o mesmo relator), as conclusões ou ilações que as instâncias extraem da matéria de facto são elas mesmo matéria de facto que escapam à censura do...

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