Acórdão nº 06P3384 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 20 de Dezembro de 2006

Magistrado ResponsávelSOUSA FONTE
Data da Resolução20 de Dezembro de 2006
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça: 1.

1.1.

O arguido AA, filho de BB e de CC, nascido em 23 de Dezembro de 1964, em Alcântara, Lisboa, e residente na Rua ...., n.º .., ..., ...., Gondim, Maia, foi condenado pelo Tribunal Colectivo do 2º Juízo Criminal de Matosinhos, como autor de um crime tentado de homicídio qualificado, p. e p. pelos arts. 22º, 23º, 131º e 132º, nºs 1 e 2-j), do CPenal, na pena de 3 anos de prisão, e como autor de um crime de injúrias agravado, p. e p. pelos arts. 181º e 184º, do mesmo Código, na pena de 2 meses de prisão. Em cúmulo jurídico, foi condenado na pena conjunta de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução por 5 anos, com a condição de «indemnizar o ofendido nos termos constantes do acordo que foi celebrado e homologado nos autos, de entregar aos Serviços Sociais da GNR a quantia de 1.500€, durante cada um dos anos de suspensão, e de continuar o seu tratamento de cura de alcoolismo em instituição adequada».

O Senhor Procurador-Adjunto não se conformou com a decisão.

Por isso, dela interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça cuja motivação encerrou com as seguintes conclusões: «1- Nos presentes autos, foi o arguido AA condenado pela prática, como autor material, na forma consumada, e em concurso efectivo, de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, p° e p° pelos art°s 22°, 23°, 73°, 131° e 132°, n°1 e 2, j) do Código Penal, na pena de 3 anos de prisão, e de um crime de injúria agravada, p° e p° pelos art°s 181° e 184° do Código Penal, na pena de 2 meses de prisão, e condenado, em cúmulo jurídico, na pena única de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução por um período de 5 anos.

2- A nossa discordância, relativamente ao douto acórdão recorrido, cinge-se aos seguintes aspectos; à medida concreta da pena de prisão aplicada ao arguido pela prática do crime de homicídio qualificado tentado; à medida da pena única resultante do concurso de crimes; e à suspensão da execução da pena de prisão, aspectos estes que consideramos mal apreciados e decididos pelo tribunal "a quo", com violação do disposto nos artigos 40°, 50°, 70° 71° e 77° do Código Penal.

3- Tendo em conta os critérios estabelecidos no artigo 71° do Código Penal, devemos atender às seguintes circunstâncias relativas ao caso sub judice; ao elevadíssimo grau de ilicitude dos factos; à especial perversidade demonstrada; às especiais circunstâncias em que os factos se deram; ao elevadíssimo grau de culpa; ao modo de execução; aos sentim[ent]os que o arguido demonstrou; aos motivos que determinaram a actuação do arguido, às graves consequências dos factos; às elevadas exigências de prevenção especial; e às elevadíssimas e gritantes exigências de prevenção geral.

4- Como é publico e notório, tem crescido de forma assustadora, e por todo o país, o número de crimes contra a vida, nomeadamente das pessoas que desempenham funções de autoridades policiais, havendo uma premente necessidade de vincar perante a comunidade a validade e a vigência das normas que protegem aqueles bens jurídicos (vida e autoridade pública).

5- Neste âmbito, consideramos ser uma responsabilidade indeclinável dos Tribunais, enquanto órgão de soberania, exercer a Justiça em nome do Povo, fazendo sentir aos cidadãos que os crimes cometidos sobre as pessoas que asseguram no terreno o cumprimento da lei, são particularmente inaceitáveis, por colocarem directamente em causa, não só a vida das pessoas, mas também o próprio Estado de Direito.

6- Ora, tendo bem presentes todas os factores e circunstâncias previstos nos artigos 40º e 71° do Código Penal, que influem na medida concreta da pena, entendemos que o tribunal "a quo", ao punir o arguido com a pena de 3 anos de prisão pela prática do crime de homicídio qualificado tentado, violou o disposto nas supra referidas normas legais, demonstrando uma benevolência de todo injustificada, na medida em que não deu satisfação ao que naquelas normas o legislador considerou como sendo, por um lado, os fins das penas e, por outro, as circunstâncias determinantes para a sua medida concreta.

7- Pelo contrário, entendemos nós, face a todas as circunstâncias supra elencadas, e à moldura abstracta da pena em causa nos presentes autos, (o crime de crime de homicídio qualificado, na forma tentada, p° e p° pelos art°s 22°, 23°, 73°, 131° e 132°, n°1 e 2, j) do Código Penal, é punível com pena de prisão de 2 anos, 4 meses e 24 dias a 16 anos e 8 meses) que deve ser aplicada ao arguido uma pena nunca inferior a 6 anos de prisão, por só uma pena desta dimensão responder satisfatoriamente às necessidades de prevenção geral e especial, não ultrapassando, por outro lado, a medida da culpa.

8-Como pode o tribunal considerar que o arguido demonstra "uma personalidade normalmente respeitadora da autoridade pública reveladas com as suas condutas", se à primeira contrariedade, que nem sequer lhe dizia directamente respeito, relacionada com a ordem de retirar umas mercadorias do meio da rua, o arguido reage insultando violentamente o Soldado da GNR e procura matá-lo, disparando na sua direcção!? 9- Daqui resulta que o tribunal não ponderou, pelo menos de uma forma relevante, a devida protecção dos bens jurídicos em causa e as enormes e gritantes exigências de prevenção geral que neste tipo de crimes e neste particular momento se fazem sentir, optando por valorizar excessiva, injustificada e desproporcionalmente, alguns aspectos que podem sugerir uma menor exigência de prevenção especial.

10- Como se pode ler no art° 40º do Código Penal, "a aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade".

11- Estamos em crer que essa mesma tutela dos bens jurídicos só é cabalmente conseguida se a pena representar, aos olhos da comunidade, uma medida suficientemente dissuasora de comportamentos semelhantes no futuro. Ora, uma pena de 3 anos de prisão não cumpre minimamente esse desiderato, por não ter a virtualidade de poder ser vista pela comunidade como uma séria advertência contra a prática de crimes tão graves como é o de homicídio qualificado, em particular quando se atenta de uma forma tão séria contra a vida e contra a autoridade pública! 12- O Supremo Tribunal de Justiça, em jurisprudência bem recente, no âmbito dos crimes de homicídio qualificado tentado, tem...

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