Acórdão nº 06B2366 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 24 de Outubro de 2006

Magistrado ResponsávelOLIVEIRA BARROS
Data da Resolução24 de Outubro de 2006
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça : Em 6/12/2002, AA moveu à Empresa-A, acção declarativa com processo comum na forma ordinária que foi distribuída à 1ª Secção da 13ª Vara Cível da comarca de Lisboa.

Visava com essa acção, proposta ao abrigo dos arts.27º e 28º da Lei da Arbitragem Voluntária (LAV - Lei nº31/86, de 29/8), a anulação de decisão arbitral proferida em 9/8/2002, a que imputava os vícios e erros seguintes, sendo do CPC os preceitos mencionados ao diante sem outra indicação : - não admissão da réplica do A., em desrespeito do disposto nos arts.3º, 487º, nº 2, 493º, nº 3º e 502º e da cláusula 5ª, nºs 5º e 6º, do compromisso arbitral, uma vez que não reconheceu e não qualificou como excepções as causas impeditivas e extintivas, óbvias, ainda que não identificadas, deduzidas na contestação da Ré e que acabaram por constituir, quase exclusivamente, o questionário, por absorver, quase exclusivamente, a produção de prova na audiência de julgamento, e, finalmente, por constituir alguns dos fundamentos principais da sentença final ; - não admissão, em consequência, do pedido formulado nessa réplica, em desrespeito do disposto nos arts.273º, nº1º, e 503º, nº2º, e na cláusula 1ª do compromisso arbitral, optando por limitar ilegitimamente o objecto do litígio ao definido nos dois primeiros articulados - petição e contestação - e não aos três permitidos por lei e pelo compromisso (petição, contestação e réplica ) ; - indeferimento das reclamações do A. relativas à matéria dada por assente e ao questionário, em desrespeito do art.511º, optando por seleccionar e condensar a matéria de facto com o indeferimento de todas as principais reclamações do A. e deferindo no essencial a reclamação da Ré, de harmonia apenas com a solução de direito por esta preconizada na contestação, de tal forma que, numa acção sem reconvenção e, segundo o tribunal, sem excepções, dos 41 quesitos do questionário 39 respeitavam a factos alegados pela Ré na contestação, tudo agravado pela decisão, não fundamentada, de eliminar uma alínea do projecto, favorável ao A., e de gerar 5 novos quesitos, favoráveis à Ré, ausentes do projecto, sem que essa decisão tenha resultado de qualquer reclamação e, assim, do contraditório ; - proferimento da decisão-surpresa final com desrespeito do art.3º, nº 3º, pois, além de se pronunciar sobre questões de que não podia tomar conhecimento, se fundou, por um lado, nas causas da defesa por excepção apresentada na contestação da Ré, e por outro, numa interpretação e aplicação da lei que, em grande medida, foi positivamente" retirada da cartola " ( sic ), por se tratar de uma solução jurídica inesperada e à revelia das posições assumidas pelas partes nos seus articulados e ao longo de todo o processo ; - violação, em algumas destas decisões, do dever de fundamentação das decisões ( art.23º LAV ), pronúncia sobre questões de que se não podia conhecer e omissão de pronúncia sobre questões que deviam ter sido apreciadas (art.27º, nº1º, al.e), da mesma lei ) ; - não tratamento das partes com" absoluta igualdade " na fase da produção de prova e na resposta dada aos quesitos, não prescindindo o A. de invocar essa causa de anulabilidade da decisão arbitral apesar de a prova não ter sido registada, por tal não ter sido requerido pelas partes, e de não existirem actas das audiências, por decisão do tribunal, sem oposição das partes, e tal assim porque não trata com" absoluta igualdade " as partes, um tribunal que funda a sua decisão sobre as respostas aos quesitos, em larguíssima medida, no depoimento de 3 testemunhas - comandante BB, Dr. CC, e Dr. DD, todas accionistas do Grupo Espírito Santo ( GES ) - que só não são partes por força da interposição da sociedade Ré, e que têm, por isso, confessados interesses patrimoniais no resultado da causa, e ainda de outras duas - Dr. EE e Arq. FF - actualmente com relações laborais ou de prestação de serviços com a sociedade Ré ou com o GES, a que a Ré pertence, quando, em simultâneo, sempre recusou a total disponibilidade do A., presente na maioria das audiências, para depor ao abrigo do art.266º, nº2º, apesar de tal depoimento ter sido requerido expressamente pelo mesmo, de forma fundamentada, durante a audiência de julgamento.

Contestando, a Ré alegou que, aceite a opção pela jurisdição arbitral, e apesar da decisão anulada e de todas as decisões interlocutórias terem sido tiradas por unanimidade dos árbitros, o A. se apressou a desrespeitar a decisão dos árbitros, inclusive do dele - exemplo de venire contra factum proprium -, que a acção é constitutiva e não de condenação, o que o A. esquece ou finge esquecer, e que nela não há factos a provar, tudo se cingindo a uma questão de direito, a decidir no despacho saneador. Houve réplica e tréplica.

Saneado e condensado o processo, veio, após julgamento, a ser proferida, em 12/3/2005, sentença que julgou a acção improcedente, por não provada, e, em consequência, absolveu a Ré do pedido.

Indeferido o requerimento de reforma dessa decisão apresentado pelo A., este interpôs recurso de apelação assim fundamentado : - contradição entre os factos julgados provados e a prova constante dos autos ; - insuficiência da fundamentação da decisão sobre a matéria de facto ; - falta de fundamentação de direito ; - omissão e excesso de pronúncia ; incorrecta interpretação e aplicação dos arts.27º, 28º e 29º LAV.

Por acórdão de 9/3/2006, a Relação de Lisboa negou provimento a esse recurso e confirmou a sentença apelada. É dessa decisão que o A. pede, agora, revista.

Com prejuízo óbvio da síntese imposta pelo art.690º, nº1º, deduz, em fecho da extensa, caudalosa, alegação respectiva (fls.1271 a 1399 : 128 páginas, 448 items ), 31 conclusões, em que se dão por violados no acórdão sob recurso os arts.3º, nº3º, 273º, nº1º, 493º, 502º, nº1º, CPC e 16º, al.a), 23º, nº3º, e 27º, nº1º, als.c) a e), LAV, os princípios do contraditório e da igualdade de tratamento das partes e o dever de fundamentação, arguindo-se ainda excesso e omissão de pronúncia.

Reportadas aos sobreditos preceitos e princípios, as questões nelas propostas - e mais não há que referir, como decorre dos arts.713º, nº2º e 726º ou 749º e 762º, nº1º - são as seguintes : (A ) - Relativas ao processo da arbitragem : - efectiva e indevida rejeição da réplica e da ampliação do pedido nela formulada, dado que deduzida defesa por excepção ( 16 primeiras conclusões e conclusões 18ª e 25ª ) ; - subsidiário excesso ou omissão de pronúncia ( conclusão 17ª) ; - desigualdade do tratamento das partes na fixação da matéria assente e da base instrutória e na decisão sobre a matéria de facto ( conclusões 19ª a 22ª ) ; - violação do dever de fundamentação na decisão sobre a matéria de facto e na decisão final ( conclusões 23ª, 24ª e 26ª ).

B ) - Relativa ao acórdão recorrido : - confusão dos poderes do tribunal numa acção de anulação de decisão arbitral com os que tem no recurso da mesma (conclusões 27ª a 31ª).

Houve contra-alegação, e, corridos os vistos legais, cumpre decidir.

Modificável pela conferência, o despacho do relator a que alude o art.701º não forma caso julgado, designadamente no que concerne à espécie do recurso (1).

Melhor notado agora, nomeadamente, que o abuso do direito aparece referido na conclusão 10ª da alegação do recorrente no contexto da qualificação da defesa deduzida pela Ré no processo arbitral, sobra claro só se mostrar efectivamente invocada neste recurso violação da lei adjectiva e de princípios que regem o processo.

Relevado, pois, o disposto no art.721º, nº2º, começa-se, pois, por alterar para agravo a espécie deste recurso, devendo proceder-se à rectificação da distribuição competente, conforme parte final do nº3º do art.224º (2).

Os factos fixados pelas instâncias são como segue : - Por" contrato de venda de acções" de 16/2/89, o A vendeu à Ré 80.000 acções ao portador representativas da totalidade do capital social da sociedade Empresa-B.

- Em 2/4/2001, em complemento da alteração da cláusula compromissória constante da cláusula 17ª do contrato assinado em 16/2/89, o A. e a Ré estabeleceram por escrito um compromisso arbitral, com as cláusulas seguintes : - cláusula 1ª ( determinação do objecto do litígio ): O objecto do litígio é constituído pelas relações jurídicas litigiosas decorrentes do contrato assinado entre as partes em 16/2/89, explanadas nos articulados.

- cláusula 2ª ( prevalência do compromisso arbitral ): 1. As partes acordam em submeter o litígio determinado na clausula anterior a arbitragem voluntária com as alterações que decorrem do presente compromisso arbitral, que prevalece sobre o disposto naquela cláusula.

  1. A arbitragem será submetida às disposições do presente compromisso, aplicando-se, em tudo o que aqui não se encontra expressamente previsto, o Regulamento do Processo do Centro de Arbitragens Voluntárias do Conselho Nacional de Profissões Liberais, bem como o seu Regulamento de Custas e Tabela referente a Arbitragem Comercial ( Tabela III ).

  2. O preenchimento de quaisquer lacunas processuais será feito tendo em conta o disposto na Lei nº31/86, de 29/8 e no Código do Processo Civil em vigor.

    - cláusula 3ª ( árbitros e tribunal arbitral ) : 1. O tribunal arbitral é constituído por 3 árbitros.

  3. O tribunal arbitral funciona em Lisboa.

  4. O tribunal arbitral considera-se constituído com a assinatura deste compromisso, cujos efeitos serão reportados a 2/4/2001.

    - cláusula 4ª ( funcionamento da arbitragem ): 1. O tribunal arbitral assegurará o tratamento das partes com absoluta igualdade e garantirá a estrita observância do contraditório. ( ... ) 3. Pode ser produzida perante o tribunal arbitral qualquer prova admitida pela lei de processo civil.

  5. O ónus da prova e a sua repartição serão considerados pelos árbitros nos termos da lei civil e processual, competindo designadamente a cada uma das partes alegar e provar os factos constitutivos do direito que reclama, bem como a impugnação dos factos eventualmente alegados pela parte...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
9 temas prácticos
9 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT