Acórdão nº 3486/12.7TBLRA.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 10 de Dezembro de 2015

Magistrado ResponsávelSILVA GONÇALVES
Data da Resolução10 de Dezembro de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça AA impugnou, em recurso ordinário de apelação, a sentença proferida no dia 4 de Julho de 2014 pela Sra. Juíza de Direito do 2.º Juízo Cível da Comarca de Leiria que, julgando improcedente a acção declarativa constitutiva, com processo comum ordinário, que propôs contra “BB - Actividades Hoteleiras Unipessoal, Ldª”, manteve - por falta de verificação de causas de anulação - a decisão arbitral, proferida no dia 22 de Maio de 2012, no processo n.º .../2010/INS/AP, no Centro de Arbitragem da Associação Comercial de Lisboa e que o condenou a pagar à última a quantia de € 449 079,78 e no pagamento da totalidade dos encargos da arbitragem devidos, nos termos do art.º 46 e ss., do Regulamento de Arbitragem da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa.

O recorrente pediu no recurso a revogação desta sentença e a sua substituição, por acórdão, que proceda à sua anulação, com as legais consequências, da decisão arbitral A Relação de Coimbra, por acórdão de 15.04.2015 (cfr. fls. 504 a 530), revogou a decisão impugnada e, consequentemente, anulou a decisão arbitral, proferida no dia 22 de Maio de 2012, no processo n.º .../2010/INS/AP, no Centro de Arbitragem da Associação Comercial de Lisboa.

Inconformada, deste acórdão recorre agora para este Supremo Tribunal a recorrida “BB - Actividades Hoteleiras Unipessoal, Ldª”, que alegou e concluiu pelo modo seguinte: I. Nos termos do Regulamento de Arbitragem de 2008 os árbitros devem ser e permanecer independentes relativamente às partes e ao litígio e agir com imparcialidade, sendo que deverão dar a conhecer qualquer circunstância susceptível de razoavelmente originar justificadas dúvidas a respeito da independência ou da imparcialidade (cfr. artigo 10.º).

  1. As partes, ao abrigo do Regulamento de Arbitragem de 2008, podem, por convenção de arbitragem ou posteriormente, estabelecer as regras processuais desde que não estejam em oposição com disposições inderrogáveis do regulamento. Pode igualmente o tribunal arbitral fixar as regras processuais a observar desde que não estejam em oposição com disposições inderrogáveis do regulamento (cfr. artigo 16.º).

  2. Nos termos dos artigos 29.º e 30.º do Regulamento de Arbitragem de 2008, o tribunal arbitral deve, na audiência preliminar ou no prazo máximo de 30 (trinta) dias após a sua realização e ouvidas as partes, designadamente definir os meios de prova de que as partes poderão fazer uso, as regras e prazos quanto à sua produção, sendo admitida qualquer prova admitida pela lei aplicável ou convencionada pelas partes, podendo, por sua iniciativa ou a requerimento das partes recolher depoimento pessoal das partes.

  3. Salvo se estiver autorizado pelas partes em convenção de arbitragem ou documento escrito e subscrito até aceitação do árbitro, o tribunal arbitral julga segundo o direito constituído aplicável (cfr. artigo 35.º do Regulamento de Arbitragem de 2008).

  4. Nos termos do artigo 27.º, n.º 1 al. c), conjugado com o artigo 16.º, alínea a), ambos da LAV, a sentença arbitral só pode ser anulada por tribunal judicial se a violação do tratamento das partes, em absoluta igualdade, tiver influência decisiva na resolução do litígio.

  5. Nas palavras de José Lebre de Freitas, em "Introdução ao Processo Civil, Conceitos e Princípios Gerais" (Coimbra Editora, pág. 66), "Dentro do campo do direito disponível, é admissível que as partes acordem para dirimir os conflitos entre elas, no recurso a tribunais arbitrais. Estes são constituídos por particulares e como tal destituídos de jus imperii. O seu poder de decisão deriva da vontade das partes, tendo um fundamento semelhante ao do negócio jurídico: tal como os particulares podem, no domínio da autonomia da vontade, auto-regulamentar os seus interesses e, designadamente, prevenir os litígios ou pôr-lhes cobro mediante negócios de transacção, assim pode também, no domínio e desde que uma lei especial não o impeça, encarregar terceiros de decidir os litígios que entre si surjam ou venham a surgir.

    ".

  6. Recorrente e recorrido, dentro da sua autonomia, decidiram contratualmente regular o litígio entre si através do recurso ao processo arbitral, sujeitando-se às regras aplicáveis e determinadas por si e pelo Árbitro. Depois de terem sido ouvidos sobre os meios de prova admitidos e como se processaria a instrução do processo arbitral, o Árbitro deu continuidade ao processo até à prolação da decisão final.

  7. Ou seja, ficou assente e acordado pelas partes e pelo Tribunal Arbitral como seriam as regras processuais e porque é que o Depoimento Pessoal da Parte Demandada não seria admissível.

  8. O Recorrido interveio no processo com as mesmas armas processuais que a Recorrente, somente não logrou provar a sua versão dos factos. Algo que terá de aceitar! X. Foi-lhe permitido (i) deduzir defesa escrita ao requerimento inicial, (ii) dar a sua opinião sobre o árbitro a indicar, (iii) responder sobre o árbitro indicado, (iv) estar presente na audiência preliminar e ser ouvido em relação às regras procedimentais que ficaram fixadas na "Acta de Missão", (v) reclamar da fixação dos factos admitidos e não admitidos por acordo, (vi) apresentar o incidente de recusa, (vii) inquirir as testemunhas por si arroladas e as arroladas pela parte contrária, (viii) alegar oralmente e apresentar alegações escritas, (ix) pronunciar-se sobre o projecto de sentença final.

  9. Como ficou demonstrado, na sentença arbitral e na sentença de primeira instância do tribunal judicial, no processo de arbitragem não houve qualquer violação dos princípios do processo justo ou da igualdade das partes.

  10. O Recorrido terá de saber distinguir entre violação da lei e o vencimento numa acção, por não lograr demonstrar e provar o seu ponto de vista. Não há, nem no procedimento arbitral, nem na acção de anulação de sentença, arbitrar qualquer ilicitude; há, única e exclusivamente, uma apreciação crítica à luz do Direito aplicável da situação em concreto e uma decisão que não satisfaz o Recorrente mas que este tem de acatar porque aceitou, previamente, renunciar ao recurso quando subscreveu a convenção de arbitragem.

  11. A produção de prova e a admissão dos meios de prova ocorrerá no processo arbitral da mesma forma que nos processos judiciais, ou seja, só serão admitidos os meios processuais que a lei admitir.

  12. O árbitro tem um poder que "deve ser exercido no sentido que conduza a uma conclusão de prova de acordo com as regras legais da tipologia dos meios de prova e as regras do ónus da prova e das presunções de prova (artigo 341.º e segs. do Código Civil).

    " (Manuel Pereira Barrocas, Manual de Arbitragem, Almedina, 2010, pág. 419).

  13. Defendeu o Recorrido, corroborado pela decisão de que agora se recorre, que a decisão arbitral foi proferida em violação do princípio justo, equitativo, do tratamento igualitário das partes, por não ter sido dado o direito de audição do Recorrido quando solicitou o seu depoimento pessoal, e que nessa medida houve uma violação das regras da ordem pública interna, fundamento para a anulação da sentença.

  14. Contudo "a anulação do acórdão arbitral não depende, pois, apenas da violação pelo tribunal arbitral do princípio da audição das partes antes da decisão, certo que a lei exige para o efeito que essa omissão tenha sido essencial para a resolução do litígio, tal como ela ocorreu. Trata-se da conformação de diversos princípios processuais para que a forma se não sobreponha desrazoavelmente ao mérito da causa, num quadro de aproveitamento de actos processuais e de salvaguarda da celeridade dos mesmos, aliás em paralelismo e com a mesma razão de ser do disposto no art. 201.º do Código do Processo Civil. A essencialidade da omissão em causa para a decisão que foi proferida há-de aferir-se face aos factos assentes à luz de um juízo de prognose póstuma, perante a perspectiva de saber se o no acórdão decorrente da anulação do primeiro para cumprimento da audição das partes seria ou não susceptível de favorecer a parte que pretende a anulabilidade. Importa, por isso, verificar se na espécie ocorreu ou não uma relação causa-efeito entre o conteúdo negativo do acórdão arbitral no confronto do recorrente e a omissão pela comissão arbitral da sua audição.

    " (Ac. STJ de 24.06.2004, proc. 0482190, www.dgsi.pt).

  15. Mais, "Não configura decisão-surpresa sobre o que se justifique a prévia audição das partes a aplicação do regime jurídico a que se subsumem os factos em que o autor fundou o direito. Não configura desigualdade do tratamento das partes o facto de a reclamação duma delas merecer acolhimento e não tanto a da outra: o que, isso sim, pode suceder é uma tal decisão ser acertada ou nem tanto assim.

    " (Ac. STJ de 24.10.2006, proc. 06B2366, www.dgsi.pt).

  16. Efectivamente, não houve da parte do Tribunal Arbitral qualquer violação das normas legais aplicáveis, ou qualquer surpresa na decisão, ou falta de imparcialidade ou tratamento desigual das partes.

  17. Sucede que o Recorrido, apesar de ter escolhido, de forma autónoma e livre, sujeitar qualquer litígio decorrente do caso concreto à arbitragem, não soube ter “fair-play” ao não aceitar que o direito aplicável em consequência da subsunção jurídica dos factos não permitiu ao Tribunal Arbitral atribuir-lhe razão. Sabedor de que não poderia recorrer do mérito da sentença, pretendeu a anulação da mesma, para desta forma evitar, até ao limite das suas forças, cumprir com o dispositivo condenatório da mesma.

  18. Ora, "apenas se submete a uma jurisdição arbitral quem quis, sendo essa opção motivada, em regra, pela procura de um processo rápido, sigiloso e que culmine numa decisão definitiva para as partes, pondo termo ao litígio que as opõe.

    " (Mariana França Gouveia, "Análise de Jurisprudência sobre Arbitragem, Coordenação", Almedina, pág. 229).

  19. Só no caso de uma sentença arbitral violadora dos fundamentos ínsitos no artigo 162.º da LAV poderá, excepcionalmente, ser admitida a revisão da sentença, doutro modo, a sua definitividade é automática...

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