Acórdão nº 06B3576 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 24 de Outubro de 2006
Magistrado Responsável | SALVADOR DA COSTA |
Data da Resolução | 24 de Outubro de 2006 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I "AA", residente em ...., Lamego, instaurou, no dia 15 de Março de 2003, contra BB, acção declarativa de condenação, com processo ordinário, pedindo a sua condenação a pagar-lhe € 16 000 e juros à taxa legal, computando os vencidos em € 10 492,80, sob o fundamento de, no dia 3 de Julho de 1996, em Lamego, lhe ter emprestado 25 000 francos suíços, a restituir em prestações, com juros, e na omissão dessa restituição.
A ré contestou, excepcionando a incompetência internacional dos tribunais portugueses para o julgamento da causa, afirmando ter o empréstimo ocorrido na Suíça, País onde ela e o autor residiam e lho haver pago, sem juros, por ele os não ter querido, e pediu a condenação dele a indemnizá-la por litigância de má fé.
Na réplica, o autor negou o afirmado pela ré e pediu a condenação dela a indemnizá-lo por litigância de má fé, e, no despacho saneador, o tribunal da 1ª instância relegou para momento posterior a apreciação da excepção da competência internacional do tribunal.
Realizado o julgamento, foi proferida sentença no dia 29 de Março de 2005, por via da qual foi julgada improcedente a excepção de incompetência internacional do tribunal português, declarada a nulidade do contrato de mútuo em causa e condenada a ré a restituir ao autor 25 000 francos suíços e o valor dos frutos civis vencidos e vincendos desde 17 de Fevereiro de 2003, à taxa legal de 7% até 30 de Abril de 2003 e de 4% daí em diante.
Interpôs a ré recurso de apelação e a Relação, por despacho do relator proferido no dia 2 de Novembro de 2005, revogou a sentença proferida no tribunal da 1ª instância, sob o fundamento de nulidade decorrente da não prolação de despacho de aperfeiçoamento para suprir a ilegitimidade da ré por falta de accionamento do seu cônjuge, referindo que as alegações das partes terão de incidir sobre a lei Suíça e que porventura carecia de maior aprofundamento a investigação sobre a competência internacional do Tribunal de Lamego.
Reclamou o autor para a conferência da referida sentença e a Relação, por acórdão proferido, indeferiu a reclamação, mantendo o conteúdo daquela sentença.
Interpôs o apelado recurso de revista - mandado seguir pelo relator como recurso de agravo - formulando, em síntese, as seguintes conclusões de alegação: - o Tribunal da Comarca de Lamego é competente para conhecer do pedido, porque o recorrente, residente em Lamego à data da interposição da acção, podia optar pelo accionamento no tribunal do lugar em que a obrigação pecuniária devia ser cumprida, no do seu domicílio; - ao não conhecer das questões da incompetência internacional do tribunal, da contradição na convicção do julgador e da ilação de restituição de toda a quantia, suscitadas pela apelante, e ao conhecer da aplicabilidade das normas de conflitos em sede de direito internacional privado, a Relação violou o artigo 690º, nº 1, do Código de Processo Civil; - a recorrida não pôs em causa o acórdão da Relação que não conheceu dos vícios da sentença proferida pelo tribunal da 1ª instância, pelo que tal matéria, relativa aos factos provados, transitou em julgado; - a intervenção do cônjuge ou do ex-cônjuge da recorrida é desnecessária para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal, não é caso de litisconsórcio necessário, pelo que a Relação violou os artigos 28º, nº 2 e 28º-A, nº 3, do Código de Processo Civil.
II É a seguinte a factualidade declarada provada no tribunal recorrido: 1. No dia 3 de Julho de 1996, AA entregou à ré, BB, a título de empréstimo, a quantia de 25 000 francos suíços, tendo a ré contra entrega daquela quantia subscrito declaração na qual reconhecia ser devedora da mesma, bem como de juros, capitalizados mensalmente, até integral e efectivo pagamento.
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Na data referida sob 1, o autor e a ré encontravam-se na Suíça, sendo-lhe entregue o dinheiro aí mencionado na pastelaria de que era proprietária naquele País, na cidade de Genebra.
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A declaração emitida pela ré foi aposta numa nota de encomenda suíça, da qual consta um carimbo de uma empresa com o nome "Empresa-A"; 4. No dia 17 de Fevereiro de 2003, através do seu advogado, o autor solicitou à ré o pagamento da quantia aludida sob 1 e dos juros respectivos, e ela respondeu aquela missiva alegando que nada devia, e nada lhe pagou a título de capital e juros.
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O autor foi emigrado na Suíça até, pelo menos, ao mês de Julho de 1996, onde ainda se encontra a ré à presente data.
III A questão essencial decidenda é a de saber se há ou não fundamento legal para a Relação não conhecer do mérito do recurso de apelação e determinar a prolação de despacho convite à intervenção do ex-cônjuge da apelante.
Tendo em conta o conteúdo do acórdão recorrido e das conclusões de alegação do recorrente, a resposta à referida questão pressupõe a análise da seguinte problemática: - síntese do conteúdo do acórdão recorrido; - está ou não o referido acórdão afectado de nulidade? - transitou ou não em julgado alguma das partes do acórdão? - regime legal do despacho pré-saneador tendente ao suprimento de excepções dilatórias; - a recorrida é ou não parte legítima na acção? - solução para o caso espécie decorrente da dinâmica processual envolvente e da lei.
Vejamos, de per se, cada uma das referidas sub-questões.
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Comecemos pela síntese do conteúdo do acórdão recorrido.
A Relação considerou dever a acção ser intentada contra a ora recorrida e o seu ex-cônjuge, sob pena de ilegitimidade, invocando o disposto nos artigos 28º, nº 2 e 28º-A, nº 3, do Código de Processo Civil.
Acrescentou, por um lado, dever ser proposta contra a pessoa que à data do contrato era casada com o outorgante, designadamente quando os bens do casal se não mostrem divididos pela dissolução do matrimónio.
E, por outro que, mesmo a entender-se só valer o disposto no...
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