Acórdão nº 06P2941 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 24 de Outubro de 2006
Magistrado Responsável | SANTOS CARVALHO |
Data da Resolução | 24 de Outubro de 2006 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1.
"AA" foi julgado na 5ª Vara Criminal de Lisboa, 2ª Secção e aí condenado: a) pela prática de um crime de burla qualificada, p.p. pelos artigos 217.º e 218.º, n.º 2, alínea a), do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos de prisão; b) pela prática de dois crimes de falsificação de documento agravado, p.p. pelo artigo 256.º, n.º 1, alíneas a) e b) e n.º 3, do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão, por cada um deles; c) pela prática de dois crimes de falsificação de documento, p.p. pelo artigo 256.º, n.º 1, alíneas a) e b), do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão, por cada um deles.
Efectuado o cúmulo jurídico, nos termos do art. 77º do Cód. Penal e já aplicado o perdão concedido pela Lei nº 29/99, de 12/05, foi condenado na pena única de 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses de prisão.
Foi ainda julgado parcialmente procedente o pedido de indemnização civil formulado por BB, por si e em representação de seus filhos CC e DD e, em consequência, condenado o arguido AA a pagar aos demandantes a quantia de 90.851,62 (noventa mil oitocentos e cinquenta e um euros e sessenta e dois cêntimos) Euros, sendo 83.351,62 (oitenta e três mil trezentos e cinquenta e um euros e sessenta e dois cêntimos) a título de danos patrimoniais, acrescidos de juros vencidos desde a data da entrada em juízo do pedido de indemnização civil e vincendos, até integral pagamento e 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros) a titulo de danos não patrimoniais.
Do acórdão condenatório recorreu o arguido para a Relação de Lisboa, que veio a declarar-se incompetente por se tratar de recurso de decisão do tribunal colectivo em que se pede apenas o reexame da matéria de direito.
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Da motivação de recurso, extrai as seguintes conclusões: 1 - Foi o arguido, AA condenado a 5 anos e 4 meses de prisão, pela prática de um crime de burla agravada, dois crimes de falsificação de documento agravado e, dois crimes de falsificação de documento.
2 - O artigo 70° do C. Penal estipula que se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda, sendo que, no caso dos autos, os dois crimes de falsificação de documento agravado e, os dois crimes de falsificação de documento, ambos têm como medida aplicável a pena de multa, o que se deveria aplicar, a final.
3 - O arguido não está carecido de reintegração social, e não se considera que a pena de prisão possibilite a reintegração social do arguido, pelo contrário.
4 - As penas aplicadas são, em concreto, bastante excessivas, em relação a outros acórdãos referentes aos mesmos crimes, bem como, em relação, até, a crimes de sangue, estes, bastante mais repugnantes.
5 - Há ausência de antecedentes criminais, houve arrependimento sincero do arguido, foi colaborante, a sua conduta anterior e posterior aos crimes em questão evidenciou uma personalidade que revela de forma inequívoca que, futuramente, se pautará por condutas lícitas.
6 - A aplicação da medida de coacção a que o arguido foi sujeito, bem como, a aplicação de uma pena suspensa são elemento dissuasor bastante como punição.
7 - E na certeza de que a sua conduta, quer anterior quer posterior aos crimes em questão, foi sempre exemplar.
Termos em que: Com o qualificado suprimento de V. Exes Excelentíssimos Desembargadores, deverá julgar-se procedente o recurso apresentado; A) - Ou, com a redução da pena de prisão aplicada; B) - Ou, com a convolação da mesma, apenas, em pena de multa; C) - Mas sempre, caso se mantenha a pena de prisão, a mesma deverá ser suspensa.
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O Ministério Público junto do tribunal recorrido respondeu ao recurso e concluiu pela sua improcedência.
O ofendido BB também respondeu ao recurso, mas o relator, no seu despacho liminar, considerou que o mesmo, como não se constituiu assistente nos autos, não tem legitimidade para se pronunciar sobre um recurso que incide unicamente sobre a questão penal.
Neste Supremo, o Excm.º PGA pôs o seu visto.
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Colhidos os vistos e realizada a audiência com o formalismo legal, cumpre decidir.
As principais questões a decidir prendem-se com a medida das penas e a possibilidade da sua suspensão.
Os factos provados são os seguintes: Factos Provados Discutida a causa e com relevância para a decisão final, resultaram provados os seguintes factos: 1. No dia 31 de Julho de 1997, faleceu EE, melhor identificada a fls. 29, vítima de acidente de viação, ocorrido nessa mesma data.
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A falecida EE deixou como herdeiros o cônjuge, BB e dois filhos menores do casal, CC, nascido aos 01/11/96 e DD, nascido aos 25/06/91.
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EE, aquando do acidente de viação, fazia-se transportar no veículo automóvel de matrícula DX, propriedade do arguido, que era conduzido por um terceiro.
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Tal veículo estava segurado, quanto a seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel e danos sofridos pelos ocupantes do mesmo, pela Empresa-A, com a apólice nº 01555875, sendo tomador do seguro o arguido.
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Em data não exactamente apurada, mas anterior a 27/02/98, o BB contactou a Empresa-A, a fim de receber a indemnização devida pelo óbito de sua esposa.
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O BB não chegou a receber qualquer quantia a título de indemnização, por ter saído de Portugal em 27/02/98, apenas regressando em 16/04/02, sendo que no decurso desse período permaneceu sob reclusão algum tempo, ficando o processo de obtenção da indemnização pendente.
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Antes de se ausentar de Portugal, o BB entregou o seu Bilhete de Identidade e cartão de contribuinte, bem como as cédulas de seus dois filhos, a FF, para que guardasse tais documentos.
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O arguido, ao tomar conhecimento de que o BB, com o qual tinha relações de amizade, saíra de Portugal, decidiu obter os documentos de identificação do mesmo e utilizá-los junto da Companhia de Seguros Empresa-A para conseguir vantagens patrimoniais que não lhe eram devidas, levando-a a proceder ao pagamento da indemnização devida aos herdeiros, por óbito da EE, a emitir cheques no valor da mesma, cujo endosso simularia, depositando-os na sua conta bancária e desta forma dela se apoderando.
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Em prossecução desse objectivo, em dia não apurado de Outubro de 1998, o arguido contactou GG, irmã da falecida EE, dizendo-lhe estar a tratar, junto da seguradora do seu veículo, da indemnização por morte daquela devida aos herdeiros e pedindo-lhe, para tanto, o passaporte da mesma e os documentos de identificação do BB, sendo que a GG apenas entregou ao arguido o passaporte de sua irmã, uma vez que não tinha na sua posse os documentos de identificação do seu cunhado.
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Sabendo que a FF era pessoa próxima do BB, o arguido, também em Outubro de 1998, procurou-a, pedindo-lhe o Bilhete de Identidade daquele e as cédulas dos filhos e disse-lhe que necessitava de tais documentos por estar a tratar, junto da seguradora do seu veículo, da indemnização por morte da EE devida aos herdeiros. A FF, sabendo que o arguido era amigo do BB e proprietário do veículo automóvel interveniente no acidente que causou a morte da EE, acreditou que os documentos se destinavam a tratar da atribuição de indemnização junto da seguradora e que esta seria entregue aos herdeiros da falecida, pelo que lhe entregou tais documentos.
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Na posse daqueles, estabeleceu contactos com os representantes da Seguradora, a quem exibiu os documentos acima referidos, dizendo representar o BB ausente do país, para recebimento da indemnização por morte da EE e, tendo-lhe sido dito que era necessário, para além de outros documentos, habilitação de herdeiros, o arguido decidiu fazer lavrar a competente escritura.
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Assim, em 28/11/98, a pedido do arguido, compareceram no 16º Cartório Notarial de Lisboa, HH, II e JJ, que declararam que EE faleceu, sem testamento ou outra disposição de última vontade, no dia 31/07/97, no estado de casada sob o regime de comunhão de adquiridos com BB e que a mesma deixou como herdeiros DD e CC, não havendo outras pessoas que, segundo a lei guineense, com eles concorram à sucessão.
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Com base em tais declarações, que foram prestadas por o arguido estar convicto de que, segundo a lei guineense, aplicável devido à nacionalidade da falecida, o cônjuge sobrevivo não era herdeiro, foi lavrada escritura de habilitação de herdeiros, cuja cópia se encontra a fls. 264 a 266 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
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De seguida, o arguido entregou tal documento aos representantes da Seguradora, bem como os restantes que por esta lhe haviam sido pedidos, entre os quais o certificado de assento de óbito e exibiu-lhes o passaporte da falecida, cédulas dos filhos e BI do BB.
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Os representantes da Companhia de Seguros Empresa-A, devido à actuação do arguido e aos documentos apresentados e exibidos, convenceram-se que o mesmo actuava em representação do BB e dos filhos da falecida, pelo que acordaram em pagar, a título de indemnização aos mesmos o montante global de 12.500.000$00, sendo 7.500.000$0 referente a seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel e 5.000.000$00 referente a seguro por danos sofridos pelos ocupantes do veículo.
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Após ter tido conhecimento da atribuição da indemnização, o arguido, em 2 de Dezembro de 1998, deslocou-se às instalações da Companhia de Seguros Empresa-A, sitas em...
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