Acórdão nº 06P2324 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 04 de Outubro de 2006

Data04 Outubro 2006
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1997_01,Supreme Court of Justice (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: "AA" veio interpor recurso da decisão que o condenou na pena de cinco anos de prisão pela prática de um crime de tráfico de estupefaciente previsto e punido nos termos do artigo 21 do Decreto- Lei 15/93.

Tal decisão surge na sequência de Acórdão da Relação de Lisboa de fls.3399 e seguintes o qual determinou que se proferisse novo Acórdão em relação a tal arguido, pronunciando-se sobre a aplicação do regime de jovens delinquentes do Decreto-Lei nº401/82, de 23 de Setembro, em virtude de o mesmo te vinte anos à data dos factos.

Refere-se na decisão recorrida que é unicamente sobre essa questão que versa o Acórdão emitido, não se tomando posição sobre as penas a aplicar aos demais arguidos, por já ter ocorrido o respectivo trânsito em julgado da sentença e ser este apenas o objecto delimitado pelo Acórdão de fls.3399 e seguintes.

As razões da discordância do recorrente encontram-se expressas nas conclusões da motivação de recurso onde se refere que 1. A fundamentação da sentença visa permitir ao Tribunal superior o reexame do processo lógico ou racional que subjaz à decisão, o que deve ser feito nos termos do artigo 374° nº 2 sob pena de nulidade - artigo 379°, n° 1 aI. a} do C.P.P.

  1. Da análise da fundamentação e da prova produzida em audiência de julgamento resultam contradições entre os factos provados e a fundamentação.

  2. É omissa a fundamentação quanto a estes factos que, verdadeiramente, delimitariam não só a responsabilidade do recorrente relativamente à sua ligação com os restantes co-arguidos como também a verdadeira importância da sua participação neste processo, o que, em última análise, levaria a uma qualificação de crime diversa da qual o mesmo foi condenado, ou seja, o crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. no artigo 25° do Decreto-Lei nº 15/93.

  3. É, ainda, omissa a fundamentação quanto ao dinheiro apreendido ao recorrente no valor de 721,83€, no sentido de afirmar que o mesmo é de proveniência ilícita, uma vez que o recorrente tinha emprego fixo à data dos factos e auferia um rendimento mensal de 518.55€, pelo que tal dinheiro era fruto do seu trabalho não se compreendendo através da fundamentação de onde se retira que o mesmo fosse proveniente do tráfico de droga. Está-se perante um erro na apreciação da prova por parte do Tribunal.

  4. O recorrente foi seriamente afectado no seu direito de defesa, tendo sido violado o disposto nos artigos 320, nº 1 e 5 da CRP, 97° nº 4, 374°, nº 2 do C.P.P. 410 nº2 do C.P.P., já que o Tribunal fez errada interpretação das normas constantes dos artigos 97-4, 3740 - 2 do C.P.P., interpretação essa violadora dos princípios consignados nos artigos 32°-1-5 e 205° da C.R.P.

  5. O tribunal "a quo" ao imputar ao arguido a prática de um crime de tráfico e estupefacientes p. p. pelo artigo 21°, nº1 do Decreto-Lei nº 15/93 de 22 de Janeiro, com referência à Tabela l-C do mesmo diploma legal, qualificou erradamente o comportamento delituoso do arguido.

  6. Tal comportamento integra a previsão do artigo 25°, corpo e alínea a) do referido diploma legal.

  7. Conforme resulta da interpretação da lei e é entendimento da doutrina e jurisprudência abundante o crime previsto no artº 25° trata-se de um crime privilegiado relativamente ao previsto no artº 21°, a partir da consideração do grau de ilicitude e não da culpa.

  8. O grau de ilicitude considerado foi médio, trata-se uma droga "leve", haxixe, não se apurou o lapso temporal em que actividade se desenvolveu, o número provável de consumidores a que o produto foi distribuído nem qualquer tipo de lucro proveniente das alegadas vendas. De referir que o arguido sempre trabalhou até ao momento em que foi detido e que se encontra com licença sem vencimento com fortes probabilidades de ser readmitido.

  9. A conduta do arguido deve ser qualificada como integrante do ilícito tráfico de menor gravidade, p.e.p. pelo art. 25 do Decreto-Lei nº 15/93, normativo que o Tribunal "a quo" viajou por errada interpretação do art. 21° nº 1,25° al. a) do referido diploma, bem como o artigo 72 nº 1 e 2 e artigo 73° ambos do C.P.P.

  10. Assim, a medida da pena a aplicar ao recorrente não deve ser superior a 3 anos e suspensa na sua execução.

  11. A dar-se como provada a integração da actuação do arguido no art. 21° do DL 15/93, o que desde já se refuta, sempre se dirá, quanto à medida da pena, que a mesma se acha excessiva.

  12. No caso concreto e comparativamente com os restantes co-arguidos, os critérios na determinação da pena foram claramente excedidos, tendo o arguido sido condenado muito para além da sua culpa, sendo esta o limite da pena.

  13. O grau de ilicitude e o dolo relativamente ao recorrente foi considerado pelo Tribunal como sendo de grau médio e de normal intensidade, quando, comparativamente a outros co-arguidos, condenados na mesma medida da pena, que considerou ser a ilicitude de grau acentuado e com dolo directo e intenso.

  14. O Tribunal ao julgar o presente processo teve dois pesos e duas medidas, violando claramente o princípio da igualdade previsto no artº 13° da CRP.

  15. Se por um lado, o Tribunal reconheceu elementos que poderiam abonar a favor do arguido designadamente o facto do arguido apresentar uma boa trajectória de vida em termos de inserção familiar, profissional e laboral, hábitos de trabalho e capacidade de autocrítica e não ter antecedentes criminais (cfr. relatório social), e a sua reinserção em termos laborais por outro, não atendeu aos mesmos considerando-os, inexplicavelmente, factores negativos prejudicando claramente o arguido.

  16. Acresce, ainda, que o Tribunal não atendeu à «tenra» idade do arguido, à sua confissão. ao arrependimento sincero por este deslize na sua vida e ao desejo de voltar a ter uma vida honesta.

  17. O arguido, quando foi detido, tinha apenas 20 anos de idade pelo que estava abrangido pelo regime constante do Decreto-lei nº 401/82, de 23 de Setembro, regime especial para jovens delinquentes.

  18. A 1ª Instância ao não considerar os elementos supra referidos e ao decidir pela não aplicação ao recorrente do regime consagrado no Decreto-Lei nº 401/82 de 23/09 violou não só o preceituado nesse diploma designadamente o seu arte 4° como também o disposto nos artigos 40°, 500, 71° e 72° do C.P. e em consequência o disposto no nº 2 do artigo 374°, e artigo 3790 nº 1 alíneas a) e c) do CPP.

  19. Caso o Tribunal recorrido tivesse atendido às aludidas circunstâncias, teria aplicado ao arguido uma pena significativamente mais leve, especialmente atenuada e suspensa na sua execução.

Respondeu o Ministério Público formulando as seguintes conclusões: 1 - A presente instância de recurso encontra-se confinada à discussão e tomada de decisão relativa à aplicação, ou não, ao recorrente do regime penal especial consagrado pelo Decreto-Lei nº 401/82, de 23 de Setembro, e à medida da pena que lhe foi imposta.

2 - Todas as demais questões suscitadas pelo recorrente na motivação apresentada foram em devido tempo objecto de conhecimento pelo Tribunal da Relação de Lisboa em sede do recurso interposto do acórdão anteriormente proferido em primeira instância, tendo transitado em julgado a respectiva decisão.

3 - Tinha o ora recorrente menos de 21 anos de idade à data da prática do crime por que foi condenado pelo que estaria em princípio abrangido pelo regime penal especial consagrado pelo Decreto-Lei nº 401/82, de 23 de Setembro.

4 - A aplicação de tal regime não é porém automática, dependendo antes da verificação de sérias razões para se crer que da atenuação especial da pena possam resultar vantagens para a reinserção social do agente da infracção.

5 - Razões essas que têm que se fundar na matéria de facto provada, sempre sem descurar as exigências da prevenção geral positiva nem prescindir do limite da pena necessária à garantia de protecção dos bens jurídicos em causa e, por essa via, à da validade da norma que os prevê e tutela.

6 - O factor idade só por si não permite sustentar o juízo de valor necessariamente subjacente à aplicação desse regime especial, e inexistem quaisquer outros factos que viabilizem tal opção.

7 - O arguido cometeu um crime de tráfico de estupefacientes p. e p pelo art. 2º, nº 1, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, o qual é sancionado com a pena de prisão de 4 a 12 anos.

8 - Recorta-se adequada à gravidade objectiva dos factos provados e ao grau de culpa do agente, satisfazendo as exigências gerais e especiais de prevenção, em conformidade com os critérios definidores dos art. 40° e 7r, do Código Penal, a pena de 5 anos de prisão aplicada ao recorrente.

9 - Pena que não é passível de suspensão na sua execução.

Nesta instância o ExºMº Sr. Procurador Geral Adjunto revê-se na posição previamente assumida.

Os autos tiveram os vistos legais.

Importa, previamente, precisar a materialidade factual que as instâncias consideraram demonstrada e constitui pressuposto da decisão a emitir: -Pelo menos desde o último trimestre do ano de 2002, os arguidos BB, CC, DD, EE, FF e GG venderam produtos estupefacientes, designadamente, cocaína, ecstasy e cannabis, mediante o recebimento de quantias monetárias não apuradas e /ou artigos com valor comercial, na zona envolvente dos bares designados por " O... " e " O .... ", em Oeiras.

Actuavam concertadamente e, para o efeito, comunicavam entre si através de vários telemóveis, nomeadamente dos seguintes : - TM 968376857 e 96-8953704, pertencentes ao arguido BB e apreendidos na sua posse; - TM 96-5249728, pertencente ao arguido CC, apreendido na sua posse; - TM 96-2788382 e 964930496, pertencentes ao arguido EE, apreendidos na sua posse; - TM 964891599, pertencente ao arguido FF, apreendido na sua posse; -TM 96-4488111, pertencente ao arguido DD e apreendido na sua posse.

Essas comunicações telefónicas eram efectuadas com as cautelas próprias de quem se movimenta no comércio de tais produtos, sendo utilizada linguagem "codificada" e um discurso lacónico e aparentemente com palavras utilizadas fora do seu significado comum quando...

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