Acórdão nº 06A2365 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 28 de Setembro de 2006

Magistrado ResponsávelSILVA SALAZAR
Data da Resolução28 de Setembro de 2006
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: Em 7/7/97, Empresa-A, instaurou contra Empresa-B, acção com processo ordinário, pedindo a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de 2.492.609$00, preço de artigos de vestuário que diz ter-lhe vendido no exercício da sua actividade comercial, e juros legais até integral pagamento, somando os vencidos 103.406$00.

A ré, em contestação, sustentou que o acordado entre ambas não integrava uma compra e venda, pois a confecção das peças de vestuário em causa fôra encomendada à autora por ela ré, que fornecera a malha, sendo que, por outro lado, nunca aceitou qualquer parte da obra por esta enfermar de numerosos e graves defeitos que a autora não conseguiu reparar, após várias tentativas; por isso teve a ré de proceder, ela própria, à reparação, tendo porém numerosas peças ficado irrecuperáveis, para além de ela ré ter tido de proceder ao fornecimento das peças reparadas ao seu cliente com atraso; em consequência do incumprimento da autora sofreu ele ré prejuízos no montante de 3.011.575$00, que, - para além de pretender a improcedência da acção -, pediu em reconvenção que a autora fosse condenada a pagar-lhe, acrescida dos respectivos juros legais de mora.

Em réplica, a autora rebateu a matéria de excepção e a da reconvenção.

Teve lugar uma audiência preliminar em que não se obteve conciliação, ao que se seguiu a elaboração de despacho saneador que decidiu não haver excepções dilatórias nem nulidades secundárias.

Após, foi enumerada a matéria de facto desde logo dada por assente e foi elaborada a base instrutória.

Oportunamente teve lugar audiência de discussão e julgamento, tendo sido decidida a matéria de facto sujeita a instrução, após o que foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e condenou a ré a pagar à autora a quantia de 2.492.609$00, equivalente a 12.433,08 euros, acrescida dos respectivos juros legais de mora a contar da data da mesma sentença até integral pagamento, e que julgou a reconvenção parcialmente procedente, condenando a autora a pagar à ré as quantias de 2.189.184$00, equivalente a 10.919,60 euros, e de 312. 390$00, equivalente a 1.558,19 euros, ambas acrescidas dos respectivos juros legais de mora desde a data da mesma sentença até integral pagamento.

Apelaram ambas as partes, tendo a Relação julgado totalmente improcedente o recurso da ré e parcialmente procedente o da autora, pelo que revogou a sentença ali recorrida apenas na parte em que julgara o pedido reconvencional parcialmente procedente com a consequente condenação da autora no pagamento à ré das quantias acima indicadas.

É do acórdão que assim decidiu que vem interposta a presente revista, pela ré, que, em alegações, formulou as seguintes conclusões: 1ª - A recorrente não pode deixar de começar as presentes alegações por manifestar a sua mais profunda discordância com o acórdão recorrido, que constitui, na sua convicção, um prémio injusto e injustificado ao contraente faltoso/relapso, ou seja, à aqui recorrida; 2ª - Ao julgar improcedente o recurso por si interposto e parcialmente procedente o recurso intentado pela recorrida, revogando a sentença do Tribunal de Primeira Instância apenas na parte em que julgou parcialmente procedente o pedido reconvencional, o acórdão recorrido ignorou por completo o flagrante e grosseiro incumprimento contratual da recorrida, produzindo uma decisão iníqua, inaceitável e incompreensível para o comum dos cidadãos; 3ª - É que são os próprios Senhores Juízes Desembargadores que consideram: (i) por um lado, que "parte da obra ficou irrealizável" - cfr. página 18 verso do acórdão recorrido, linhas 22 a 24; (ii) e, por outro lado, que a obra foi executada "com grandes defeitos" - cfr. página 18 verso do acórdão recorrido, linhas 28 e 29.

(vide, também, fls. 19 verso, linhas 15 a 17): 4ª - O Tribunal "a quo", em conformidade com o decidido pelo Tribunal de Primeira Instância, e contrariamente à qualificação que a recorrida preconizou na petição inicial, entendeu que o contrato celebrado entre a recorrida e a recorrente deve ser qualificado como um contrato de empreitada.

· A necessária procedência do pedido reconvencional formulado pela recorrente contra a recorrida; 5ª - A posição tradicional da doutrina e da jurisprudência nas situações em que a obra é realizada com vícios é que aquilo que o dono da obra tem a fazer, se o empreiteiro se recusar a eliminar os defeitos ou a realizar de novo a obra, é recorrer ao tribunal, para obter uma condenação prévia do empreiteiro, após o que, em execução de prestação de facto, conseguirá a eliminação dos defeitos ou a nova construção, pelo próprio empreiteiro ou por terceiro, nos termos do art.º 828º do Código Civil; 6ª - A melhor doutrina e a jurisprudência, porém, são igualmente unânimes em reconhecer uma excepção a este regime legal formalista e imperativo: a verificação/existência de um caso de manifesta urgência; 7ª - Com efeito, em situações de manifesta urgência, a lei permite que o dono da obra tome a iniciativa de eliminar, ele próprio, os defeitos, ou de construir de novo a obra, para, em seguida, reclamar uma indemnização do empreiteiro pelas despesas que teve, de harmonia com os princípios gerais de direito, designadamente o constante do art.º 339º do Código Civil; 8ª - A verdade, portanto, é que no âmbito do contrato de empreitada já se admitiu a condenação do empreiteiro que não cumpriu o dever de eliminar os defeitos no pagamento dos custos dessa eliminação por terceiro, assim como já se defendeu a possibilidade de o dono da obra proceder à eliminação dos defeitos, por si ou através de terceiro, e sem intervenção judicial, em casos de manifesta urgência, responsabilizando o empreiteiro pelo custo dos trabalhos efectuados (cfr. indicação de doutrina e jurisprudência neste sentido em "Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra", pág. 112, de AA); 9ª - Atendendo às regras e princípios acabados de expor, a outra conclusão não podemos chegar que não seja a de que andou, de facto, mal o acórdão recorrido ao julgar improcedente o pedido reconvencional e ao confirmar a sentença do Tribunal de 1ª Instância quanto à condenação da recorrente no pagamento do preço; 10ª - A decisão recorrida assenta, neste particular, numa premissa completamente errada que subverte, irremediavelmente, a conclusão final a que chega: a de que a recorrente, enquanto dona da obra, não interpelou a recorrida, empreiteira, para eliminar os defeitos da obra e que, portanto, o empreiteiro não se colocou em mora relativamente à sua obrigação; 11ª- Vejamos aquilo que resultou provado dos autos e que corresponde à alegação da recorrente na sua contestação: a) o funcionário da ré, BB, ao controlar a qualidade, durante o fabrico dos modelos, no estabelecimento da autora, detectou, logo, defeitos, assinalados em 18/2/97, no modelo 83778, designadamente, carcelas com pregas, buracos nas carcelas, bainhas por apanhar, reconhecidos pela assinatura da representante da autora, CC (documento de fls. 24 cujo teor se dá por integralmente reproduzido) - alínea F) dos factos assentes; b) mais se constataram defeitos nos modelos 83779 e 81601, relativamente aos fechos e bico, conforme documento de fls. 24 - alínea G) dos factos assentes; c) em 25/2/97 MANTIVERAM-SE os defeitos nas carcelas e nas bainhas, além de diferentes distâncias entre agulhas na mesma peça e costuras das cavas descasadas, conforme nota interna n.º 1401 entregue pela ré à autora - resposta ao quesito 4º; d) em 4/3/97 CONTINUAVAM a verificar-se defeitos nas peças, designadamente bainhas tortas, emendas mal feitas e bicos descentrados, conforme nota interna n.º 1402, entregue pela ré à autora - resposta ao quesito 5º; e) a autora não conseguia corrigir os defeitos constantemente detectados durante o fabrico - resposta ao quesito 6º; f) nessa conformidade, logo após a chegada das últimas peças ao seu estabelecimento, a ré fez notar à autora a ineptidão desta, informando-a da necessidade de ter que desmanchar todo o modelo…. para corrigir bainhas tortas e medidas incorrectas, conforme consta da fotocópia de FAX junta a fls. 28 dos autos - resposta ao quesito 7º; g) a ré mais informou a autora, na data (6/3/97), que o modelo …. tinha inúmeras peças picadas, destinadas a lote com defeito, e apresentava medidas diferentes nas bainhas, obrigando a que fossem descosidas, além de ter golas descosidas - resposta ao quesito 8º; h) transmitiu...

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