Acórdão nº 06P3048 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 28 de Setembro de 2006
Magistrado Responsável | SANTOS CARVALHO |
Data da Resolução | 28 de Setembro de 2006 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1.
AA, BB, CC, DD, EE, FF e GG, entre outros, foram julgados e condenados na Vara de Competência Mista do Tribunal Judicial de Setúbal, por acórdão de 8 de Abril de 2005, pelos seguintes crimes e penas: a) o AA, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes p.p. pelo art.º 21.º do DL 15/93 de 22/1, na pena de quatro anos de prisão; b) o BB, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p.p. pelas disposições conjugadas dos art.ºs 21º, nº 1 e 24º - c) do DL 15/93 de 22/1, na pena de oito anos de prisão; c) o CC, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p.p. pelo art. 21º do DL 15/93 de 22/1, na pena de cinco anos de prisão; d) o DD, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p.p. pelas disposições conjugadas dos art.ºs 21º, nº 1 e 24º - c) do DL 15/93 de 22/1, com referência às tabelas I - A e I - C, na pena de sete anos de prisão; e pela prática de um crime de detenção ilegal de arma, p.p. pelo art. 6º, nº 1 do DL 22/97 de 27/6 na redacção que lhe foi dada pelo DL 98/01 de 25/8, na pena de três meses de prisão; no cúmulo jurídico destas penas parcelares, na pena única de sete anos e um mês de prisão; e) o EE, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p.p. pelo art. 21º do DL 15/93 de 22/1, na pena de quatro anos e meio de prisão; e pela prática de um crime de posse de arma proibida, p.p. pelo art. 275º do C. Penal e art. 3º, nº 1 - f) do DL 207-A/75 de 17/4, na pena de três meses de prisão; no cúmulo jurídico destas penas parcelares, na pena única de quatro anos e sete meses de prisão; f) o FF, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes p.p. pelo art. 21º do DL 15/93 de 22/1, na pena de seis anos de prisão; efectuado o cúmulo jurídico desta pena com a que lhe foi aplicada no âmbito do proc. 0000/01.8TASTB da mesma Vara Mista, na pena única de sete anos e seis meses de prisão; g) o GG, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes p.p. pelo art. 21º do DL 15/93 de 22/1, na pena de cinco anos de prisão; e pela prática de um crime de posse de arma proibida, p.p. pelo art. 275º do C. Penal e art. 3º, nº 1 - f) do DL 207-A/75 de 17/4, na pena de três meses de prisão; no cúmulo jurídico destas penas parcelares, na pena única de cinco anos e um mês de prisão.
O Ministério Público e os apontados arguidos recorreram para o Tribunal da Relação de Évora.
Por Acórdão desta Relação de 2 de Maio de 2006, foi concedido provimento parcial ao recurso do M.º P.º, e, baixando-se as penas respectivas, entendeu-se adequado aplicar ao arguido DD, pela prática do aludido crime de tráfico de estupefacientes agravado, p.p. pelas disposições legais referidas, a pena de seis anos de prisão, pelo que, refazendo o cúmulo jurídico em que o mesmo foi condenado, se lhe fixou a pena única, em seis anos e um mês de prisão; e como adequado aplicar ao arguido BB, pela prática do crime de tráfico de estupefacientes, p.p. também pelas disposições já referidas, a pena de sete anos de prisão Foi concedido também provimento parcial ao recurso do arguido CC, pelo que a pena baixou para 4 anos de prisão.
Foi concedido também provimento parcial ao recurso do arguido EE, pelo que a pena baixou para 4 anos de prisão.
Foi concedido também provimento parcial ao recurso do arguido FF e, por uma questão de harmonização das penas aplicadas, bem como de justiça relativa, entendeu-se fixar a pena em este arguido, pela prática do aludido crime de tráfico de estupefacientes, em cinco anos de prisão; e reformulando o cúmulo jurídico, com a pena que lhe foi aplicada no Processo nº 0000/01.8TASTB, da Vara Mista de Setúbal, ficou o mesmo condenado na pena única de seis anos e seis meses de prisão.
Aos restantes recursos foi negado provimento.
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Os referidos arguidos recorreram da sentença condenatória para este Supremo Tribunal de Justiça e suscitam, além do mais, a nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia sobre a impugnação da matéria de facto que fizeram, nos termos dos art.ºs 379.º, n.º 1, al. c), e 425.º, n.º 4, do CPP. Pedem a anulação do acórdão recorrido e a sanação da nulidade invocada.
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O Ministério Público junto do tribunal recorrido respondeu aos recursos e suscitou a questão prévia da irrecorribilidade da decisão, nos termos do art.º 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, por não terem sido aplicadas penas superiores a 8 anos de prisão e o acórdão recorrido ser meramente confirmativo da decisão da 1ª instância. Mas, se assim, não se entender, os recursos devem ser julgados improcedentes.
Neste Supremo, o Excm.º PGA pôs o seu visto.
O relator, porém, mandou os autos à conferência, por ser evidente que o tribunal recorrido não conheceu da impugnação da matéria de facto e, portanto, padecer da nulidade a que se reportam os art.ºs 379.º, n.º 1, al. c) e 425.º, n.º 4, do CPP.
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Colhidos os vistos e realizada a conferência com o formalismo legal, cumpre decidir.
QUESTÃO DA IRRECORRIBILIDADE DA DECISÃO Esta questão da eventual irrecorribilidade radica numa jurisprudência já ultrapassada do STJ que, para o efeito do disposto no art.º 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, atendia à pena aplicada em concreto e não à pena aplicável em abstracto e que se podia traduzir por este excerto de um sumário de acórdão do ora relator: 1 - Não é admissível recurso de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1ª instância, em processo por crime a que seja aplicável pena de prisão não superior a oito anos, mesmo em caso de concurso de infracções. 2- A decisão da Relação que confirmou um acórdão condenatório da 1ª instância que havia aplicado a pena de 7 anos de prisão é irrecorrível, se o recurso for interposto pela defesa ou no seu exclusivo interesse, nos termos da al. f) do art.º 400.º do CPP, pois a pena aplicável não pode ser superior àquela, ainda que a previsão legal do crime o admitisse, dada a proibição da "reformatio in pejus".
Como dissemos, esta jurisprudência foi completamente posta de lado pois que ao fazer-se coincidir a pena aplicada com a pena aplicável, colocar-se-iam problemas de difícil solução face aos direitos de defesa constitucionalmente garantidos ao arguido. Assim: 1º- "Verificando-se dupla conforme, isto é, convergência de posições entre as instâncias quanto à condenação, só à acusação fica reservado o direito ao recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, direito que, assim, é incompreensivelmente negado ao condenado, o que, privilegiando sem razão aparente a «parte acusadora», coloca a defesa numa injustificada situação de inferioridade e incomportável desigualdade processual" (cfr. voto de vencido do Excm.º Cons. Pereira Madeira, no Acórdão do STJ de 26-06-03, processo n.º 1797/03-5); 2º- "O momento relevante do ponto de vista do titular do direito de recurso é coincidente com o momento em que é proferida a decisão de que se pretende recorrer; é esta que contém e fixa os elementos determinantes para a decisão que o interessado toma sobre o exercício do direito. O tribunal de recurso e as condições de exercício do direito têm de estar determinados nesse momento, não podendo, salvo afectação dos princípio do recurso e da predeterminação do tribunal, estar dependentes de condições subsequentes, não domináveis pelo titular do direito, e inteiramente contingentes, como seja, no caso, a circunstância de o M.º P.º interpor ou não recurso." (cfr. o Ac. do STJ 2/7/03, de 1882/03-3, relator Excm.º Cons. Henriques Gaspar); 3º- A gravidade do crime (que justifica a intervenção do STJ no recurso) resulta, não da pena efectivamente aplicada, mas da moldura penal abstractamente aplicável, pois ao longo do processo é esta moldura que acarreta para o arguido determinadas sujeições processuais muito penosas, respeitantes, por exemplo, à aplicação e duração da prisão preventiva. Daí que violaria o princípio da lealdade processual considerar-se o crime como "muito grave" (face à pena abstractamente aplicável) para impor deveres ao arguido, mas "pouco grave" (face à pena efectivamente aplicada) para lhe retirar o direito de recorrer.
Em suma, suscitando-se estas dificuldades, designadamente de natureza constitucional, entende-se como mais adequada a interpretação de que, para o efeito do disposto no art.º 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, a referência legal à pena aplicável está reportada àquela que em abstracto é a prevista na lei para o crime imputado ao arguido na acusação/pronúncia, sendo irrelevantes as penas que tenham sido efectivamente aplicadas pelas instâncias.
Termos em que não se atende à questão prévia suscitada pelo Ministério Público e a decisão é recorrível para o Supremo Tribunal de Justiça.
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO Da motivação do recurso dos ora recorrentes para a Relação resulta claro que todos impugnaram a matéria de facto dada como provada na 1ª instância.
O recorrente AA indicou claramente os pontos de facto que considerava incorrectamente julgados, como se vê da sua conclusão de recurso (para a Relação) n.º 26ª: 26- E assim nunca se poderia ter dado como provado a seguinte matéria de facto: a) - Que o AA pelo menos no período compreendido entre 21/11/2003 e 28/01/2004 desenvolveu uma actividade de tràfico de estupefacientes.
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Que adquiriu nesse período pelo menos 7 kg de haxixe (a considerar-se por mera hipotese académica como certa a conclusão do Agente Investigador AV, apenas se poderia contabilizar 4k250g).
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Que o arguído AA seguia numa viatura no sentido de verificar nomeadamente se no caminho existiam fiscalizações policias.
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Que o AA previu e quis desenvolver a actividade de comercialização de substâncias narcóticas.
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Que conhecia as caracteristicas e natureza narcótica das substâncias a cuja comercialização se dedicava.
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Que tendo capacidade de determinação segundo as legais prescrições ainda assim não se inibiu de as realizar.
O mesmo recorrente também indicou as provas que impõem decisão diversa da recorrida, como se pode ver por...
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