Acórdão nº 06P3037 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 21 de Setembro de 2006

Magistrado ResponsávelCARMONA DA MOTA
Data da Resolução21 de Setembro de 2006
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: Arguidos/recorrentes: AA e BB ( 1) 1. OS FACTOS No dia 19 de Julho de 2005, de manhã, CC, funcionário da sociedade "Empresa-A", efectuava distribuição de tabaco por diversos estabelecimentos comerciais de restauração localizados na zona de Valongo e Vale do Sousa, utilizando para o efeito uma carrinha Fiat Scudo TC. Entre as 11:00 e as 11:15, CC dirigiu-se ao Restaurante "..", sito em Campo, Valongo, local onde procederia ao abastecimento de uma máquina automática de venda de tabaco. Nesse momento, dentro da referida carrinha, encontravam-se diversos volumes de tabaco no valor de 7.465,50 euros e 4.708,05 euros em dinheiro, retirados nessa manhã de diversas máquinas de venda de tabaco. Entretanto, quando CC se encontrava já parado, junto ao aludido restaurante e dentro da referida carrinha, a preparar-se para pegar no tabaco necessário à reposição do stock, foi abordado pelos dois arguidos, sendo que o arguido BB lhe disse: "Isto é um assalto, está quieto". De imediato, o arguido AA apontou-lhe a pistola que se encontra apreendida nos autos e examinada a fls. 13, tendo-lhe dito: "Está quieto, não te mexas, senão levas um tiro, dá-me as chaves da carrinha". Perante a ameaça da arma que lhe era apontada e temendo pela sua vida, CC, de imediato, entregou as chaves da carrinha aos dois arguidos que, entrando no veículo, de imediato se ausentaram do local, apropriando-se da viatura - no valor de 6.330,00 euros - e do seu conteúdo.

Logo após, aquele deu conhecimento telefónico à sua entidade patronal dos factos de que tinha sido vítima. Uma vez que a carrinha Fiat Scudo possuía um sistema de localização "GPS", de imediato representantes da empresa dela proprietária deram conta à Polícia Judiciária de que a carrinha se encontrava a circular pela cidade de Ermesinde, pelo que os inspectores DD e EE, encontrando-se em serviço na cidade do Porto, se deslocaram para Ermesinde. Quando os referidos inspectores saíam da Auto-Estrada n.º 4, em direcção a Ermesinde, logo na primeira rotunda, depararam-se com os dois arguidos que empurravam a Fiat Scudo que, entretanto, tinha avariado. Os dois inspectores, identificando a carrinha, pararam o veículo em que seguiam, saíram do mesmo e dirigindo-se aos dois arguidos, disseram em voz alta: "Parem, Polícia Judiciária". Face à abordagem policial, os dois arguidos iniciaram uma fuga a pé, tendo sido seguidos pelos dois inspectores. Foi então que, enquanto o arguido BB continuava a correr, o arguido AA pegou na pistola que tinha consigo e, apontando-a na direcção dos dois inspectores, efectuou um disparo. Como não conseguiu, com esse disparo, demover os agentes de continuarem a perseguição, apesar dos apelos destes para ambos os arguidos pararem e para que o arguido AA deitasse a arma ao chão, este, enquanto corria, puxou a culatra atrás, assim colocando uma outra munição na câmara, e levantou-a, pronta a disparar, em direcção ao inspector EE. Motivo e momento por que este (EE), com recurso à arma de serviço que lhe está distribuída e como única forma de proteger a sua vida e a do seu colega, efectuou dois disparos, tendo atingido o arguido AA, que ficou de imediato imobilizado na via pública. Logo após e porque o inspector DD ficou a prestar os primeiros socorros ao ferido, o inspector EE ainda correu atrás do BB, tendo-o detido pouco depois. Os arguidos tinham na sua posse todos os objectos de que pouco antes se tinham apropriado. A pistola que se encontrava na posse do arguido AA foi apreendida, encontra-se examinada nos autos a fls. 13 e trata-se de uma pistola semi-automática, da marca Daewoo, modelo DP-51, com o número de série BA 801215 e com o calibre 9x19 mm (também designado por 9 Parabellum e por 9 mm Luger), apresentando uma munição introduzida na câmara e onze no carregador. Os arguidos, actuando, na subtracção dos bens, em conjugação de esforços e comunhão de vontades, agiram deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei. Quiseram e conseguiram fazer dos supra aludidos objectos coisas de ambos, agindo contra a vontade de CC que, face ao exposto, colocaram na impossibilidade de resistir. Da mesma forma, o arguido AA quis transportar consigo a pistola atrás descrita, bem sabendo que não o podia fazer, por se tratar de arma proibida. O arguido AA quis ainda efectuar os dois disparos de pistola com a intenção de impedir a detenção iminente, apesar de conhecer a qualidade de agentes policiais dos dois inspectores, e só não conseguiu efectuar o segundo disparo devido, única e exclusivamente, à reacção do Inspector EE. Ambos os arguidos foram detidos em 19/07/2005.

O arguido BB foi sujeito a primeiro interrogatório judicial em 21/07/2005 e, desde então, encontra-se preso preventivamente à ordem destes autos.

O arguido AA esteve internado, sob detenção e prisão preventiva, nos hospitais de S. João e de Caxias e regressou ao EP em 3/8/2005, neste dia tendo sido sujeito a primeiro interrogatório judicial, no qual foi mantida a prisão preventiva, situação em que se encontra desde aí.

A carrinha, o dinheiro e demais conteúdo dela, bem como o dinheiro apreendido aos arguidos foram entregues à sociedade "Empresa-A em 29/07/2005. Do CRC de fls. 334-337 relativo ao arguido AA consta que: - por sentença de 12/12/2002, proferida no Proc. Abreviado 431/02, da 2ª. Secção do TPIC Porto, por crime de condução ilegal praticado em 8/4/2002, foi condenado na pena de 190 dias de multa, que cumpriu; - por sentença de 09/01/2003, proferida no Proc. Sumário 4/03, da 2ª. Secção do TPIC Porto, por crime de condução ilegal praticado em 8/1/2003, foi condenado na pena de 170 dias de multa, que cumpriu; - por acórdão de 18/03/2005, transitado em julgado, proferido no Proc. Comum 914/03.6TAVIS, do 1.º Juízo Criminal da Comarca de Viseu, por crime de tráfico de estupefacientes, p. p. art. 25.º, al. a), do DL 15/93, praticado em 15/01/2004, foi condenado na pena de 21 meses de prisão, suspensa por 3 anos [após 9 meses e 25 dias de prisão preventiva].

Do relatório social elaborado pelo IRS consta, além do mais, que o seu processo educativo foi pautado pelas normas e valores da etnia cigana, nunca frequentou qualquer estabelecimento de ensino devido às características nómadas da família, nem tem formação profissional; já estivera preso preventivamente entre 21/05/2004 e 18/03/2005 em Viseu; no estabelecimento prisional tem cumprido as regras; tem visitas regulares da companheira e outros familiares.

Confessou parcialmente os factos. Vive com o pai, tendo falecido a mãe; tem 6 irmãos vivos; nunca andou na escola, não sabe ler nem escrever; ajudava na venda ambulante; declarou em audiência que pedia desculpa e que está muito arrependido. Do CRC do arguido BB de fls. 332 e 333 consta que por sentença de 17/12/2004, proferida no P. Comum 2987/01.7PAVNG, do 4.º Juízo Criminal de Vila Nova de Gaia, por crime de furto qualificado, praticado em 16/11/2001, foi condenado na pena de 8 meses de prisão, suspensa por 2 anos. Do relatório social elaborado pelo IRS consta, além do mais, que é o mais novo de 7 irmãos, é oriundo de família de etnia cigana originária do Alentejo mas instalada em Rio Tinto, só fez o 4º ano de escolaridade, nunca teve actividade profissional certa, apenas ajudando os pais de forma esporádica na venda ambulante; foi objecto de intervenção tutelar por condutas desviantes; vivia com uma companheira; o pai encontra-se na prisão de Paços de Ferreira; vivia do rendimento mínimo; ultimamente auxiliava no serviço de um café em Rio Tinto; tem visitas e apoio da mãe e outros familiares. Confessou totalmente os factos que lhe respeitam. Vivia em casa da mãe (arrendada à Câmara), nunca teve profissão e declarou-se arrependido. Ambos os arguidos tinham 19 anos à data da prática dos factos.

  1. A condenação Com base nestes factos, o tribunal colectivo do 2.º Juízo de Valongo, em 06Jun06, condenou: I) AA (-23Dez86), como co-autor de um crime de roubo (art. 210.1 e 2, e 204.2.

    f do CP), na pena de 5 anos e 6 meses de prisão; como autor de um crime de resistência e coacção sobre funcionário (art. 347.º CP), na pena de 2 anos e 6 meses de prisão; como autor de um crime de detenção de arma proibida (art. 275.1 C. Penal [ (2) ], por referência ao art. 3.1.

    a do DL n.º 207-A/75), pena de 2 anos e 6 meses de prisão, e, em cúmulo jurídico, na pena única de 7 anos e 9 meses de prisão; II) BB (-07Mai86), como co-autor de um crime de roubo (art.s 210.1 e 2 e 204.2.

    f do CP), na pena de 5 anos e 6 meses de prisão: Os factos provados e acima referidos preenchem, de modo pleno e evidente, os pressupostos objectivos (apropriação pelos dois arguidos, e para ambos, de coisa móvel alheia, contra a vontade da dona e sem qualquer razão justa, por meio de violência - ameaça - contra o seu portador e colocando-o na impossibilidade de resistir) e subjectivos (actuação livre, voluntária e intencionada de, por aquele meio, conseguir a apropriação e consciência da ilicitude e punibilidade de tal conduta) da prática, pelos arguidos, como co-autores, de um crime de roubo previsto no art. 210.º, n.ºs 1 e 2, b), em conjugação com o art. 204.º, n.º 2, f), do C. Penal. Com efeito, não só a conduta de cada um - apesar de objectivamente não coincidente com a do outro, sobretudo na parte da posse e uso da pistola - integra actuação em forma de autoria (art. 26.º), como, de modo claro, se patenteia violência ou ameaça e colocação na impossibilidade de resistir típicas e, em suma, a lesão das duas espécies de bens jurídicos fundamentais protegidos pelo crime complexo de roubo: uma relativa ao património e outra às pessoas. Anota-se que, conforme STJ 27/9/95 (CJ, III, III, 197), "São requisitos essenciais para que ocorra comparticipação criminosa, sob a forma de co-autoria, a existência de decisão e execução conjuntas. O acordo pode ser tácito, bastando-se com a consciência/vontade de colaboração dos vários agentes na realização de...

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