Acórdão nº 06P1611 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 20 de Setembro de 2006

Magistrado ResponsávelJOÃO BERNARDO
Data da Resolução20 de Setembro de 2006
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça: I - Pelo Tribunal Colectivo da comarca de Tomar foi a arguida AA, na parte que agora importa, condenada, como autora material de um crime de extorsão agravada, p. e p. pelo art.º 223.º, n.ºs 1 e 3 a), com referência aos art.ºs 204.º, n.º2 al. a) e, bem assim, 202.º, al. b), todos do Código Penal, na pena de: Três anos de prisão.

Tendo tal pena sido suspensa por quatro anos com a condição de proceder ao "pagamento/reparação" à demandante do pedido cível - B...Calçado, Lda - do montante indemnizatório global de 115.077,66 €, deduzidos, contudo, 70,354,05 € apreendidos, e respectivos juros moratórios no prazo de três anos, devendo, no entanto, efectuar o pagamento de um terço do montante excedente a estes de 70.354,05 € no fim de cada um dos primeiros dois anos.

II - Recorreu ela para o Tribunal da Relação de Coimbra que decidiu do seguinte modo: "São termos em que concedendo-se parcial provimento ao recurso, no mais se mantendo o Acórdão recorrido, se altera apenas na parte em que suspendeu a execução da pena de prisão aplicada à recorrente (e cujo prazo se fixa agora em cinco anos), com a condição de (e que aqui também se modifica), dentro do prazo de dois anos e meio a partir do trânsito de tal decisão, comprovar nos autos ter realizado o pagamento à demandante da quantia de € 25.000,00, e de comprovar até ao final daquele prazo inicial o pagamento da demais quantia devida, inclusive juros moratórios arbitrados." III - Ainda inconformada recorre a arguida para este Supremo Tribunal.

Concluiu a motivação do seguinte modo:

  1. Salvo o devido respeito, o recurso interposto pela arguida para o Tribunal da Relação de Coimbra foi, na parte restrita à impugnação da matéria de facto, aparentemente "inútil", não pela improcedência do recurso e manutenção da decisão recorrida mas porque o referido Venerando Tribunal não se debruçou devidamente sobre as questões suscitadas nas motivações de recurso, limitando-se a remeter para a decisão recorrida as questões relativas à matéria de facto que a arguida considerou incorrectamente julgadas.

  2. Assim, porque o Tribunal «a quo» não versou ele próprio sobre as questões relativas à impugnação da matéria de facto suscitadas no recurso da arguida, (violando entre outros, a al. h) do art. 61.° do Cód. Proc. Penal e ainda os direitos fundamentais dos arguidos consagrados constitucionalmente) entendemos que os autos devem ser remetidos para o Tribunal da Relação de Coimbra para que este se pronuncie devidamente sobre a impugnação da matéria de facto, não se limitando a perfilhar a convicção do Tribunal recorrido, citando para tanto e tão-só os argumentos expendidos pelo Tribunal de 1.ª Instância.

  3. Afigura-se-nos que, tendo em consideração o princípio de razoabilidade em matéria de imposição de deveres condicionadores da suspensão da pena plasmado no n.° 2 do artigo 51.° do Cód. Penal (que entendemos ter sido violado), a condição que é imposta para a sua suspensão representa para a arguida uma obrigação cujo cumprimento não é razoável exigir-lhe.

  4. Conforme resulta da matéria fáctica dada como assente (pontos 30 e 31), a arguida encontra-se desempregada, subsistindo apenas com a ajuda de seus pais (o pai servente de pedreiro auferindo cerca de € 573,00 mensais e a mãe reformada auferindo de pensão a quantia de € 252,00). Mais, a arguida é muito jovem, não tem passado criminal, reconheceu-se-lhe alguma imaturidade e irreflexão desde logo plasmada no alegado modus operandi levando facilmente à sua descoberta, tratou-se de um caso isolado na sua vida, a que não terá sido alheio o relacionamento amoroso mantido com BB.

  5. Acresce que, o Acórdão recorrido aquando da fixação das condições da suspensão da pena de prisão aplicada à arguida partiu da premissa errada que o montante apreendido no valor de € 27.433,88 têm como destino o ressarcimento da demandante.

  6. Sucede que, o Tribunal recorrido desconhece se tal montante tem outro destino ou sequer se o mesmo pertence ou não à arguida.

  7. Assim sendo, e até porque dos factos provados não é possível extrair tal conclusão, desconhecendo-se a quem pertencem os mencionados € 27.433,88, a condição de suspensão da pena aplicada à arguida deve partir unicamente dos factos que efectivamente o Tribunal tem conhecimento, como é o caso da arguida estar desempregada e a viver a expensas de seus pais, cujos parcos rendimentos são os referidos no Acórdão. Nada mais! H) Atento o ora exposto, melhor justiça será feita se se suspender a pena de prisão sem se impor à arguida qualquer condição.

  8. Caso assim não se entenda, e sempre sem conceder, deve ser reformulada a condição em moldes que permitam à arguida, com probabilidade séria, cumprir o pagamento à demandante da indemnização arbitrada.

    Termos em que requer a V. Ex.as que, a pena aplicada de três anos, seja suspensa, mas sem subordinação a qualquer condição.

    Caso V. Ex.s assim não entendam, a condição da suspensão da pena de prisão deve ser reformulada em moldes que permitam à arguida razoavelmente cumprir.

    Respondeu o Digno Magistrado do M.ºP.º no Tribunal da Relação, entendendo que existe "manifesta razoabilidade nas condições exigidas para a suspensão da pena, mostrando-se ainda pedagogicamente adequadas ao comportamento e responsabilidade da arguida, atento os valores subjacentes violados." Respondeu também a autora do pedido cível, concluindo "que a sentença está correcta não devendo sofrer alterações e que a arguida tem possibilidades de pagar a quantia em que foi condenada, devendo manter-se a condenação no pedido cível.".

    IV - Ante as conclusões da motivação, as questões que se nos deparam consistem em saber se: O tribunal da relação conheceu em conformidade com o que a lei determina, da impugnação factual levada a cabo no recurso da 1.ª para a 2.ª instância; É de manter a condição da suspensão da pena.

    Poderia, numa primeira análise, ter-se a primeira das questões como de facto e, portanto, estranha aos poderes cognitivos deste tribunal.

    Mas, neste domínio, há que distinguir entre: A fixação factual levada a cabo pelas instâncias, na medida em que se apoiou em convicção ou mesmo presunção natural; A fixação factual na vertente em que para se alcançar se observaram ou não observaram normas jurídicas que tinham que se observar.

    No primeiro caso, estamos em sede factual e, consequentemente, imune à sindicância deste STJ.

    Mas no segundo, não obstante se aludir a fixação factual, estamos perante questões de direito ( Assim, já escreveu este tribunal que " pretendendo o recorrente que o Supremo Tribunal indague … se o tribunal recorrido deu cobertura a um procedimento ilegal na formação da convicção a que chegou, não está a pedir que se aprecie matéria de facto, antes a ilegalidade do processo da sua aquisição - Ac. de 15.1.2004 - CJ STJ, XII, 1, 170 - podendo ver-se no mesmo sentido, em www.dgsi.pt, a fundamentação 7.ª do Ac. também deste tribunal de 15.1.2004 ).

    Sendo matéria de direito, nada obsta ao seu conhecimento pelo STJ.

    V - Das instâncias vem provado o seguinte: 1. A arguida, no período compreendido entre o início de Setembro de 2000 e o dia 10 de Setembro de 2001, foi trabalhadora da sociedade assistente/demandante B...Calçado, Lda., a qual se dedica ao comércio de calçado, exercendo então a arguida funções de empregada de escritório no estabelecimento daquela sociedade sito em Casa Velha, ..., Ourém.

    1. No dia 11 de Setembro de 2001, a arguida, na sequência da instauração de processo disciplinar contra si com suspensão prévia de funções, deixou de trabalhar na sociedade aludida B... Calçado, Lda.

    2. Sendo que o seu contrato de trabalho com tal sociedade cessou em 30 de Outubro de 2001 por despedimento na sequência de tal processo disciplinar.

    3. A arguida manteve um relacionamento amoroso com o sócio gerente da sociedade B...Calçado, Lda., BB, desde data não concretamente apurada, mas anterior à admissão da arguida naquela sociedade, sendo que tal admissão resultou de convite nesse sentido daquele sócio gerente da assistente/demandante.

    4. Tal relacionamento amoroso cessou em data não concretamente apurada, mas anterior a Julho de 2001, por iniciativa daquele BB 6. Na sequência da cessação desse relacionamento amoroso passaram a existir conflitos entre a arguida e aquele BB, conflitos esses que ocorriam, designadamente, nas instalações da dita sociedade B...Calçado, Lda., aquando da prestação laboral da arguida.

    5. Conflitos que se verificaram, designadamente, em...

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