Acórdão nº 06B2468 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Setembro de 2006

Magistrado ResponsávelSALVADOR DA COSTA
Data da Resolução14 de Setembro de 2006
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I "AA" e BB instauraram, no dia 13 de Março de 1997, contra CC, DD e Empresa-A, acção executiva para pagamento de quantia certa, com processo sumário, com base em sentença declarativa de condenação, a fim de haverem deles a quantia de 40 500 000$, juros vencidos no montante de 887 670$ e vincendos à taxa legal.

Foi penhorada na referida execução a fracção E do prédio urbano sito na freguesia de Lordelo do Douro, inscrito na matriz sob o artigo 3509, descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o nº 110/160687.

A Empresa-B reclamou, no dia 10 de Dezembro de 2003, o crédito de € 211 464,26, com base em contrato de mútuo, para investimento na construção de um prédio urbano, com hipoteca sobre ele, no qual se integra a fracção predial penhorada, Admitida liminarmente a reclamação do mencionado direito de crédito e cumprido o disposto no artigo 866.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, os exequentes, no dia 28 de Janeiro de 2004, declararam não o impugnarem e que o seu direito de crédito prevalecia sobre ele com fundamento em direito de retenção.

A Empresa-B impugnou, no dia 20 de Fevereiro de 2004, o crédito exequendo sob o fundamento de simulação da transacção judicial na acção declarativa, de lhe não ser oponível a sentença e na circunstância de aquela não ser forma válida de constituição do direito de retenção.

Os exequentes invocaram a extemporaneidade da impugnação, por não haver sido apresentada aquando da reclamação de créditos, e por virtude de a impugnante não haver cumprido o disposto no artigo 814º, alínea g), do Código de Processo Civil No despacho saneador, proferido no dia 16 de Julho de 2005, por um lado, foi decidida a tempestividade da impugnação e a improcedência desta na parte fundada em pressupostos não previstos no artigo 813º do Código de Processo Civil.

E, por outro, foi declarado naquele despacho não constituir a sentença homologatória da transacção caso julgado em relação à reclamante, não estar, por isso, o crédito exequendo garantido por direito de retenção e que o crédito da reclamante era graduado antes dele.

Apelaram os exequentes, e a Relação, por acórdão proferido no dia 9 de Fevereiro de 2006, alterou a sentença recorrida, graduando o crédito dos recorrentes antes do credito da recorrida.

Interpôs a apelada recurso de revista, formulando, em síntese útil, as seguintes conclusões de alegação: - como o crédito exequendo não está reconhecido por sentença com força de caso julgado em relação à recorrente, pode contestá-lo plenamente pelos fundamentos passíveis de ser invocados no processo de declaração, incluindo a nulidade da transacção; - o acórdão recorrido é nulo porque não se pronunciou sobre essa matéria objecto da impugnação; - a homologação da transacção judicial não produz o efeito considerado pela Relação porque a confissão e a transacção não são idóneas à constituição do direito de retenção, a qual pressupõe a prévia apreciação da situação de facto e de direito por decisão judicial - artigos 1249º do Código Civil e 299º, nº 1, do Código de Processo Civil; - a indisponibilidade legal do objecto implica que o direito de retenção não possa derivar de confissão ou de transacção, sob pena de nulidade - artigos 280º 354º, alínea b) e 1306º do Código Civil e 299º e 490º, nº 2, do Código de Processo Civil; - o direito de retenção só funciona se o retentor for credor de quem pode exigir a entrega da coisa retida, e falha o seu pressuposto consubstanciado na tradição ou ocupação do imóvel, pelo que a transacção não o pode sustentar, donde decorre a sua nulidade - artigo 280º do Código Civil; - a transacção judicial que serve de base à execução é nula e de nenhum efeito por ser contrária à lei e inidóneo o respectivo objecto - artigos 280º do Código Civil e 815º, nº 2, do Código de Processo Civil; - como a sentença exequenda não vincula a recorrente e esta impugnou o crédito exequendo, deve proceder a impugnação, declarar-se a extinção da instância executiva, ou considerar-se aquele crédito como comum, graduando-o em segundo lugar, ou remeter-se o processo à 1ª instância para ser apreciado e julgado.

Responderam os recorridos AA e BB, em síntese de alegação: - os fundamentos que a recorrente utilizou para impugnar os seus direitos de crédito e de garantia real não se reconduzem ao disposto no artigo 813º do Código de Processo Civil; - como a sentença homologatória da transacção não foi objecto de impugnação, designadamente por revisão ou oposição de terceiro, mantém a plenitude da sua eficácia mormente para efeitos da graduação de créditos; - o direito de retenção dos recorridos prevalece sobre o direito de hipoteca da recorrente.

II É a seguinte a factualidade considerada no acórdão recorrido: 1. No dia 29 de Março de 1985, em escritura pública, representantes da Empresa-B, por um lado, e CC e DD, por outro, declararam, a primeira emprestar aos últimos 35 000 000$ para investimento na construção de um prédio, que venciam juros à taxa anual de 31,5%, a amortizar em quatro prestações iguais, a primeira no dia 29 de Setembro de 1987 e as restantes no final dos semestres seguintes, e os últimos constituíam hipoteca sobre o terreno onde se encontrava em construção um prédio urbano sito na Rua de Tânger, nºs 1226, 1228 e 1230, freguesia de Lordelo do Ouro, Concelho do Porto.

  1. A referida hipoteca, até ao montante de 6 947 000 000$, foi registada provisoriamente no dia 22 de Fevereiro de 1985.

  2. Na acção declarativa de condenação que os exequentes intentaram contra CC e DD e Empresa-A, foram formulados os seguintes pedidos: - declaração da nulidade, por simulação, da venda do imóvel em causa efectuada pelo réu CC a Empresa-A; - execução especifica da promessa da venda do mesmo imóvel efectuada pelo réu CC a favor dos autores, com condenação no pagamento do valor necessário para os últimos destratarem junto da Empresa-B a hipoteca constituída sobre o imóvel.

  3. As partes, Empresa-A através do seu representante, declararam, no dia 2 de Dezembro de 1996, na acção mencionada sob 3, transaccionar nos termos seguintes: - os autores reconhecerem o direito de propriedade da ré Empresa-A sobre a fracção E, correspondente ao rés-do-chão e cave, para estabelecimento, com entrada pelos nºs 1222 a 1228, do prédio urbano, constituído em propriedade horizontal, sito na Rua de Tânger, nºs 1222 a 1230, freguesia de Lordelo do Ouro, cidade de Porto, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial do Porto sob o nº 001110, inscrita na matriz sob o artigo 3509-E; - a ré Empresa-A que, ao adquirir a propriedade da referida fracção E aos réus CC e DD, tinha conhecimento da tradição dessa fracção a favor dos autores e que estes peticionariam àqueles o valor dessa fracção à data do incumprimento do contrato-promessa dos autos, e de que tinha a noção de que os autores gozavam sobre essa fracção de direito de retenção em garantia de pagamento do valor a peticionar, e que a adquiria com esse eventual ónus; - os autores e os réus CC e DD acordarem, por incumprimento imputável aos segundos, na resolução do contrato dos autos de 19 de Março de 1990; - os réus CC e DD reconhecerem dever aos autores a quantia de 40 500 000$, e que se comprometiam a pagá-la directamente aos mesmos, no domicílio destes, até 20 de Dezembro de 1996; - os réus CC, DD e Empresa-A reconheceram que os autores gozavam do direito de retenção sobre a referida fracção E, enquanto não lhe fosse integralmente paga aquela quantia de 40 500 000$.

    - os autores continuarem a reter a referida fracção E e que Empresa-A consentia que estes, sobre essa fracção, mantivessem o gozo sem limites, desenvolvendo a exploração de um estabelecimento comercial, através de Empresa-C, sem qualquer retribuição, até ser paga integralmente a referida quantia de 40 500 000$ pelos réus CC e DD; - os autores e os réus comprometerem-se a desistir de todos os demais pleitos pendentes entre eles, com custas a dividir na proporção de metade entre autores e réus.

  4. No dia 2 de Dezembro de 1996, foi proferida a seguinte sentença homologatória: "Na presente acção declarativa sob a forma de processo...

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