Acórdão nº 06P276 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Junho de 2006

Magistrado ResponsávelSILVA FLOR
Data da Resolução14 de Junho de 2006
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça: I. Na ....ª Vara de Competência Mista de Guimarães, foram julgados em processo comum com intervenção do tribunal colectivo AA , BB, CC e DD, tendo sido decidido, além do mais: - Condenar o arguido CC, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo artigo 21º, n.º1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 5 anos de prisão; - Condenar o arguido AA pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo artigo 21.º, n.º1, do Decreto-Lei n.º 15/93, na pena de 5 anos de prisão; - Condenar o arguido DD, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, na pena de 4 anos de prisão; - Condenar o arguido BB, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelos artigos 21.º, n.º1, e 24º, alínea c), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/1, sendo o último preceito na redacção introduzida pela Lei n.º 11/04, na pena de 6 anos de prisão; - Determinar a expulsão do arguido CC do território nacional por um período de 5 anos.

- Declarar perdidos a favor do Estado todas as viaturas (excepção feita ao Mercedes Benz, entretanto já devolvido ao seu comprovado proprietário) e telemóveis utilizados pelos arguidos no cometimento da infracção, todas as quantias monetárias apreendidas nos autos, resultantes da actividade de tráfico, bem como os produtos estupefacientes apreendidos, relativamente aos quais deverá ser cumprido o disposto no artigo 62.º do mesmo decreto-lei.

Inconformados com tal decisão, dela recorreram para o Tribunal da Relação de Guimarães os arguidos BB e DD.

Por acórdão proferido a fls. 1308 e seguintes, a Relação de Guimarães julgou improcedente o recurso do DD e parcialmente procedente o recurso do BB, ordenando que lhe seja entregue a quantia de € 3.490.

De novo inconformados, recorreram para este Supremo Tribunal os mesmos arguidos.

O BB formulou na motivação do recurso as seguintes conclusões: 1. O douto acórdão recorrido não conheceu da matéria respeitante à circunstância modificativa agravante.

  1. O arguido foi condenado pelo crime agravado, por vender grandes quantidades de haxixe e obter avultada compensação remuneratória, esta denunciada pelos movimentos das suas contas bancárias.

  2. A actividade delituosa do arguido está confinada aos meses de Janeiro a Março de 2004 e os seus extractos bancários reportam-se aos anos de 2000, 2001, 2002 e 2003.

  3. Os autos nada referem, em concreto, relativamente à venda de haxixe pelo arguido.

  4. Apenas está provado um "facto" genérico não susceptível de contradita que assim inviabiliza o direito de defesa do Recorrente, constituindo a violação do art. 32 da CRP 6. A decisão foi fundamentada em apreciações genéricas, fazendo apelo a todos os meios de prova, indistintamente, e sem referência ao que considerou decisivo para a formação da convicção.

  5. O douto acórdão recorrido não conheceu da nulidade da sentença da 1ª instância por falta de exame crítico da prova e o vício da decisão por erro notório na apreciação da prova. Arts. 374 e 410 do CPP.

  6. O erro notório da apreciação da prova decorre da própria decisão ao considerar os extractos bancários relativos a uma data anterior aos factos julgados, e, por via deles, determinar as quantidades e os lucros de vendas de haxixe.

  7. O Tribunal recorrido não admitiu a alteração da matéria de facto incorrectamente julgada, apesar de integralmente cumprido o disposto no art. 412 do CPP 10. A declaração de perda do automóvel a favor do Estado ofende o princípio da proporcionalidade.

  8. O douto acórdão violou ou fez errada aplicação das disposições legais citadas pelo que deve ser revogado.

    O arguido DD formulou as seguintes conclusões: A) - O artigo 21° do D. / L. 15 / 93 define o tipo fundamental do crime de tráfico de estupefacientes, pelo qual se punem diversas actividades ilícitas, cada uma delas dotada de virtualidade bastante para integrar o elemento objectivo do crime.

    B ) - Os artigos 25° e 26° do mesmo diploma legal estabelecem os tipos privilegiados de tráfico.

    C ) - O Recorrente tem 52 anos, reformado, é primário, não lhe sendo conhecida, anteriormente, qualquer actividade criminal, nomeadamente quanto ao tráfico de estupefacientes.

    D ) - Encontra-se provado que o Recorrente era consumidor de haxixe, tendo inclusivamente sido apreendida a quantidade de 6,2 gramas de haxixe, aquando da busca domiciliária.

    1. - Não foi provado que o Recorrente tenha vendido directamente haxixe a quem quer que seja.

      F ) - Através do seu papel de, intermediário o ganho, apesar de não referido, obrigatoriamente, seria muito pequeno.

    2. - Indubitável é que, a estarmos perante um crime de tráfico de estupefacientes, sempre se trata de um tipo de tráfico menor H ) - O facto de se tratar de haxixe, qualidade menor face a outro tipo de estupefacientes, por exemplo a heroína ou a cocaína.

    3. - O período de tempo em que, supostamente, se desenvolveu a actividade de tráfico por parte do Recorrente (entre 29 de Janeiro de 2004 e 9 de Fevereiro de 2004 - 11 dias), é claramente diminuto J) - Sendo certo, e relembrando, que apesar das escutas telefónicas, apenas uma vigilância foi feita pela Polícia Judiciária sem que daí resultasse qualquer apreensão.

      L ) - Não se conhecem ao Recorrente quaisquer proveitos provenientes do tráfico de droga M) - O circunstancialismo da participação do Recorrente, o seu nível de participação nos factos e a sua conduta levam à conclusão da existência de um grau de ilicitude e de culpa reduzidos, muito aquém da exigida pelo previsto no artigo 21° do Decreto-Lei n° 15/ 93, o que aliás é manifestamente reconhecido no acórdão da 1ª Instância, quando a dado passo diz " relativamente ao arguido DD, atendendo a que este Arguido se revelou um MERO intermediário das transacções efectuadas entre o Arguido BB e o Arguido AA e que o mesmo actuou como tal durante um curto período de tempo, deve considerar-se reduzida a ilicitude do facto por ele praticado e reduzida também a sua culpa.

    4. - Conforme bem diz o acórdão da 1ª Instância, e em face de prova apurada em Audiência e Julgamento, o Recorrente arranjou ao Arguido BB um novo fornecedor de produtos estupefacientes - o AA.

    5. - Foi o Recorrente que fez os primeiros contactos, é certo. Foi oRecorrente que poucos dias depois os apresentou. A partir daí não mais o Recorrente teve qualquer ligação com aqueles Arguidos.

    6. - Mas nunca o Recorrente vendeu haxixe directamente a qualquer um dos Arguidos ou a qualquer outra pessoa. A verdade é que o papel do Recorrente foi verdadeiramente insípido em toda a actividade de tráfico de droga ocorrida entre os outros Arguidos.

    7. - É do senso comum e da experiência da vida a conclusão de que o Recorrente, na sua qualidade de intermediário, nunca poderia retirar daquele papel enormes proventos, até pelo tipo de estupefaciente transaccionado(haxixe).

    8. - Ora, na conjugação de todos os factos dado como provados, pugnamos pela aplicação ao caso em concreto do disposto no artigo 26° do Decreto-Lei n° 15 / 93 (traficante-consumidor ) S) - Assim não se entendendo, sempre diremos que face à matéria de facto apurada e à prova produzida, a conduta do Recorrente sempre se subsumiria à previsão do artigo 25° e não do artigo 21° do Decreto-Lei n° 15/93.

      O Ministério Público respondeu ao recurso, dizendo em síntese que deve ser rejeitado liminarmente o recurso do arguido BB, quer por extemporaneidade, quer por manifesta improcedência, e negado provimento ao recurso do arguido DD.

      Neste Supremo Tribunal, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta pronunciou-se pela rejeição do recurso do arguido BB, por ser manifestamente improcedente.

      Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, não foi oferecida resposta.

      No exame preliminar considerou-se que os recursos eram tempestivos e não deviam ser rejeitados.

      Colhidos os vistos teve lugar a audiência, cumprindo agora apreciar e decidir.

      1. Foi dada como provada a seguinte matéria de facto: a) Desde data não apurada, mas desde, pelo menos, Janeiro de 2004 até 19.02.2004, o arguido CCi vendeu várias quantidades de haxixe ao arguido BB, que destinava tal produto à venda a outros indivíduos que para esse efeito o procuravam, na área da cidade de Guimarães.

      1. Para tanto, os arguidos BB e CC combinavam por telefone a quantidade de haxixe que o arguido BB pretendia e o local onde posteriormente se encontrariam e o arguido CC faria a entrega.

      2. Nesses contactos os arguidos BB e CC recorriam a outras palavras para se referirem ao haxixe que transaccionavam entre eles, utilizando para esse efeito as palavras "casacos" e "sabonetes" e como quantidades em quilos referem "quatro", "dobro", "dezasseis", "um quilo", "dez quilos", "dois por dia".

      3. Assim, ao longo desse período de tempo, o arguido CC vendeu por diversas vezes ao arguido BB quantidades de haxixe que variavam entre um quilo e dezasseis quilos de cada vez, designadamente: e) No dia 05.01.2004, pelas 15h.58m.57s, o arguido BB utilizando o telemóvel acoplado ao cartão interceptado com o n.° ... ligou para o n.° ..., sendo atendido pelo arguido CC e encomendou a este dezasseis quilos de haxixe, tendo, na sequência de tal encomenda, o arguido CC entregue ao arguido BB, junto a um "redondo", nas Taipas, nesta comarca, o produto encomendado, em quantidade não concretamente apurada; f) No dia 19.02.2004, pelas 14h.22m.35s e 17h.14m.41s, por duas vezes, o arguido BB utilizando o telemóvel acoplado ao cartão interceptado com o n.°... ligou para o n.º ..., sendo atendido pelo arguido CCi e encomendou a este um quilo de haxixe, tendo, na sequência de tal encomenda, o arguido CC entregue ao arguido BB, no mesmo local da entrega anterior, o produto encomendado, em quantidade não concretamente apurada; g) No mesmo dia 19.02.2004, pelas 18h.02m.08s, o arguido BB utilizando o telemóvel acoplado ao cartão interceptado com o n.°...

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