Acórdão nº 06P1560 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Junho de 2006

Magistrado ResponsávelSILVA FLOR
Data da Resolução14 de Junho de 2006
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça: I. Na … Vara de Competência Mista de …, em processo comum com intervenção do tribunal colectivo, com o n.º …, foram condenados os arguidos: - AA, como autor de dois crimes de receptação, previstos e punidos pelo artigo 231.°, n.° 1, do Código Penal, nas penas de 320 dias de multa, à taxa diária de 10 €, e de 400 dias de multa, à taxa diária de 10 €, e, em cúmulo jurídico, na pena única de 580 dias de multa, à taxa diária de 10 €, perfazendo a quantia de 5800 €; - BB, como autor de um crime de abuso de confiança simples, previsto e punido pelo artigo 205.°, n.º 1, do Código Penal, na pena de 6 meses de prisão, de um crime de abuso de confiança qualificado, previsto e punido pelo artigo 205.°, n.os 1 e 4, alínea b), do Código Penal, na pena de dois anos de prisão, de dois crimes de simulação de crime, previstos e punidos pelo artigo 366.°, n.° 1, do Código Penal, em duas penas de 4 meses de prisão, e, em cúmulo jurídico, na pena única de dois anos e oito meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 4 anos.

Inconformados, recorreram para a Relação de Guimarães o Ministério Público e o arguido AA, tendo a Relação decidido, além do mais, em relação ao arguido BB, agravar a pena de prisão em que foi condenado pela autoria de um crime de abuso de confiança qualificado, para 3 anos de prisão, e fixar, em cúmulo jurídico das penas parcelares correspondentes às condenações por dois crimes de simulação de crime, um crime de abuso de confiança simples e um crime de abuso de confiança qualificado, a pena única de 3 anos e 5 meses de prisão, revogando a decisão recorrida na parte em que determinou a suspensão da pena de prisão.

Irresignado, o arguido BB recorreu para este Supremo Tribunal, formulando na motivação do recurso as conclusões que em seguida se transcrevem: 1. O crime de "abuso de confiança" consuma-se com a inversão do título da posse, ou seja, quando o agente passa a dispor da coisa que previamente lhe foi entregue, (por titulo não translativo da propriedade e para lhe dar um certo destino) a "animo domini" 2. Como escreve Maia Gonçalves in Cod. Penal Português anotado e Comentado -16ª Edição 2004 Pg. 689 "...devendo porém entender-se que a inversão do título carece de ser demonstrada por actos objectivos reveladores de que o agente já está a dispor da coisa como se sua fosse ...". No mesmo sentido o a/c do S.T.J. de 12/1/94 proc. 45.894/3° citado a Pg. 692 obra citada "O crime de abuso de confiança consuma-se quando o agente que recebeu a coisa móvel por título não translativo da propriedade para lhe dar determinado destino dela se apropria passando a agir"animo domini". Esta inversão do titulo deve ser demonstrada por actos objectivos reveladores de que o agente já esta a dispor da coisa como se sua fosse" 3. Nem um acto objectivo revelador de que o agente já está a dispor da coisa como se sua fosse se pode inferir da matéria fáctica aprovada.

  1. E independentemente dos aludidos actos materiais objectivos reveladores da inversão do titulo de posse - de todo inexistente - também ao nível da resolução criminosa, do plano de execução nada se provou, acabando a douta sentença recorrida por, salvo o respeito devido, imputar ao arguido BB ora recorrente o desaparecimento de dados bens, mas sem qualquer apoio fáctico, acabando por fazer meras presunções de todo ilegítimas e sem fundamentação ou com fundamentação contraditória, pelo que se entende que em face de clara insuficiência da matéria de facto dada como provada, para a boa decisão da causa se deve revogar a douta sentença recorrida e ordenar-se a repetição do Julgamento ou, se assim se não entender e na dúvida, absolver o arguido ora recorrente.

  2. Ainda que se conclua que a matéria de facto provada permite a condenação do recorrente pela pratica de crimes de abuso de confiança, abuso de confiança qualificado e simulação de crime afigura-se-nos que as operações de escolha e medida da pena, feita no douto acórdão recorrido não merece, salvo o devido respeito, acolhimento.

  3. Dispõe o art. 70 do C.P.P. que "se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição". É este art. do C.P.P. que fornece ao Julgador o critério orientados, quando ao crime são aplicáveis, em alternativa, pena privativa ou pena não privativa da liberdade. Decisivo em tal critério é a preferência largamente conferida à pena não privativa da liberdade, sempre que os fins das penas possam ser atingidos por outra via.

  4. Nesta sede não relevam considerações de culpa, mas apenas considerações de pena não privativa da liberdade, sempre que através dela se possam realizar as finalidades da punição. No caso dos autos, temos que o arguido era delinquente primário, com total ausência de antecedentes criminais, era e é pessoa perfeitamente integrada no meio familiar, de condição humilde. Não foi possível apurar a motivação que o agido teria arguido, até porque não se provou que tivesse recebido quaisquer contrapartidas de carácter patrimonial (vid. factos não provados).

  5. É modesto entendimento do arguido recorrente que relativamente aos crimes de abuso de confiança simples e de simulação de crime se deveria ter optado por uma pena não privativa da liberdade ao abrigo do disposto no art. 70 do C.P.P.

  6. Ainda que assim não se entendesse e se tivesse optado como optou, pela pena privativa da liberdade relativamente a este crime, deveria a mesma ter sido substituída por outra pena não detentiva e que seja legalmente admissível por ex. trabalhos a favor da comunidade. Em conclusão, nunca se devia ter optado pela aplicação de uma pena de prisão de 6 meses e de 4 meses respectivamente quanto aos crimes de abuso de confiança simples e de simulação de crime, mas antes por pena de multa e em todo o caso sempre tal pena de prisão deveria ser substituída por outra não privativa da liberdade 10. O art. 44 n° l do C.P. dispõe que "a pena de prisão aplicada em medida não superior a 6 meses é substituída por pena de multa ou por outra pena não privativa da liberdade aplicável, excepto se a execução da prisão for exigida pela necessidade de prevenir o acontecimento de futuros crimes" 11. Como se assinalou já a matéria de facto provada é exígua em tudo o que se refere à eventual resolução criminosa do arguido ao plano por este eventualmente traçado e mesmo quanto à prática de actos e execução e ainda quanto às motivações deste. Apenas se refere que o arguido integrou os bens em causa no seu património, o que como referido mais do que um facto é uma conclusão. No caso alicerçada em coisa nenhuma.

  7. Mesmo para efeito de ponderação de culpa do agente os factos dados como provados não possam suportar um Juízo fundado muito menos em termos de se concluir por um "Dolo directo e intenso".

  8. Nada é dito sobre os motivos determinantes da eventual conduta criminosa. O arguido é de condição económica modesta, tem uma situação familiar estável vivendo com a companheira e um filha desta, é pessoa bem vista na comunidade onde se insere, e mantém os hábitos de trabalho, sendo presentemente funcionário de uma empresa de distribuição de combustíveis onde goza de óptima reputação sendo pessoa querida quer pelos colegas quer pela própria entidade Patrimonial, conforme declaração por esta emitida e que se protesta juntar.

  9. Entende o arguido recorrente que a pena de três anos de Prisão que lhe foi aplicada pelo crime de abuso de confiança qualificado é manifestamente desproporcionada tendo em conta a culpa do agente e as necessidades de prevenção Geral de integração. Tem-se por adequada, no limite, a pena considerada para este crime pela 1ª instância ou seja 2 (dois) anos de Prisão 15. Que deve ser suspensa na sua Execução ao abrigo do disposto no art. 50 do C.P.

  10. Afigura-se ao arguido recorrente que, no caso, estão preenchidos todos os requisitos previstos no art. 50 do C.P. para que tal suspensão seja decretada como, de resto, o fez a 1ª instância. No caso a aplicação de uma pena de prisão efectiva longe de lograr obter quaisquer efeitos positivos, apenas poderia potenciar efeitos negativos, pois iria destruir de forma drástica o quadro de inserção social e familiar do arguido provocando rupturas com impacto negativo futuro e eventualmente irreversível. Tanto mais que sendo a pena de prisão a mais grave de todas as penas legalmente previstas só deve ser aplicada quando as demais forem inadequada ou insuficientes. A excepcionalidade e subsidiariedade da prisão goza mesmo de dignidade constitucional.

  11. De resto as circunstâncias posteriores ao crime, acabaram por diminuir acentuadamente a ilicitude de facto a culpa do agente e a necessidade da pena, nomeadamente a total inserção do arguido na sociedade, o facto de há 4 anos trabalhar para a mesma empresa, onde goza de óptima reputação e, mesmo depois de conhecida esta situação tal facto não abalou a imagem positiva que o arguido goza junto da entidade patronal e colegas de trabalho. Imagem positiva que se estende ao meio social e de relacionamento onde o arguido se insere.

  12. Terem já decorrido 5 (cinco) anos sobre a pratica do crime, mantendo o arguido a sua conduta atrás referida. De tal forma que ao facto em questão a comunidade onde o qualquer relevância não sendo susceptível de abalar a imagem positiva de que o arguido goza.

  13. Entende o...

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