Acórdão nº 06P671 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 19 de Abril de 2006

Data19 Abril 2006
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1997_01,Supreme Court of Justice (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça No 2º Juízo da Comarca do Fundão, perante o respectivo Tribunal Colectivo, foi o arguido AA, identificado nos autos, condenado, como autor material de um crime de homicídio qualificado, previsto e punível pelos art.ºs 131º e 132º, nºs 1 e 2, alínea i), do Código Penal, na pena de 24 anos de prisão.

Em procedência parcial dos pedidos de indemnização civil contra ele deduzidos, foi, ainda, o arguido, demandado, condenado a pagar às demandantes a quantia global de 137.250 euros.

Inconformado com tal decisão, no que concerne à matéria criminal, dela interpôs recurso o arguido, para o Tribunal da Relação de Coimbra, o qual, concedendo, em parte, provimento ao recurso, reduziu para 22 anos de prisão a pena imposta ao arguido.

Desta última decisão recorreu o arguido para o Supremo Tribunal de Justiça.

Como resulta das conclusões da sua motivação, o recorrente invoca, como fundamentos do recurso, contradição insanável da fundamentação e erro notório na apreciação da prova; insurge-se contra a qualificação jurídico-penal dos factos provados, defendendo que o crime praticado é o de homicídio do art.º 131º do Cód. Penal; pugna por uma atenuação especial da pena, pretendendo que seja reduzida.

Na sua resposta, o Exm.º Procurador-Geral Adjunto, junto da Relação de Coimbra, opina pela improcedência do recurso.

O Exm.º Procurador-Geral Adjunto, junto deste Supremo Tribunal, apôs o seu visto nos autos.

Foram colhidos os vistos legais.

Procedeu-se a julgamento com observância das formalidades legais e, agora, cumpre decidir.

Tudo visto e considerado: Os factos dados como assentes são os seguintes: O arguido era casado com BB desde Fevereiro de 2004, embora vivendo com a mesma desde Maio de 2003, como se marido e mulher fossem.

O arguido resolveu, no dia 12 de Abril de 2004, cerca das 7 horas, esconder-se na arrecadação do restaurante "O ...", sito na Rua ..., nesta cidade e comarca do Fundão, o qual sua mulher se encontrava a explorar e onde permaneceu até às 20 horas, com o intuito de ouvir as conversas de BB com os clientes, a fim de tentar compreender o comportamento da mulher.

Ao fim do dia resolveu confrontá-la com algumas das afirmações que ela proferiu, durante esse período de tempo.

Gerou-se uma discussão entre os dois, tendo a mesma abandonado o estabelecimento, quando ali se encontrava o, entretanto, chegado, fornecedor, CC, dizendo que ia pernoitar a casa de uma amiga.

Fê-lo, receosa que o seu marido a pudesse matar, como tinha acabado de ameaçar fazer e, por isso, resolveu pernoitar em casa da sua amiga DD, onde de resto já também se encontrava sua filha EE.

O arguido telefonou-lhe nessa noite, pedindo-lhe, primeiro que regressasse a casa e depois pedindo-lhe dinheiro. BB não acedeu àquela primeira pretensão, dizendo que ele a queria matar.

O arguido respondeu-lhe que "o que teria que fazer iria ser feito, fosse no dia seguinte ou fosse quando fosse".

A BB, receosa dos desígnios do marido, não saiu da casa da amiga, tendo sido a filha desta, FF que se deslocou à sua residência, onde deixou o dinheiro que o arguido pedira trouxe uma muda de roupa, para aquela.

No dia seguinte, a BB acompanhada de sua filha EE, dirigiu-se ao seu estabelecimento, onde efectuou alguns trabalhos.

Perto das 10 horas, o arguido munido de duas facas, que transportava no interior do bolso do seu casaco, e que havia trazido da sua cozinha, com o propósito de, utilizar as mesmas para tirar a vida à sua mulher, entrou na churrasqueira e sentou-se com ela a uma das mesas, junto do balcão, enquanto a filha estava no lava loiça.

Depois de breve troca de palavras, o arguido retirou as facas do bolso e com elas, veio a atingir a BB.

De imediato a filha EE começou a gritar por socorro, ao mesmo tempo que lhe atirava um cinzeiro, para o impedir de continuar, chegando mesmo a interpor-se entre o arguido e sua mãe.

Enquanto isto, BB tentava a todo o custo libertar-se, sem qualquer possibilidade por o mesmo a segurar com uma das mãos, enquanto a outra, segurando a faca, a golpeava sucessivamente, em diversas partes do corpo, procurando atingi-la no pescoço.

Os gritos de socorro alertaram algumas pessoas, que se abeiraram da churrasqueira, acabando por se afastarem, receosos pelas suas próprias vidas.

A vitima procurava defender-se, o que determinou o arrastamento e queda de algumas mesas e cadeiras do restaurante, acabando mesmo por se esconder debaixo de uma mesa. Apesar da presença de algumas pessoas e da filha da vitima, o arguido não abandonou o propósito de tirar a vida à sua mulher, continuando a desferir sucessivos golpes, o que fez, pelo menos por 11 vezes, procurando o pescoço, o peito e as costas, sob o pulmão.

Provocou, por esta forma, as seguintes lesões: - na cabeça: ferida na região sub-maxilar à direita, com cerca de 10 cm, ferida incisa com cerca de 4 cm, na região mentoniana central e no sentido vertical, ferida inciso penetrante com cerca de 10 cm, na região retro auricular à esquerda e escoriações, no nariz, na região frontal e na região peri orbitária, face externa do olho esquerdo; - no pescoço: ferida inciso penetrante com cerca de 4x8 cm, a nível de 1/3 médio, face esquerda do pescoço e, ferida inciso penetrante na região interior e anterior do pescoço com cerca de 2x3 cm; - no tórax: ferida incisa no quadrante superior externo da mama direita, com cerca de 3 cm, ligeiramente de cima para baixo e de fora para dentro, ferida inciso penetrante com cerca de 15 cm, no sentido horizontal, na região sub axilar esquerda, ferida incisa no quadrante superior interno com cerca de 3 cm, na mama esquerda; ferida na mama esquerda de fora para dentro ligeiramente oblíqua, sem penetrar a caixa torácica e escoriações com cerca de 2 cm de diâmetro, no 1/3 superior, face direita do hemitórax anterior e, ferida incisa, no sentido horizontal, com cerca de 3 cm no 1/3 médio da região dorsal à esquerda; - nos membros superiores: várias feridas na face palmar da mão direita e várias feridas inciso contusas na face palmar e dorsal da mão esquerda e ferida inciso penetrante com cerca de 3 cm, na região dorsal, 1/3 superior do ombro direito e ferida inciso penetrante com cerca de 8 cm na face dorsal, 1/3 superior do ombro esquerdo, que vieram a determinar de forma adequada, a morte da mulher, devido a choque hipovolémico como consequência daquelas e suas complicações hemorrágicas quer internas quer externas.

O arguido acabaria por abandonar o estabelecimento, deixando a mulher no chão, inanimada e banhada em sangue, deixando no local as facas utilizadas.

Uma delas, com o cabo em madeira de tom castanho claro, com a referência "CR ...", com o comprimento total de 23,1 cm, sendo o total da lâmina de 12,1 cm, e o comprimento total da lâmina na zona com gume de 11,8 cm, com largura máxima da lâmina na zona com gume de 2,5 cm e a outra, com o cabo em metal de tom prateado, com lâmina com gume serrilhado, na qual eram visíveis as referências "Jay" e "Inox Spain", com o comprimento total de 22,3 cm, num total de 10,5 cm de lâmina, com o comprimento da lâmina na zona com gume de 8,0 cm e largura máxima da lâmina na zona com gume de 1,9 cm.

O arguido viria a entregar-se a um soldado da GNR em serviço na Avenida da Liberdade, nesta cidade, ao qual relatou o que tinha acabado de fazer.

O arguido agiu com o propósito de tirar a vida à sua mulher, o que resto já havia decidido no dia anterior, utilizando duas facas das quais previamente se muniu para o efeito, o que fez sabendo que o meio por si utilizado era idóneo à produção do resultado pretendido.

O número e a profundidade dos golpes produzidos, as zonas córporeas atingidas, revelam a insistência na consumação e a escolha de um meio traiçoeiro e desleal face à impossibilidade de defesa...

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