Acórdão nº 06P365 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 29 de Março de 2006

Magistrado ResponsávelSOUSA FONTE
Data da Resolução29 de Março de 2006
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça 1.

1.1. No Tribunal Colectivo da … Vara Mista do Tribunal Judicial de …, respondeu, com outros, o arguido AA, filho de BB e de CC, solteiro, nascido em … e residente na Travessa de …, Casa.. , …, …, acusado de ter praticado, em co-autoria material, um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p., pelo artigo 21º do D.L. 15/93, de 22/1, pelo qual veio a ser condenado na pena de 5 anos de prisão.

1.2.

Inconformado, recorreu para o Tribunal da Relação do Porto que, pelo acórdão de 12.10.05, fls. 1523 e segs., rejeitou o recurso por manifesta improcedência.

1.3.

Ainda inconformado, interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, fls. 1444, tendo rematado a respectiva motivação com as seguintes conclusões:«I.

  1. Atenta a prova produzida em audiência de julgamento, data venia, continuamos a defender que não se provou que o arguido AA dedica-se [sic] à venda de doses de canabis por si preparadas aos consumidores que se deslocassem ao Jardim de S. João, em …; que os 197,240 gramas de canabis eram destinadas a venda; que o cofre servia como local de guarda das porções de canabis preparadas; que a faca funcionava como instrumento de corte nas operações de preparação das doses e que ao venderem as doses de haxixe actuaram com o propósito de colocarem no circuito comercial haxixe a fim desse modo alcançarem um ganho económico.

  2. Nesse sentido, na acusação constava que o arguido vendia droga em casa e desde 2001 deixou de vender no jardim; no depoimento em 1º interrogatório o arguido referia-se a um outro processo; nas vigilâncias não é visto o arguido; nenhuma testemunha disse ter comprado droga ao arguido; apenas um policial disse ter visto o recorrente no jardim, mas sem precisar quando e a fazer o quê; no cofre e na faca não foram encontrados quaisquer resíduos de droga; a faca não foi encontrada no quarto do arguido, mas sim no quarto do filho; e, quanto às folhas A4, o arguido explicou reportarem-se a factos pelos quais já havia sido julgado noutro processo, sendo certo que nenhuma prova se produziu contrária a esta.

  3. Surge-nos, assim, que não há prova que permita concluir a verificação dos factos a que nos reportamos e, nessa medida, deveriam ter sido dados como não provados.

  4. Mas, a subsistir dúvida (o que só por mera hipótese se coloca), em abono do princípio "in dubio pro reo", deveria a prova ser valorada em favor do recorrente. Assim, devia-se dar como provado que o produto se destinava ao seu consumo, como ele declara, e não ao tráfico (exceptuando-se se, aqui, a droga cedida, cerca de um grama, ao seu cunhado).

    II 5. O artigo 25.° do Decreto - Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro deve ser aplicado aos casos em que a ilicitude se encontre diminuída (bastando para o efeito que se preencha um destes exemplos padrões, nesse sentido Ac. STJ de 5.12.2001, Proc. 3071101, 3.aSecção) - como é o caso sub judice -, onde se deveria ter considerado: 6. A singeleza dos meios: uma faca e um cofre; a modalidade ou circunstâncias da acção: venda directa a consumidores que aparecessem num jardim (na verdade e estranhamente, ninguém descreveu como se efectuavam tais vendas, a quem, quais as quantidades transaccionadas, quais as datas e horas a que se processavam, frequência dessas vendas, etc. sendo certo que nas vigilâncias que aí se efectuaram nada se viu ou constatou pelos agentes aí destacados); quanto à quantidade destacam-se dois acórdãos do STJ em que foi aplicado o tipo de crime do artigo 25.° em casos de quantidade de droga apreendida superior à do presentes autos (Proc. 2849/2000 de 30 de Novembro e Processo 1188/01, de 18 de Outubro; quanto à qualidade, tratava-se de uma droga leve (haxixe), estando, assim, preenchido o exigido exemplo padrão.

  5. Será também de valorar, designadamente, o facto da droga apreendida não ter entrado no circuito comercial, facto esse corroborado pela circunstância de não ter sido encontrado qualquer dinheiro, não se provando igual e consequentemente um ganho económico. Acresce a circunstância de que este caso ocorreu desde "princípios de 2004" até Abril desse ano. Mais, o facto de se ter encontrado apenas um utensílio destinado à preparação do estupefaciente e essa preparação ser artesanal. E ainda, ficou provado que o arguido era consumidor, tornando-se evidente, à luz das regras da experiência que pelo menos parte do estupefaciente era para consumo próprio.

  6. Estamos perante, o "pequeno tráfico" ou o "pequeno retalhista de rua".

    III.

  7. Quanto à medida da pena, deveria ser valorado outros factos que não apenas "a capacidade de criar um vínculo familiar".

  8. Assim deverão ser ponderados os seguintes factos: o grau de ilicitude, que está situado perto do limite mínimo pressuposto pelo tipo do artigo 21.° do DL 15/93, a intensidade do dolo, o abandono do consumo de drogas, a sua anterior história de toxicodependência, a circunstância da família ser de uma carente condição económica, social e cultural, a sua conduta prisional (frequenta no estabelecimento prisional o 1.° ciclo escolar, recebe visitas da companheira e da sua irmã, cf. acórdão.

  9. Violou-se, assim, o princípio in dubio pro reo, plasmado no artigo 32.°, n.° 2 da Constituição da República Portuguesa, os artigos 21.°, 26.° ou 25.° da Lei n.° 15/93, de 22 de Janeiro e os artigos 71.º e 40.° do Código Penal.

    Nestes termos, deve ser concedido provimento ao recurso e, em consequência, determinar-se a revogação da sentença. Porém, como sempre, farão V. Exas. a melhor JUSTIÇA».

    1.4.

    Respondeu o Senhor Procurador-Geral Adjunto, fls. 1692 e segs., que, considerando não poder o Supremo Tribunal de Justiça intrometer-se no apuramento da matéria de facto, concluiu pela manifesta improcedência das pretensões do Recorrente em ver alterada quer a sua qualificação jurídica quer a medida da pena que, de resto, se lhe afigura isenta de reparo.

    1.5.

    A Senhora Procuradora-Geral Adjunta teve vista no processo e nada requereu ou promoveu.

    1.6.

    No exame preliminar, o Relator nada viu que obstasse ao prosseguimento do recurso para julgamento, em audiência, razão por que, colhidos os vistos legais, foi designada data para a sua realização.

    Tudo visto, cumpre decidir.

  10. Decidindo 2.1.

    É do seguinte teor a decisão sobre a matéria de facto: «Discutida a causa resultaram provados os seguintes factos (…): 1) Pelo menos, desde os princípios de 2004, o casal DD [e] EE dedica-se à venda de...

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