Acórdão nº 03B3714 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 29 de Janeiro de 2004

Magistrado ResponsávelARAÚJO BARROS
Data da Resolução29 de Janeiro de 2004
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: "A" e mulher B intentaram, no 16° Juízo Cível de Lisboa, acção declarativa, com processo ordinário, contra "C - Equipamentos de Segurança Rodoviária, Limitada" e "D Investements Limited", pedindo que: a) seja declarada nula e sem efeito a compra e venda efectuada no dia 25/11/96 entre a 1ª e a 2ª ré mediante escritura celebrada no 2° Cartório Notarial de Lisboa, por ser venda de bem alheio; b) seja ordenado o cancelamento do respectivo registo, aliás averbamento registral, junto da competente Conservatória do Registo Predial; c) as rés sejam condenadas a reconhecer o autor como dono e legítimo proprietário da fracção em causa; d) a 1ª ré seja condenada a devolver o local devoluto de pessoas e bens ao autor; e) a 1ª ré seja condenada a indemnizar os autores por todos os danos por este sofridos resultantes da violação continuada do seu direito de propriedade desde o dia 31/01/95 e até que tal violação cesse, em virtude do não uso, fruição e gozo da referida fracção, bem como em todas as despesas judiciais e extrajudiciais, incluindo os honorários dos seus mandatários legais para efeitos dos presentes autos

Alegou, para o efeito, e em síntese: - que o autor adquiriu à 1ª ré, por compra e venda, mediante escritura celebrada em 13/09/94, uma fracção autónoma que identificou, tendo cedido gratuitamente àquela ré a utilização da referida fracção até ao dia 31/01/95; - que a 1ª ré não lhe entregou a fracção e, no dia 25/11/96, vendeu-a à 2 ré, mediante escritura pública de compra e venda, que se encontra averbada na competente Conservatória do Registo Predial

- que a 1ª ré está a utilizar a fracção desde o dia 31/01/95, sem título válido, impedindo o autor de a usufruir

Contestou a 1ª ré alegando, em resumo, que: - carece de eficácia a aquisição dos autores perante a sociedade adquirente "D, L.da", uma vez que não existiu registo a seu favor, sendo válida e eficaz a aquisição efectuada por esta sociedade; - a escritura de compra e venda efectuada com o autor é nula e de nenhum efeito, pois o que se pretendeu foi que este emprestasse dinheiro à 1ª ré, constituindo aquela escritura uma garantia para o pagamento do empréstimo

A 2ª ré contestou também, sustentando que é a única e verdadeira titular da fracção em causa, já que, não constando da Conservatória do Registo Predial qualquer indicação da existência de uma anterior venda, a compra e venda outorgada com a 1ª ré foi validamente feita, tendo produzido os seus efeitos

Os autores replicaram, concluindo como na petição inicial

Exarado, depois, despacho saneador, seleccionada a matéria de facto relevante considerada assente e a que passou a constituir a base instrutória da causa, procedeu-se a julgamento, após o que foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e, em consequência, absolveu as rés do pedido

Inconformados apelaram os autores, sem êxito embora, porquanto o Tribunal de Lisboa, em acórdão de 11 de Março de 2003, negou provimento ao recurso confirmando a sentença recorrida. Desta decisão interpuseram agora os autores recurso de revista, pretendendo a revogação do acórdão recorrido com a prolação de decisão que respeite os pedidos formulados desde o início

Contra-alegando separadamente, ambas as rés se bateram pela manutenção do julgado

Verificados os pressupostos de validade e de regularidade da instância, colhidos os vistos legais, cumpre decidir

Os recorrentes findaram as respectivas alegações formulando as conclusões seguintes (e é, em princípio, pelo seu teor que se delimitam as questões a apreciar no âmbito do recurso - arts. 690º, nº 1 e 684º, nº 3, do C.Proc.Civil): 1. Quem vende o que não lhe pertence realiza um acto nulo (art° 892° do Código Civil), não adquire um direito, não cria um direito nem transfere um direito que não tem

  1. Não há nenhuma incompatibilidade entre um acto válido e um acto nulo, nem nenhuma prioridade a definir entre um acto válido e um acto nulo

  2. O art° 291° do Código Civil só tem eficácia e aplicação precisamente em casos sujeitos a registo

  3. Ao não entender assim, o acórdão recorrido fez uma errada interpretação, aplicação e determinação das normas aplicáveis, violando o próprio direito constitucional de protecção da propriedade dos autores, ora recorrentes, e o direito de apreciação da (in)validade dos respectivos actos de compra e venda, pelo que violou os artigos 62° da Constituição da República Portuguesa e 408°, n° 1, 897°, n° 1, alínea a), 1317°, alínea a), 892°, 291°, 875° e 879°, alínea a), estes do Código Civil, encontrando-se ainda viciado de nulidade, tanto por omissão como por excesso de pronúncia, nos termos previstos nos artigos 660°, n° 2, 668°, n° 1, alínea d), e 731°, todos do Código de Processo Civil

  4. O contrato de compra e venda celebrado em 13 de Setembro de 1994, por ter respeitado a forma legalmente exigível, é plenamente válido, pelo que com tal acto se operou de imediato, a transferência da propriedade do imóvel para os ora recorrentes, nos termos do art. 875° e alínea a) do art. 879° do Código Civil

  5. O registo não é constitutivo, não é obrigatório, não é condição de validade do acto de transmissão de propriedade, e nem sequer é condição de eficácia nestes casos, pelo que desde 13 de Setembro de 1994, dúvidas não restam de que o autor era o proprietário da fracção

  6. O registo não só não é constitutivo como constitui mera presunção da existência de um direito (art° 7° do Código de Registo Predial), presunção essa que é ilidível (art° 350, n° 2 do Código Civil), por o registo se encontrar submetido à lei, não existir nenhum modo de aquisição do direito de propriedade de prioridade ou de boa fé registral previsto no art. 1316° do Código Civil ou em qualquer outro diploma legal, nem qualquer preceito constitucional que se refira, sequer ao de leve, a um suposto direito de fé registral

  7. O art. 291°, n° 2 do Código Civil afasta a aplicabilidade do art. 5° do Código de Registo Predial no caso concreto

  8. Aplicabilidade essa que sempre estava afastada por força do art. 892° do Código Civil, do art. 13° do Código de Registo Predial e do próprio n° 4 do art° 5 do Código de Registo Predial, pois se o vendedor não tinha legitimidade para vender, nada foi adquirido, a não ser uma "dor de cabeça" - mas nunca um direito

  9. Pelo que o contrato de compra e venda celebrado entre a 1ª e a 2ª rés não pode ser reconhecido como constitutivo de direito de propriedade da 2ª ré, nem como restritivo do direito de propriedade dos autores ora recorrentes, por corresponder a uma venda de bem alheio para a qual a vendedora (1ª ré) carecia de legitimidade, sendo nula nos termos do art. 892° do Código Civil, e por a presente acção de anulação dessa mesma venda ter sido interposta e registada dentro dos três anos posteriores à conclusão do negócio, nos termos do art. 291° do Código Civil

  10. O art. 5° do Código de Registo Predial, ao ser aplicado ao caso dos autos, está ferido de inconstitucionalidade por violar o previsto no art. 62° da Constituição da República...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT