Acórdão nº 046262 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 03 de Maio de 2007
Magistrado Responsável | POLÍBIO HENRIQUES |
Data da Resolução | 03 de Maio de 2007 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo 1.RELATÓRIO A... , ... e ..., com os sinais dos autos, intentaram, na 1ª Secção deste Supremo Tribunal, recurso contencioso de anulação do Despacho de 27.12.1999 do Secretário de Estado Adjunto e Obras Públicas que, alegadamente, aprovou o traçado do Sublanço Aljustrel/Castro Verde da Auto-Estrada do Sul (A2).
Por acórdão de 7 de Março de 2006, proferido a fls. 854-887, a Secção rejeitou o recurso contencioso por irrecorribilidade do acto.
1.1. Inconformados os impugnantes recorrem para o Pleno apresentando alegações com as seguintes conclusões: 1. Entendeu-se no Acórdão recorrido que o despacho objecto dos presentes autos é contenciosamente irrecorrível, por constituir um acto de mero trâmite, preparatório ou instrumental e, como tal, insusceptível de lesar de forma imediata e efectiva os direitos e interesses legalmente protegidos que o recurso contencioso de anulação visa salvaguardar.
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Para sustentar tal decisão alegam os Venerandos Juízes Conselheiros que o acto ora recorrido limitou-se a aprovar as plantas parcelares para se poder dar início ao procedimento expropriativo.
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Porém, ao defender-se tal entendimento, incorreu-se em manifesto erro de julgamento, violando-se o artigo 25º, nº 1 da LPTA interpretado à luz do artigo 268º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa.
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Assim, conforme tem reiteradamente afirmado este Supremo Tribunal Administrativo, com as alterações introduzidas pela Lei Constitucional nº 1/89, ao nível da redacção do artigo 268º da Constituição da República Portuguesa, pretendeu consagrar-se, por via constitucional, a recorribilidade de todos os actos administrativos lesivos dos direitos e interesses legalmente protegidos.
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Daí que não seja pelo simples facto de um determinado acto não corresponder ao "acto final" de um certo procedimento administrativo que, sem mais, se deva recusar a sua recorribilidade contenciosa.
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Com efeito, o recurso contencioso dos actos administrativos é uma garantia constitucional de aplicação directa, já que as normas constitucionais respeitantes às garantias gozam dessa prerrogativa.
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Além disso, tanto os actos de execução, os actos preparatórios, como os actos instrumentais são verdadeiros e próprios actos administrativos e, como tal, podem ser contenciosamente impugnados sempre que os seus efeitos sejam susceptíveis de produzir efeitos lesivos dos direitos dos particulares.
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O acto impugnado nos presentes autos integra um processo continuado e gradual de formação e de manifestação da vontade administrativa, possuindo, em simultâneo, efeitos internos condicionadores e pré-figurativos da decisão final e efeitos externos e lesivos de direitos dos particulares.
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Por outro lado, aquela manifestação de vontade não se manifesta unicamente no momento da decisão final, antes é o resultado de um procedimento, sendo que os diversos estádios desse procedimento que afectem imediatamente os particulares devem poder ser autonomamente impugnados, tal como o respectivo acto final.
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Resulta, assim, claro e evidente que o despacho do Secretário de Estado Adjunto e das Obras Públicas, de 27 de Dezembro de 1999, deve ser considerado como recorrível.
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Ainda que se considere o acto recorrido um acto preparatório, sempre o teremos de reconduzir à categoria de actos preparatórios que condicionam irremediavelmente a decisão final.
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Com efeito, o acto impugnado fixa o sentido vinculativo, ainda que não obrigatório, para a resolução final a tomar quanto à aprovação do traçado em causa, decorrendo daí efeitos jurídicos passíveis de lesar a esfera jurídica de terceiros definindo irreversivelmente o seu sentido.
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Tanto assim é que, o Despacho de 2 de Fevereiro de 2000, também da autoridade recorrida, veio apenas confirmar a definição do traçado efectuada anteriormente pelo Despacho de 27 de Dezembro de 1999, da mesma autoridade, não tendo sido efectuada qualquer alteração posterior ao mesmo.
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Face ao exposto, não restam dúvidas quanto à lesividade de tal acto, na medida em que ao definir uma situação individual e concreta, determina desde logo a ocorrência de graves lesões para os direitos e interesses legalmente protegidos, nomeadamente, os gravíssimos danos ecológicos enunciados no requerimento ou petição inicial de recurso de fls.
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No caso das Recorrentes, enquanto entidades diferentes às quais a lei atribui legitimidade para a tutela de direitos difusos, como é o caso do direito ao ambiente, a lesividade do acto dever ser aferida num momento e perspectiva particulares, pois estas organizações têm necessariamente que actuar de forma preventiva, isto é, antes de concretizada a lesão ambiental, muitas vezes irreversível, sob pena de ser esvaziado o seu direito de impugnar decisões ofensivas do ambiente.
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Se as Recorrentes tivessem optado por impugnar a Declaração de Utilidade Pública, como se defende no Acórdão recorrido, a consequência óbvia seria que ficaria precludido o exercício eficaz das competências que a lei lhes confere na protecção do ambiente. Ou seja, a opção propugnada pelo Acórdão recorrido retiraria todo o efeito útil ao direito das Recorrentes.
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Face às especificidades que assume a protecção dos valores ambientais no âmbito do processo expropriativo, o acto recorrido assume, inexoravelmente, carácter lesivo do direito ao ambiente, cujo dever de protecção a lei confere às ora Recorrentes, pelo que o mesmo acto era susceptível de impugnação contenciosa, nos termos e para os efeitos do artigo 268º, nº 4, da CRP.
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Como tal, deve o Despacho do Secretário de Estado Adjunto e das Obras Públicas, de 27 de Dezembro de 1999, ser considerado como um acto administrativo lesivo dos interesses legalmente protegidos, e, consequentemente, ser considerado contenciosamente recorrível, nos termos e de harmonia com o disposto no artigo 268º, nº 4 da CRP e artigo 25º, nº 1, da LPTA.
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Ainda que se entenda que a lesividade do acto recorrido não determina, só por si, a recorribilidade do mesmo, sempre se teria de entender que o acto recorrido assume as características da definitividade e executoriedade exigidas no artigo 25º da LPTA, nos termos da interpretação que lhe era dada antes da alteração constitucional levada a cabo pela Lei Constitucional nº 1/89.
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Resulta da factualidade assente por provada nos autos que a última palavra da Administração quanto ao traçado definitivo do Sublanço Aljustrel/Castro Verde da Auto - Estrada do Sul foi efectivamente o acto recorrido nos presentes autos, inexistindo qualquer acto posterior daquela autoridade a alterar o traçado em causa.
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É a própria autoridade recorrida a confessar e reconhecer que o traçado, tal como definido nas plantas parcelares e no mapa de expropriações foi aprovado e definido pelo acto recorrido, objecto do despacho do Secretário de Estado de 27 de Dezembro de 1999.
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O acto recorrido nos presentes constitui assim um acto materialmente definitivo, pois representa a última palavra da Administração quanto ao traçado definitivo do Sublanço Aljustrel/Castro Verde, nos termos do disposto no artigo 6º do Decreto-Lei nº 186/90, de 6 de Junho e na Base XXI, nº 6, do Decreto-Lei nº 294/97, de 24 de Outubro.
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Por outro lado, não restam dúvidas que o acto recorrido é também verticalmente definitivo, pois foi praticado pelo Senhor Secretário de Estado Adjunto e das Obras Públicas ao abrigo de competências próprias, pelo que constituía, assim, uma decisão proferida pelo mais elevado órgão da administração pública com competências para o efeito.
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Não houve qualquer acto posterior ao acto recorrido que versasse sobre a questão em causa nos presentes autos, ou seja, a definição do traçado da auto-estrada, pelo que o acto recorrido constitui indubitavelmente um acto administrativo horizontalmente definitivo, na medida em que constitui a decisão da administração tomada no fim de um procedimento administrativo.
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O acto recorrido era ainda manifestamente executório, ou seja, obrigava por si, sendo possível proceder à sua execução coerciva imediata independentemente de sentença judicial.
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O Despacho nº 4594-A/2000, de 2 de Fevereiro, limitou-se a executar, ou seja, a efectivar na ordem jurídica os efeitos do acto recorrido, o que impedia, desde logo, que aquele fosse, como se pretendeu no Acórdão recorrido, o verdadeiro acto recorrível no âmbito do presente processo expropriativo, pois, desde logo, não dispunha de autonomia lesiva que lhe atribuísse tal característica.
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Em conclusão, ainda que se considerasse que a recorribilidade do acto deveria ser aferida em função da sua tripla definitividade e executoriedade - o que se pondera sem conceder -, ainda assim o acto recorrido se revestiria dessas características e, consequentemente, deveria ter sido considerado recorrível.
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Finalmente e conforme consta da Declaração de Voto de Vencido constante do aresto recorrido, o recurso não deveria ter sido rejeitado, ainda que o Douto Tribunal a quo entendesse que o acto lesivo e final seria o Despacho do Secretário de Estádo Adjunto e das Obras Públicas, de 2 de Fevereiro de 2000 e não o Despacho da mesma autoridade de 27 de Dezembro de 1999, ainda assim, deveria ter notificado as ora Recorrentes para apresentar uma petição de recurso corrigida, não devendo ter rejeitado o recurso contencioso interposto por considerar o despacho como irrecorrível.
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É que, à data da prolação do acto recorrido não estava previsto na legislação em vigor qual o acto de aprovação do traçado de uma auto-estrada, o que era causa de grandes dúvidas sobre o acto recorrível, resultando assim da falta de clareza da própria lei.
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Até porque as Recorrentes se viram confrontadas com a publicação do Despacho de 2 de Fevereiro de 2000, onde se lê: "atento o meu despacho de 27 de Dezembro de 1999 que aprovou as plantas parcelares … e o mapa das expropriações relativo ao Sublanço…", donde se conclui ter sido a Administração que conduziu as recorrentes a...
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