Acórdão nº 0412/05 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 29 de Março de 2007

Data29 Março 2007
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1541_01,Supremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, no Pleno da 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo: (Relatório) I. A..., Técnico de Justiça Principal nos serviços do Ministério Público da comarca das ..., intentou neste STA acção administrativa especial em que pede a revogação do acórdão do CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO (CSMP), que, em sede de impugnação hierárquica, confirmou a deliberação do Conselho dos Oficiais de Justiça (COJ) que lhe havia aplicado a pena disciplinar de inactividade pelo período de 1 ano.

Por acórdão da 1ª Subsecção, de 16.02.2006 (fls. 84 e segs.), foi julgada improcedente a acção, sendo a entidade demandada absolvida do pedido.

É dessa decisão que vem interposto para este Pleno o presente recurso jurisdicional, em cuja alegação o recorrente formula as seguintes conclusões: 1. A Administração, no âmbito da relação jurídica de emprego actua como um mero sujeito de direito, titular de direitos e obrigações.

  1. Visando a relação jurídica de emprego público a criação de maior estabilidade na relação de emprego, ela não pode implicar um menor controlo das decisões disciplinares, designadamente, não beneficiar do controlo total que as decisões no âmbito da relação de emprego privado beneficiam dos tribunais comuns.

  2. Não se pode confundir a autoridade disciplinar emanada da relação de emprego público com o poder revestido da prerrogativa de autoridade.

  3. Pode o juiz sobrepor o seu poder de apreciação ao da autoridade investida do poder disciplinar, não se verificando, e quanto a esta matéria, o princípio da insindicabilidade por parte do tribunal do exercício pela Administração de poderes discricionários.

  4. O tribunal a quo, ao não apreciar do mérito da medida, designadamente, quanto à culpa do recorrente e sua graduação, violou o principio constitucional da igualdade e o principio da tutela jurisdicional efectiva, plasmados nos artigos 13° e 20° da Constituição da República Portuguesa.

  5. Igualmente, o Tribunal a quo violou o artigo 3°, n° 1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

  6. A interpretação do art. 3°, n° 1 do CPTA no sentido de que as decisões sobre matéria disciplinar se encontram no âmbito da conveniência ou oportunidade da actuação da administração, estando fora da plena jurisdição dos tribunais administrativos, é inconstitucional por violação dos arts 13° e 20° da Constituição da República Portuguesa.

  7. Estando dado como assente que nos serviços em que o recorrente se integrava se verificava uma situação de grande tensão.

  8. Este quadro de tensão resultou dos factos ocorridos logo após o início das funções por parte do recorrente.

  9. Esse ambiente de tensão originou grande stress no recorrente, o qual tentou por diversas maneiras aliviar a referida tensão.

  10. Em 1982, o recorrente sofreu um acidente de viação.

  11. Em consequência desse acidente de viação, o recorrente sofreu traumatismo craniano grave com coma prolongado, tendo ficado com sequelas neurológicas irreversíveis, designadamente, perda de destreza manual direita com interferência na escrita, disfasia com voz ataxica, síndroma hemicerebeluso direito.

  12. Foi-lhe atribuída uma incapacidade permanente de 64%.

  13. Tem o recorrente grandes dificuldades em lidar com o stress e baixa tolerância a situações frustrantes, as quais, de acordo com relatório psicológico, podem interferir na realização das suas actividades da vida diária.

  14. Todo este quadro clínico pode privar acidentalmente e involuntariamente o recorrente da capacidade para avaliar os efeitos da sua conduta.

  15. Podendo consubstanciar uma circunstância dirimente, ou um elemento de ponderação das circunstâncias da infracção, deverão tais elementos serem objecto de diligências probatórias, o que é permitido atento ao previsto no art. 149°, nºs 1 e 2 do CPTA.

  16. Ainda que se reconheça que alguns elementos foram obtidos já depois da prática dos factos, ou mesmo depois da aplicação da sanção, a verdade é que o tribunal a quo, no respeito do principio da proporcionalidade e da adequabilidade, deveria ter conhecido dos mesmos.

  17. Junta aos autos uma informação dada pela Procuradora da República Coordenadora do Circulo Judicial de ..., Dra. ..., na qual se dizia, entre outras: i) O autor tem tido um desempenho digno; j) O Autor tem consciência da grave carência de meios humanos nos serviços e assumiu por sua iniciativa, acrescendo às suas funções específicas, o processado de todos os processos administrativos, processos especiais e AOP's, que tem orientado com eficácia; k) A sua intervenção juntos dos oficiais de justiça, seus subordinados, tem-se revelado útil e pacificadora, sendo cordial a sua relação com todos os restantes; l) Tem sido um suporte atento e colaborante com a Procuradoria; m) Mantém uma postura educada e urbana; n) A sua permanência em funções é imprescindível para os Serviços do Ministério Publico de ...; o) A sua ausência contribuirá para a rotura dos serviços, tendo em atenção o grande acréscimo de serviço, a insuficiência do quadro de funcionários, e o facto de o quadro existente não estar preenchido; p) É de interesse público a sua manutenção em funções ponderados os interesses acima enunciados.

  18. Deveria aquela informação levar o decisor a um prognóstico de que a presença do recorrente nos serviços em nada prejudicaria o seu normal desempenho, antes pelo contrário, beneficiaria o mesmo.

  19. Da mesma forma deveria o tribunal recorrido conhecer e valorar os factos constantes dos arts 21 a 56 da matéria de facto provada, pois, mesmo considerando não as subsumir à noção de circunstância atenuante especial, deveria conhecer em termos de proporcionalidade e adequação da pena.

  20. Ao assim não fazer, o tribunal a quo violou o princípio constitucional da igualdade e o princípio da tutela jurisdicional efectiva, plasmados nos artigos 13º e 20º da Constituição da República Portuguesa.

  21. Fazendo uma correcta interpretação do art. 3/1 do CPTA deveria o tribunal a quo, ponderando os interesses públicos subjacentes e os critérios estabelecidos no art. 28º do Dec. Lei n° 24/84, de 16/01 e art. 71º do Código Penal, decidir por revogar a pena de inactividade aplicada pela autoridade administrativa, substituindo-a por uma pena não inibitória do exercício de funções.

  22. O tribunal a quo violou assim o art. 18º, 24º e 25º do Dec. Lei n° 24/84, de 16/01.

  23. Ainda que considerasse como adequada a pena de inactividade, e fazendo uma correcta interpretação do art. 3/1 do CPTA, deveria o tribunal a quo, ponderando os interesses públicos subjacentes e os critérios estabelecidos no art. 33º do Dec. Lei n° 24/84, de 16/01, suspender a pena na sua execução.

  24. Ao considerar a declaração do recorrente relativa ao relatório da Inspecção, exercendo o seu direito de se expressar sobre decisões ou sugestões que o tinham como destinatário, como injuriosas e desrespeitosas dos superiores hierárquicos, violou o tribunal a quo, mantendo a decisão disciplinar, os artigos 37º e 59º da Constituição da Republica Portuguesa.

    Termos em que (…) deve ser dado provimento ao recurso e, consequentemente, ser o Acórdão recorrido revogado para todos os efeitos legais … II. Contra-alegou a entidade demandada, nos termos do articulado de fls. 153 e segs., cujo conteúdo se dá por reproduzido, sustentando a improcedência das alegações do recorrente e a consequente confirmação do julgado.

    * (Fundamentação) OS FACTOS O acórdão recorrido considerou assentes, com relevância para a decisão, os seguintes factos: 1- A A..., técnico de justiça principal nos serviços do Ministério Público do Tribunal Judicial de ..., foi instaurado procedimento disciplinar a que foi dado o nº 160-D/02.

    2- O acórdão do COJ deu por assente a seguinte factualidade: «1- O arguido, Lic. A..., é Oficial de Justiça, com vínculo definitivo desde 10 de Fevereiro de 1982, tendo, em 29 de Junho de 2000, sido nomeado Técnico de Justiça Principal, interino, dos Serviços do Ministério Público das ... e, em 9 de Fevereiro de 2001, sido promovido a Técnico de Justiça Principal e colocado nos mesmos Serviços; 2- Em 2/7/2001, 22/11/2001 e 21/12/2001 deu ordens escritas sobre o funcionamento dos Serviços da Delegação da Procuradoria da República de ..., que registou sob os nºs 1/2001, 2/2001 e 3/2001, respectivamente, sem previamente ter dado conhecimento aos Senhores Magistrados do Ministério Público; 3- A respeito da Inspecção do Conselho dos Oficiais de Justiça, levada a efeito no segundo semestre de 2001, escreveu, em 21 de Dezembro de 2001, na ordem de serviço n° 3/2001, a qual fez circular pelos seus subordinados, que dela tiveram conhecimento, o seguinte "(...) Porque as sugestões da Inspecção do COJ, não preencheram as minhas "ingénuas" expectativas, não foi rigorosa, não foi exaustiva e não propôs alterações substanciais à prática, deixando-me tacitamente a incumbência de fazer (...) determina-se a racionalização do serviço, da seguinte forma (... )"; 4- No âmbito das suas atribuições, o arguido atribuiu a si próprio a execução dos autos relativos aos exames médico-legais; 5- No entanto, essa tarefa, quando designada para as 9 horas, raramente era executada pelo arguido, em virtude de não se encontrar presente; 6- Nos dias 23 e 30 de Novembro de 2001; 5, 12 e 19 de Dezembro de 2001 e 6 de Fevereiro de 2002, o arguido não se encontrava à hora designada para a realização da referida diligência; 7 - Como consequência dessas ausências, essa tarefa foi desempenhada pela Técnica de Justiça Auxiliar, ...; 8- Em nenhum dos referidos dias foi apresentada justificação à hierarquia; 9- O arguido, durante as horas de serviço, é visto pelos seus subordinados, com frequência, a "navegar" na Internet; 10- No dia 22-02-02, durante as horas de serviço, solicitou aos funcionários seus subordinados a data de nascimento de cada um para ver o perfil astrológico, por pesquisa na Internet; 11- Após a pesquisa astrológica, no site "Sapo", tentou fazer uma reunião com os funcionários para discutir o citado perfil mas, como estes se recusaram, entregou a...

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