Acórdão nº 0805/03 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 22 de Junho de 2006

Magistrado ResponsávelAZEVEDO MOREIRA
Data da Resolução22 de Junho de 2006
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: A…, recorre para este Tribunal Pleno de um acórdão da Subsecção que, com fundamento em violação do disposto no art. 9º n.° 1 do Decr.-Lei n° 196/89 de 14 de Junho, julgou nulo o despacho do Secretário de Estado das Obras Públicas, datado de 13.01.03, que declarara a utilidade pública, com carácter de urgência, da expropriação de determinadas parcelas de terreno necessárias à construção do Sublanço Salvaterra de Magos/A 10/ Santo Estêvão, autorizando a ora recorrente a tomar posse administrativa das mesmas parcelas.

Na sua alegação, conclui da seguinte forma: "

  1. Na petição inicial dos presentes autos de recurso administrativo, as recorrentes pediram a anulação do acto impugnado invocando factos-fundamento geradores dos vícios de violação da lei, vício de forma e vício de falta de fundamentação; b) Nas alegações finais de recurso, vieram (também) pedir a declaração de nulidade do acto invocando um novo fundamento: a omissão de parecer prévio favorável da Comissão Regional da Reserva Agrícola do Ribatejo e Oeste relativa à utilização não agrícola de solos integrados na RAN, com o que teria sido violado o n.° 1 do art.° 9° do D.L. n.° 196/89 de 14 de Junho; c) O douto Acórdão, ora posto em crise, aceitou (nesta altura do processo) este novo fundamento e apoiando-se nos art°s 34° e 9° n° 1 do mesmo diploma legal (D.L. n° 196/89, de 14 de Junho), declarou nulo o acto impugnado; d) Ao aceitar, na fase processual das alegações finais, um novo vício- fundamento conducente à invalidade do acto e ao declará-lo nulo com base (exclusiva) neste novo fundamento, o douto Acórdão é nulo, por violação dos princípios do contraditório e da proibição do "efeito surpresa" das decisões judiciais.

    Igualmente, e) Nem o Código das expropriações, nem o D.L. 196/89, de 14 de Junho (invocado, este último, para a declaração de nulidade do acto impugnado) prevêem que, para a prolação de um acto administrativo de declaração de utilidade pública de expropriação de imóveis destinados, concretamente, à construção de auto- estradas, haja a necessidade de qualquer licença, concessão, aprovação e/ou autorização administrativa relativa à utilização não agrícola de solos não integrados na RAN; f) Logo, em situações como esta, tais acto (de declaração de utilidade pública das expropriações de imóveis para a construção de auto-estradas) não carecem de parecer prévio favorável das comissões regionais de reserva agrícola; g) Ao declarar nulo o acto impugnado por o mesmo não ter sido precedido de parecer prévio favorável da comissão regional de reserva agrícola do Ribatejo e Oeste, o douto Acórdão é nulo por erro de "petição de princípio", pois deu como provado aquilo que era necessário, primeiramente, provar, ou seja, a obrigatoriedade de licença, concessão aprovação e/ou autorização administrativa quanto à utilização não agrícola de solos integrados na RAN.

    De igual modo e também, h) As recorrentes aceitaram o acto impugnado já que, tendo apresentado recurso da decisão arbitral no Tribunal Judicial de Benavente (proc. n° J019/04.8 TBBNV - 1° Juízo), limitaram-se a discutir o "quantum" indemnizatório resultante da expropriação, nada referindo quanto ao presente processo administrativo.

    i) Consequentemente, a inutilidade superveniente da presente lide é manifesta. E tanto assim é que se a ora recorrente particular, A…, aceitasse pagar, de imediato, o pretendido pelas oras recorridas, o recurso da decisão arbitral terminaria de imediato e, com ele, o processo expropriativo." Contra-alegando, as recorrentes contenciosas pronunciaram-se pelo improvimento do recurso jurisdicional, tendo o Digno Magistrado do M°P° opinado no mesmo sentido.

    Colhidos os vistos legais, importa decidir.

    Nos termos do disposto no art. 713° n° 6 do Código de Processo Civil, dá-se como reproduzida a matéria de facto considerada assente pelo acórdão recorrido.

    Começando pela primeira questão suscitada pela recorrente, a da nulidade do acórdão resultante de "violação dos princípios do contraditório e da proibição do "efeito surpresa" das decisões judiciais" por não lhe ter sido dada oportunidade de se pronunciar sobre a nulidade invocada contra o acto impugnado.

    As recorrentes contenciosas haviam atacado o despacho do Secretário de Estado da Obras Públicas, acima referido, invocando a sua nulidade (violação do disposto no art. 9° n° 1 do Decr.-Lei n° 196/89 , de 14 de Junho) e a sua anulabilidade (por violação do princípio da proporcionalidade, desconformidade com disposições da Directiva 92/43/CEE do Conselho de 21.05, preterição de formalidade essencial e falta de fundamentação).

    O aresto em análise concedeu provimento ao recurso contencioso, declarando a nulidade do despacho, muito embora o respectivo vício apenas tivesse sido invocado nas alegações finais. E justificou o seu conhecimento por uma dupla razão: "Em primeiro lugar, porque vem invocado pelas recorrentes, na sua alegação, o conhecimento superveniente dos factos integradores desse vício, ao referirem (a fls. 658 e na conclusão 12°) que resulta do documento n°4 junto pela contra-interessada A… com a sua contestação que o acto ora recorrido (...) não foi precedido da emissão de um parecer favorável da Comissão Regional da ‘Reserva Agrícola do Ribatejo e Oeste." Em segundo lugar, porque o referido vício é de conhecimento oficioso, por ser gerador de nulidade do acto, a qual é "invocável a todo o tempo por qualquer interessado" podendo igualmente "ser declarada também a todo o tempo, por qualquer órgão administrativo ou por qualquer tribunal" (art. 134° n°s 1 e 2 do CPA." E, apreciando esse vício, o acórdão declarou nulo o acto impugnado por o mesmo ter sido praticado sem que, previamente, tivesse sido obtido parecer favorável da Comissão Regional da Reserva Agrícola do Ribatejo e Oeste e ter entendido que esta formalidade era essencial.

    É este julgamento que a ora recorrente não aceita com fundamento nas razões atrás indicadas (nas conclusões da alegação).

    Vejamos, pois, se houve infracção dos princípios do contraditório e da proibição das "decisões-surpresa".

    Do transcrito excerto do acórdão recorrido resulta claramente que não estamos perante uma decisão desta natureza.

    Na verdade, aí se refere que as recorrentes contenciosas invocaram o mencionado vício nas alegações e conclusões do seu recurso, designadamente na sua conclusão 12ª e que a sua tardia invocação se deveu ao facto de dele terem tomado conhecimento através da junção de um documento feita pela ora recorrente.

    Por consequência, esta, na sua contra-alegação, teve oportunidade plena de discutir tanto a existência como os efeitos desse vício. Não havia, por isso, que notificá-la oferecendo-lhe uma segunda oportunidade de se pronunciar sobre esse ponto.

    Pelo que não se verifica a ilegalidade própria de uma "decisão-surpresa".

    Posto isto, abordemos a segunda questão colocada no presente recurso [als. e), f) e g) das conclusões], que é a de saber se, no caso, era necessário o parecer prévio favorável da Comissão Regional de Reserva Agrícola.

    Argumenta em sentido negativo a recorrente dizendo, em suma, que, nos termos do art. 9º n° 1 do Decr.-Lei n° 196/89 de 14 de Junho, o referido parecer só é exigível nos casos em que é necessária licença, concessão, aprovação e/ou autorização administrativa para a utilização não agrícola de solos integrados na RAN. Não no caso presente em que está em causa um acto expropriativo.

    Esta precisa questão foi já decidida por este Tribunal Pleno no acórdão de 7.02.06 (in proc. n°1815/02) tirado sobre um caso absolutamente idêntico nos aspectos relevantes, cuja doutrina se segue na íntegra.

    Comecemos, porém, com a transcrição dos preceitos legais pertinentes.

    O art. 8° (princípio geral) do citado diploma dispõe o seguinte: "1. Sem prejuízo do disposto nos artigos seguintes, os solos da RAN devem ser exclusivamente afectos à agricultura, sendo proibidas todas as acções que diminuam ou destruam as suas potencialidades agrícolas, designadamente as seguintes:

  2. Obras hidráulicas, vias de comunicação e acessos, construção de edifícios, aterros e escavações: b)… c)… d)… 2.

    Por seu lado, o art.

    9° (utilização dos solos da RAN condicionados pela lei gera) preceitua: "1. Carecem de prévio parecer favorável das comissões regionais da reserva agrícola todas as licenças, concessões, aprovações e autorizações administrativas relativas a utilizações não agrícolas de solos integrados na...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT