Acórdão nº 02054/02 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 22 de Junho de 2006

Magistrado ResponsávelJORGE DE SOUSA
Data da Resolução22 de Junho de 2006
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: 1 - COLÉGIO DE S. JOSÉ - IRMÃS DOMINICANAS PORTUGUESAS recorre para este Pleno do acórdão da 2.ª Subsecção de 11-5-2004, que negou provimento ao recurso contencioso de anulação que interpôs do despacho do Secretário de Estado da Administração Educativa, de 17 de Julho de 2002, que lhe aplicou a sanção de seis salários mínimos nacionais e ordenou a reposição da importância de € 21325,30 nos cofres do Estado e a devolução aos encarregados de educação de € 3167,37.

O Recorrente apresentou alegações com as seguintes conclusões: I. O Dec.-Lei nº 553/80, de 21 de Novembro (Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo) não estava "autorizado" pela Lei nº 9/79 (Lei de Bases do Ensino Particular e Cooperativo) a legislar sobre matéria da instituição de ilícitos contra-ordenacionais e respectivas sanções, pelo que, nessa parte está ferido de inconstitucionalidade orgânica; II. Ainda que assim se não entenda, após a revisão constitucional de 1982, este Dec.-Lei nº 553/80, em especial o seu Artigo 99º, passaram a ficar em situação desconforme à Constituição, quer do ponto de vista material quer orgânico, - inconstitucionalidade superveniente - na medida em que afronta o disposto no nº 5 do Art. 115.º da CRP/82 (hoje nº 6 do Art. 112º da CRP), passando a remeter em branco toda a matéria sancionatória para um acto normativo de natureza regulamentar, operando a deslegalização de uma matéria que, pela sua natureza, é de reserva legislativa.

  1. Por seu lado, a Portaria nº 207/98, publicada já após a revisão constitucional de 1982, constitui um regulamento integrativo de natureza substantiva e procedimental, em clara e directa violação do citado nº 5 do Art. 115º da CRP/82.

  2. Acrescendo ainda que, tal Portaria já não podia sequer "legislar" sobre o regime de punição de infracções disciplinares e respectivo processo, por se tratar de matéria da competência exclusiva da Assembleia da República (Art. 165º, nº 1, d) da CRP): V. Dai que a sanção disciplinar aplicada ao "COLÉGIO DE S. JOSÉ" com fundamento no Dec.-Lei nº 553/80 e Portaria nº 207/98, bem como as consequências financeiras dela decorrentes, estão feridas de violação da lei e de inconstitucionalidade.

  3. Sem prescindir, a verdade é que também o Senhor Secretário de Estado da Administração Educativa aplicou aquela sanção de multa e ordenou a reposição ou restituição de verbas, sem base legal que o habilitasse para tal, invocando uma delegação de poderes insuficientes, o que vicia a decisão recorrida de incompetência; VII. Sempre teria, no entanto, de considerar-se prescrito o direito de instauração do procedimento disciplinar, quando este é desencadeado em 31 de Agosto de 2001 na sequência de um despacho de 29 de Junho de 2001, quando os factos susceptíveis de constituir faltas disciplinares eram já do conhecimento da Senhora Inspectora-Geral de Educação desde 7 de Fevereiro de 2001.

  4. Sendo certo que o prazo de prescrição se inicia com o primeiro conhecimento dos factos e não com qualquer outro momento de ponderação sobre os mesmos.

  5. O douto Acórdão recorrido assenta o seu discurso fundamentador no pressuposto não verdadeiro de que não existiria no presente processo controvérsia acerca da interpretação e aplicação das cláusulas contratuais do Contrato de Associação celebrado em 14 de Maio de 1999.

  6. Bem como pressupõe erradamente que em execução do referido Contrato de Associação teria existido um Orçamento de Despesa, aceite e assumido reciprocamente pelas partes contratantes e que pudesse servir de vínculo contratual; - quando nada disto existiu.

  7. A DREC (Direcção Regional de Educação do Centro) não solicitou ao "COLÉGIO DE S. JOSÉ" a elaboração ou entrega de qualquer Orçamento para o ano lectivo em curso (1998/1999); nem a DREC, por seu lado, lhe apresentou qualquer Orçamento alternativo ou padrão; bem como a DREC também, nem nesse ano lectivo, nem em qualquer momento posterior, solicitou ao "COLÉGIO DE S. JOSÉ" a apresentação de qualquer "conta de gestão" ou similar.

  8. No âmbito ou no clausulado do Contrato de Associação sub judice não existe qualquer obrigação de execução vinculada de um qualquer Orçamento ou de um qualquer elenco de rubricas que contenham cabimentação de despesas.

  9. A verba global atribuída a título de pagamento do preço dos serviços de ensino prestados pelo "COLÉGIO DE S. JOSÉ" destina-se a ser aplicada em despesas incorridas com essa prestação de ensino, dispondo o Colégio de ampla liberdade de gestão dessa verba.

  10. De qualquer forma, tal verba global disponibilizada pelo Estado durante esse ano lectivo de 1998/1999, não preencheu a obrigação contratual assumida pelo Estado de pagar ao Colégio um subsidio por aluno igual ao custo de manutenção e funcionamento por aluno das escolas públicas de nível e grau equivalente, como dispõe o nº 1 do Art. 15º do dec.-lei nº 553/80.

  11. Essa verba global ficou muito aquém do subsídio legalmente fixado, cuja fixação está dependente do cumprimento da Lei pelo Senhor Ministro da Educação.

    XVI.A controvérsia subjacente ao presente processo, que opõe o Ministério da Educação ao "COLÉGIO DE S. JOSÉ", prende-se com a interpretação e aplicação da Lei e do Contrato de Associação, com vista a poder apurar-se se é o Estado que está em dívida perante o Colégio ou se é o Colégio que é credor do Estado.

  12. Perante esta controvérsia sobre a validade, interpretação e aplicação dos termos e cláusulas do Contrato de Associado em referência, não podia o Senhor Secretário de Estado da Administrativa Educativa arvorar-se em Juiz e decidir unilateralmente a obrigação de reposição de verbas, quando tal obrigação há-de ser apurada em acção e sede próprias.

    XVIII.O Ministério da Educação - Secretário de Estado da Administração Educativa - que foi parte co-outorgante deste Contrato de Associação, através da Direcção Regional de Educação do Centro (DREC), não pode, por mero acto administrativo, impor uma pretensa obrigação contratual fazendo prevalecer uma interpretação do Contrato e das suas cláusulas, agindo como juiz em causa própria, em desrespeito pelo objecto do contrato e do seu equilíbrio financeiro.

  13. Só uma decisão judicial, no âmbito de uma acção sobre contrato administrativo, permitirá a cada uma das partes aqui em confronto ver declarado o seu direito ao recebimento da quantia por cada uma delas pretendida.

  14. Em conformidade com o que se escreve no douto Acórdão recorrido, a existência de tal controvérsia acerca da validade, interpretação e aplicação das cláusulas contratuais, impede que a Administração faça uso do disposto no Art. 180º do CPA.

  15. O douto Acórdão recorrido, ao não considerar verificado o vicio de usurpação de poder de que enferma o despacho recorrido, não faz correcta aplicação do despacho nos Art. 178º, 180º e 187º do CPA, pelo que deve ser revogado.

    Termos em que, em face do exposto e do mais que por certo VV. Exas. não deixarão de doutamente suprir, deve conceder-se provimento ao presente recurso, com as consequências legais, com o que uma vez mais este Venerando Tribunal fará JUSTIÇA.

    A Autoridade Recorrida contra-alegou, concluindo da seguinte forma: 1. O Decreto-Lei n.º 553/80, de 21 de Novembro não padece de qualquer inconstitucionalidade material e orgânica, pois a Lei de Bases do Ensino Particular e Cooperativo (Lei n.º 9/79, de 19 de Março), aprovada pela Assembleia da República, autorizava o Governo, no art. 17º, a publicar por decreto-lei, o Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo, de acordo com os princípios definidos naquela Lei.

    1. Pelo que, não existe violação do preceito constitucional - alínea d) do n.º 1 do art. 165º da Constituição da República Portuguesa, pois o regime geral do direito disciplinar que constitui matéria legislativa da competência exclusiva da Assembleia da República, foi por autorização prévia concedida ao Governo (art. 17º da Lei n. ° 9º/79) para legislar por decreto-lei as normas que enformam o Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo, de acordo com os princípios estabelecidos naquela Lei.

    2. Nem tão pouco a Portaria n.º 207/98, de 28 de Março, está ferida reflexamente de inconstitucionalidade material e orgânica, pois limita-se a estabelecer a cominação das sanções disciplinares definidas no Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo, ao abrigo de autorização legal prévia (n.º 4 do art. 99º do Decreto-Lei n.º 553/80).

    3. A limitação de reserva de lei parlamentar sobre o regime geral das infracções disciplinares, surgiu com a revisão constitucional de 1982 (art. 115º n.º 5), pelo que o Dec-Lei 553/80 podia prever sanções, tal como o que fez no citado art. 99º, sem ofensa dos normativos constitucionais à data em vigor.

    4. No que diz respeito à Portaria n.º 207/98, esta limitou-se a regulamentar matéria prevista no Decreto-Lei n.º 553/80, especificando as situações que se enquadram no enunciado das sanções, de acordo com a gravidade e natureza das situações.

    5. O Decreto-Lei n.º 553/80 previu as sanções a aplicar às entidades proprietárias e aos directores pedagógicos das escolas particulares que violassem os deveres consignados naquele diploma, prevendo igualmente as situações a que correspondem cada uma das sanções, ficando apenas para momento posterior a regulamentação das sanções, o que veio a acontecer com a publicação da Portaria n.º 207/98.

    6. Aquela Portaria regulamentou o Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo (Dec-Lei 553/80), não tendo introduzido quaisquer inovações ao Dec.Lei, não exorbitando deste modo o âmbito próprio do regulamento.

    7. Assim, não existe qualquer violação do preceito constitucional, introduzido na revisão da Constituição de 1982 (art. 115º n.º 5), actualmente art. 112º n.º 6, pois não se pode falar em integração de normas no sentido previsto naquele normativo.

    8. O despacho do Secretário de Estado da Administração Educativa que aplicou a pena de Multa e ordenou a reposição nos cofres do Estado, das importâncias indevidamente...

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