Acórdão nº 01155/05 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 24 de Maio de 2006

Data24 Maio 2006
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1541_01,Supremo Tribunal Administrativo (Portugal)

1.1 O DIRECTOR-GERAL DOS REGISTOS E DO NOTARIADO recorre da sentença do Mmº. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa que julgou procedente a impugnação do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa de acto de liquidação de emolumentos registrais formulado por A...S.A., com sede em Lisboa.

Formula as seguintes conclusões: «1ª A sociedade "A..., S.A.

" interpôs, em 10 de Janeiro de 2003, recurso contencioso de anulação do acto de indeferimento do pedido de revisão oficiosa recebido na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa em 14 de Maio de 2002.

  1. Alicerçou o seu pedido na ilegalidade da liquidação de emolumentos, consubstanciada na desconformidade da Tabela de Emolumentos do Registo Comercial, com o disposto no artigo 10.º, alínea e) da Directiva n.° 69/335/CEE, do Conselho, de 17 de Julho, bem como na ilegalidade do indeferimento do pedido de revisão oficiosa.

  2. Os emolumentos objecto do presente litígio, respeitantes ao registo de aumento de capital, foram cobrados pela Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, em 07 de Janeiro de 1999 (Ap. 3), e resultam da aplicação do artigo 1.º, n.° 3 da Tabela de Emolumentos do Registo Comercial, aprovada pela Portaria 996/98, de 25 de Novembro, com a redução prevista no artigo 60.° da Lei 87-B/98, de 31 de Dezembro.

  3. A douta sentença, proferida em 27 de Abril de 2005, considerando a impugnação judicial o meio processual adequado para reagir contra um acto de liquidação ou um acto que comporta a apreciação da legalidade de um acto de liquidação, convolou o recurso contencioso em impugnação judicial e julgou a impugnação procedente por entender que o acto de liquidação viola o direito comunitário.

  4. O Representante da Fazenda Pública, a quem compete a representação da Direcção-Geral dos Registos e do Notariado no processo judicial tributário (arts. 9.°, n.° 4 e 15.°, n.° 1 alínea a) do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 53.º a 55.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais), não foi citado para se pronunciar no âmbito da impugnação judicial em que o recurso contencioso foi convolado. Verifica-se, assim, a existência de uma nulidade processual nos termos dos artigos 194.º, alínea a) e 195.°, n.° 1, alínea a) do Código do Processo Civil.

  5. A anulação judicial de um acto de liquidação de emolumentos com fundamento na sua ilegalidade, para além do prazo previsto na alínea a) do n.° 1 do artigo 102.° do C.P.P.T., depende da verificação dos pressupostos de aplicação do artigo 78.°, n.° 1 da LGT, na parte em que prevê a revisão oficiosa de actos tributários com fundamento em "erro imputável aos serviços".

  6. Para se colocar em causa os actos de liquidação, correm os prazos constantes na alínea a) do n.° 1 do artigo 102.°do C.P.P.T., ou seja, 90 dias contados a partir do termo do prazo para pagamento voluntário dos emolumentos em causa.

  7. Pois, se o que a autora pretende é impugnar o acto de liquidação, então os únicos meios serão a reclamação graciosa ou a impugnação judicial dos actos de liquidação. E tais procedimentos deveriam ter sido desencadeados em tempo útil, tendo em consideração o efeito directo da Directiva em causa.

  8. De facto, de acordo com o artigo 102.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário, a impugnação deveria ter sido apresentada no prazo de 90 dias contados a partir do termo do prazo de pagamento dos emolumentos em causa.

  9. Por seu turno o artigo 70.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário dispõe que "a reclamação graciosa pode ser deduzida com os mesmos fundamentos previstos para a impugnação judicial e será apresentada no prazo fixado no n.° 1 do artigo 102.º".

  10. Ora o prazo de 90 dias previsto no n.° 1 do artigo 102.° do CPPT não ofende o direito comunitário. De facto, o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias por acórdão proferido em 17 de Junho de 2004, no processo C-30/02 (... ... vs Fazenda Pública/Registo Nacional de Pessoas Colectivas), e que se junta como doc. n.2, relativamente às questões prejudicais submetidas pelo Tribunal Tributário de lª Instância de Lisboa, decidiu que: 12.ª "O princípio da efectividade do direito comunitário não se opõe à fixação de um prazo de caducidade de 90 dias para apresentação do pedido de reembolso de um imposto cobrado em violação do direito comunitário, contados a partir do termo do prazo de pagamento voluntário do referido imposto." 13ª Liminarmente, deverá referir-se que o artigo 78.° da Lei Geral Tributária, distingue claramente entre a revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou desencadeada por iniciativa do contribuinte ou por iniciativa da Administração Tributária.

  11. O legislador foi coerente a este respeito: o pedido de revisão dos actos tributários por iniciativa do contribuinte previsto na primeira parte do n.° 1 do artigo 78.° da LGT não é mais do que uma reclamação graciosa (apesar da LGT a denominar como reclamação administrativa), pelo que o seu prazo é coincidente com o desta, bem como os fundamentos: "(...) qualquer ilegalidade".

  12. Em termos de harmonia sistemática, o procedimento encontra-se bem construído. O contribuinte pode alegar qualquer ilegalidade verificada no procedimento no prazo normal de reclamação. Tal é totalmente conforme com o regime de anulabilidade do acto, que impede que a liquidação em causa possa ser impugnada a todo o tempo, mas apenas no prazo previsto no n.° 1 do artigo 102.° do CPPT: 90 dias a contar da data do pagamento das liquidações impugnadas (cfr., por exemplo, Acórdão do STA de 20 de Março de 2002, referente ao processo n.° 026774).

  13. Esse é um corolário do princípio da segurança jurídica, corporizado na estabilidade dos actos de liquidação de tributos, pois, a possibilidade de utilização do regime da revisão oficiosa do acto tributário como meio de impugnação indirecta de actos de liquidação já há muito estabilizados tem como consequência a total supressão dos prazos de impugnação e reclamação para todos os actos da Administração praticados em violação de lei, mormente naqueles casos em que o tributo não tenha sido pago, em que a revisão se pode fazer a todo o tempo.

  14. Por seu lado, de acordo com a segunda parte do n.° 1 do artigo 78.°, a Administração Tributária, pode iniciar um procedimento de revisão oficiosa com fundamento em erro imputável ao serviço.

  15. O procedimento de revisão oficiosa de iniciativa da administração, mesmo entendendo-se que o particular o pode desencadear, não pode englobar juízos de legalidade ou ilegalidade da liquidação, limitando-se a Administração à apreciação e eventual correcção de erros materiais.

  16. De facto, uma análise atenta da natureza jurídica do acto de revisão revela a sua natureza de acto administrativo secundário do tipo rectificativo, enquanto subespécie dos actos modificativos, tendencialmente semelhante ao dispositivo normativo que consta do artigo 148.° do Código do Procedimento Administrativo (CPA) nos termos do qual englobam-se na rectificação dos actos administrativos "os erros de cálculo e os erros materiais na expressão da vontade do órgão administrativo, quando manifestos», os quais «podem ser rectificados, a todo o tempo, pelos órgãos competentes para a revogação do acto".

  17. Qualquer outro entendimento que se possa avançar é desequilibrado em sede de harmonia do sistema e um alargamento dos casos de aplicação do artigo 78.° da LG.T. às situações de erro de direito não só é totalmente contrário ao espírito da lei, como redundaria em total insegurança jurídica. Note-se que o erro de direito não integra - nem poderia integrar - o elenco das causas de rectificação dos actos administrativos previstas no artigo 148.° do CPA e rectius no artigo 78.° da LGT.

  18. Veja-se os termos restritos com que os n.°s 3 e 4 do artigo 78.°, estabelecem a intervenção do dirigente máximo do serviço na revisão da matéria tributável - erro muito manifesto e de correcção muito mais simplificada e justificada, que o erro alegado no caso sub judice. Neste caso, o dirigente máximo pode autorizar no prazo de 3 anos, excepcionalmente a revisão, com fundamento em injustiça grave e notória. Não satisfeito com os termos restritos previstos no n.° 3 o legislador sentiu a necessidade de restringir ainda mais os termos enquadrantes da decisão definindo que " [...] apenas se considera notória, a injustiça ostensiva e inequívoca, e grave, a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade […]".

  19. O mesmo argumento é aplicável tomando em consideração o n.° 5 do artigo 78.°. Nesse número refere-se que "a revisão do acto tributário por motivo de duplicação de colecta (causada por erro material, na esmagadora maioria das situações) pode efectuar-se, seja qual for o fundamento, no prazo de quatro anos".

  20. Assim, e atendendo ao carácter excepcional das referidas situações, não fará sentido qualquer interpretação que advogue uma solução mais atentatória da estabilidade do acto tributário - logo do princípio da segurança jurídica - noutras situações do que nestes casos denominados excepcionais face à injustiça grave e notória manifestamente causada na esfera patrimonial do contribuinte. Tal interpretação, a efectuar-se, seria totalmente desfasada da realidade sistemática do processo tributário.

  21. Qualquer juízo de legalidade efectuado pela Administração Tributária fora dos prazos de reclamação ou impugnação judicial é extemporâneo, logo, insusceptível de ser efectuado.

  22. Defender que o erro de direito está englobado no conceito de "erro imputável aos serviços" previsto na segunda parte do n.° 1 do artigo 78.° da LGT seria atribuir mais poder à Administração Tributária em sede de revisão oficiosa do acto tributário, do que aquele que decorre do regime geral de revogação administrativa regulada no artigo 141.° do CPA nos termos do qual "os actos administrativos que sejam inválidos só podem ser revogados com fundamento na sua invalidade e dentro do prazo do respectivo recurso contencioso ou até à resposta da entidade...

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