Acórdão nº 0946/04 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 04 de Abril de 2006

Magistrado ResponsávelANTÓNIO MADUREIRA
Data da Resolução04 de Abril de 2006
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, na 2.ª Subsecção da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: 1. RELATÓRIO 1. 1. B…, com sede na Avenida …, n.º …, …, Braga, instaurou, no Tribunal Administrativo de Círculo do Porto, acção de condenação, sob a forma ordinária, contra a Junta de Freguesia de Afife e contra … (presidente dessa junta desde 1 994), … (secretário no mandato de 1 993 a 1 997), … (tesoureiro no mandato de 1 993 a 1 997), A… (presidente no mandato de 1 986 a 1 989) e … (presidente no mandato de 1 989 a 1 993), na qual pedia a condenação solidária dos Réus a pagarem-lhe o montante pecuniário recebido pela Junta de Freguesia relativo à ocupação de um terreno alegadamente pertencente à Autora e ocupado por terceiros por conduta ilícita imputada aos Réus - cessão do direito de superfície sobre esses terrenos.

Por sentença de 29/9/03, a acção foi julgada parcialmente procedente, tendo sido os Réus Junta de Freguesia de Afife e A… condenados solidariamente a pagarem à Autora a quantia de 9 668,93 euros.

Com ela se não conformou a Autora nem os Réus condenados, que interpuseram recurso para este Supremo Tribunal.

  1. 2.

    Nas suas alegações, a recorrente/autora formulou as seguintes conclusões: A) - Por um lado, a douta sentença ignorou certos factos provados e certos documentos juntos aos autos, em manifesto erro de julgamento, com violação da disposição do artigo 659.°, n.° 3 do Código de Processo Civil.

    1. - Fundamentou a primeira parte da sua decisão, "(...) pelo simples facto de que não resulta claro da matéria de facto provada que o objecto dessas cedências integrasse a porção de terreno vendido à autora." C) - Ora, desde logo, quanto à cedência a …, a simples compaginação do facto provado 29 com o facto provado n.° 1 mostra que este é o identificado na sua alínea j).

    2. - Ainda, quanto à cedência efectuada à sociedade comercial "…", está junta aos autos certidão da sentença homologatória de transacção celebrada na acção que sob o n.° 163/93 correu termos pelo 3.° Juízo Cível de Viana do Castelo que integra a parcela cedida nos prédios do facto provado n.° 1.

    3. - Depois, no que se refere não só às anteriores cedências, mas também à efectuada a …, porque resulta da leitura conjunta de vários pontos da matéria provada e nomeadamente dos factos 16, 21, 25, 27, 28, 29, 31 e 32 que os terrenos de que a JFA não era proprietária e sobre os quais constituiu direitos de superfície, não são outros que não os descritos no facto provado n.° 1.

    4. - Finalmente, no que se refere ao conjunto das cedências realizadas, porque está junta aos autos certidão da sentença que, com trânsito em julgado e no âmbito da acção que sob o n° 181/94 correu termos pelo 3° Juízo Cível de Viana do Castelo, condenou a própria Ré Junta de Freguesia de Afife e que integrou todas as parcelas cedidas nos prédios do facto provado n.° 1.

    5. - Assim, afigura-se inequívoco à recorrente que face à referida matéria de facto provada e face à indicada prova documental produzida, precisamente pelos fundamentos de direito expostos com inteira precisão e absoluto rigor na douta sentença recorrida, não poderiam os réus-recorridos deixar de ser condenados a restituir à recorrente todas as quantias recebidas dos referidos …, …, …, a título de contrapartida pela constituição dos referidos direitos de superfície.

    6. - Por outro lado, a douta sentença, no que se refere à segunda parte do seu dispositivo, ignorou outros documentos juntos aos autos, em novo erro de julgamento, com violação das disposições dos artigos 659.°, n.° 3 e 661.°, n.° 2 do Código de Processo Civil.

    7. - Pois constam dos autos (através de certidão) guias de receitas relativas a pagamentos da sociedade "C…", que totalizam, ainda em escudos, 5.478.254$50, agora correspondentes a € 25.325,41.

    8. - A douta sentença recorrida ao limitar a condenação dos réus Junta de Freguesia de Afife e A… à quantia de € 9.668,93 ignorou integralmente os referidos documentos constantes dos autos e a prova que deles emerge, a despeito do pedido formulado pela autora na acção.

    k) - Já que devia efectivamente ter condenado os referidos réus no pagamento à autora da quantia € 25.325,41 ou, pelo menos, se entendesse não estarem suficientemente demonstrados os pagamentos realizados pela referida sociedade à JFA, ter relegado para execução de sentença o montante dos danos relativos ao período não concretamente apurado nos autos.

  2. 2.

    A Ré Junta de Freguesia de Afife formulou, nas suas alegações, as seguintes conclusões: 1.ª) - Mesmo atendendo à matéria de facto dada como provada pela douta sentença recorrida, não se encontram preenchidos os cumulativos pressupostos da obrigação de indemnizar a recorrida, resultante do contrato-promessa de direito de superfície entre a recorrente e a C… 2.ª) - Com efeito, continua pendente no Tribunal Judicial de Viana do Castelo, 1.º juízo cível, a acção com processo ordinário sob o n.° 98/1997, onde a recorrida reivindica da C… e da recorrente, a restituição de 8.800 metros quadrados do prédio inscrito na matriz predial de Afife sob o art.° n.º 5, e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.° 77 789.

    1. ) - E nessa acção, como na presente, que se lhe seguiu, começou a recorrida por dizer que tinham sido ocupados 25.000 metros quadrados, quando ... a final, veio depois a reduzir o pedido para 8.800 metros quadrados.

    2. ) - Porém, nem quanto a essa área ocupada, é líquido que se integre no prédio da recorrida, porquanto o Tribunal da Relação de Guimarães, primeiro, e o Supremo Tribunal de Justiça, sancionando depois, ordenaram a repetição do julgamento com base na obscuridade e deficiência de formulação de quesitos e ampliação da matéria de facto.

    3. ) - Precisamente, para melhor apurar se a área ocupada pela C… se encontra ou não no prédio da recorrida.

    4. ) - A própria sentença recorrida é dúbia, ao afirmar ".. .a cedência de 25.000 metros quadrados feita em 1986 à C… ... uma operação de má administração, porque violadora do direito de propriedade que tudo indicava pertencer à autora".

    5. ) - Ora, a própria "autora" - aqui, recorrida, tanto sabia que assim não era que até reduziu a "área ocupada" por duas vezes.

    6. ) - Manifestamente, pois, a douta sentença recorrida não possuía elementos para decidir como decidiu e, na dúvida sobre a realidade de tal facto, deveria ter decidido contra quem o mesmo aproveita, a exemplo do que fez com as cedências de terreno efectuadas pela recorrente à …, a … e a …, por não resultar claro que o objecto dessas cedências integre o prédio vendido à recorrida.

    7. ) - Violou, pois, a sentença em crise, o art.° 516.° do CPC.

    8. ) - Por outro lado, mesmo atentando que a cedência dos 25.000 metros quadrados à C… se encontra na matéria assente, elementos novos e posteriores, uns da iniciativa da própria recorrida, que "revoga" parcial e substancialmente tal facto assente, outros vindo de instâncias superiores, abalaram tal estabilidade processual.

    9. ) - Quer dizer, por outro lado e subsidiariamente, sob esta perspectiva, que, a ser como defende a recorrida, dos 25.000 metros quadrados, apenas 8.800 metros quadrados poderão incluir-se no prédio da recorrida, com pertinentes e objectivas consequências: só terá direito à devolução proporcional das rendas percepcionadas pela recorrente.

    10. ) - Tudo isto converge na manifesta falta de um dos fundamentais e cumulativos requisitos da obrigação de indemnizar: a ilicitude.

    11. ) - Sem ilicitude é manifesto que inexiste o dever de indemnizar.

  3. 4.

    O recorrente A… formulou, nas suas alegações, as seguintes conclusões: 1.ª) - O recorrente, ao tempo, fez todas as diligências usuais com vista à celebração lícita e correcta do contrato em causa. Na verdade, 2.ª) - Das buscas realizadas na Repartição de Finanças, o imóvel objecto do contrato encontrava-se inscrito na matriz em nome da Junta de Freguesia de Afife, o contrato foi viabilizado e elaborado por advogado e obteve aprovação do restante executivo e da própria Assembleia de Freguesia. Por outro lado, 3.ª) - O recorrente ignorava que o imóvel estivesse inscrito ou descrito na Conservatória do Registo Predial em nome da recorrida. Sendo que, 4.ª) - Ao tempo, a maioria dos imóveis rústicos, nas freguesias rurais, se encontravam omissos na Conservatória do Registo Predial e não era usual fazer buscas nesta Repartição Pública com vista à determinação dos respectivos proprietários. Pelo que, 5.ª) - A não realização desta diligência, ao tempo, é perfeitamente compreensível à luz de um cidadão normal e sem qualquer preparação ou formação jurídica. Até porque, 6.ª) - Então, as instituições públicas mereciam inteira fé pública, e o que constava da matriz na Repartição de Finanças relativamente a um imóvel consubstanciava uma informação credível e aceite como genuína pela maioria dos cidadãos portugueses. Sendo certo que, 7.ª) - Na altura, o registo obrigatório dos imóveis dava os primeiros passos, pois que a sua entrada em vigor se tinha verificado dezoito meses antes, através do Dec. Lei 224/84 de 6 de Julho. Ademais, 8.ª) - O negócio em causa foi aceite como um bom acto de gestão pelo executivo da Junta de Freguesia de Afife de então e pelos executivos posteriores até ao presente momento. Além de que, 9.ª) - A postura do recorrente na audiência de julgamento, realçada na fundamentação das respostas dadas aos quesitos, deixa claro o seu carácter de isenção e honradez. Pelo exposto, 10.ª) - O entendimento sufragado na douta decisão recorrida colide, desde logo, com a postura de dignidade e seriedade que o recorrente sempre manteve ao longo da vida, enquanto cidadão e ainda com o que era exigível há cerca de 20 anos a um presidente de Junta de uma Freguesia rural. Sendo certo que, 11.ª) - Todos os executivos posteriores sancionaram o seu procedimento e nenhum facto se encontra demonstrado nos autos que permita concluir que ele tenha excedido com negligência os limites das suas funções. Tanto mais que, 12.ª) - Na altura, a confiança na...

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