Acórdão nº 01197/05 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 16 de Março de 2006

Magistrado ResponsávelRUI BOTELHO
Data da Resolução16 de Março de 2006
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I Relatório ..., com melhor identificação nos autos, vem recorrer, ao abrigo do disposto no art.º 150º do CPTA, do acórdão do Tribunal Central Administrativo, Norte (TCA), de 6.10.05, que lhe não admitiu o recurso interposto da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra (fls. 545) que deferiu o pedido de suspensão de eficácia, requerido por "A..., Ld.ª", do despacho do Presidente da Câmara da Lousã, de 3.2.05, que revogou a licença de utilização n.º 167/2003 e ordenou a entrega do respectivo alvará, e o encerramento do estabelecimento industrial respectivo, destinado a bar e discoteca, sito na Lousã.

Terminou a sua alegação formulando as seguintes conclusões: (1)O que importa e deve ser apreciado neste recurso jurisdicional é, exclusivamente, a aplicabilidade ou não do artigo 680.º, n.º2 do CPC ao contencioso administrativo, ou seja, a questão que urge esclarecer definitivamente concretiza-se no seguinte: (2)Tem ou não legitimidade para recorrer qualquer pessoa que alegue ser directa e efectivamente prejudicada por uma decisão jurisdicional e interpor recurso da mesma, ainda que não seja parte na causa? (3)A legitimidade conferida a qualquer pessoa que alegue ser directa e efectivamente prejudicada por uma decisão jurisdicional para interpor recurso da mesma, é uma longa tradição da nossa lei processual civil e que foi acolhida pela lei processual administrativa.

(4)Com efeito, pretendeu o legislador salvaguardar um conjunto de situações em que um terceiro, não definido pelo autor como pessoa directamente prejudicada na relação jurídica material controvertida, pudesse intervir na lide em momento oportuno e mediante os recursos ordinários que a lei coloca ao seu dispor.

(5)Isto porque, como melhor concluiremos, não conferir legitimidade a uma pessoa que sofra um prejuízo directo e efectivo com a decisão jurisdicional encerra uma violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva, pois não tem oportunidade de esgrimir em juízo a sua posição jurídica sobre uma pretensão que o virá a afectar na sua esfera pessoal.

(6)Por outro lado, não partilhamos a solução encontrada por estes autores para defenderem que nestas situações o legislador garantiu a intervenção destas pessoas no processo mediante a legitimidade para interporem um recurso extraordinário de revisão.

(7)Com efeito, uma vez que o legislador não deixou quaisquer dúvidas de que os fundamentos que permitem a revisão da decisão jurisdicional são os que constam da lei processual civil, previstos no artigo 771.º do CPC, ressalta a evidência de que esta solução constitui uma restrição ostensiva da possibilidade de uma parte processual esgrimir a sua posição jurídica no processo jurisdicional, (8)Na medida em que o contra-interessado pode pretender defender a sua posição jurídica sem o recurso, como normalmente não estará em causa, a nenhuma das excepcionais situações prevista na lei processual, mas apenas alegando factos concretos e essenciais para contrariar a posição do Autor - no caso concreto o recorrente pretendia apenas que os seus prejuízos com a suspensão do acto administrativo fossem tomados em linha de conta, algo que não permitiria a interposição de um recurso de revisão.

(9)Ou seja, como no caso concreto o recorrente não poderia interpor um recurso de revisão - na medida em que nenhum dos fundamentos que pretende apresentar em juízo para defender a sua posição jurídica possibilitam a mobilização deste recurso extraordinário - logo teremos de concluir que inexiste meio processual que permita ver os seus interesses discutidos na lide, o que equivale a dizer que estaria comprovada a violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva.

(10)Salvo o devido respeito, discordamos deste entendimento porque o artigo 680.º, n.º 2 não se aplica apenas às pessoas que não sejam formalmente partes do processo, mas ainda às pessoas que não são formalmente partes do processo e que devido a uma errónea configuração da relação jurídica controvertida material devessem estar presentes na lide.

(11)Isto é bem explícito pelo próprio teor literal da lei quando refere "ainda que não sejam partes", ou seja, podemos mobilizar este normativo relativamente às pessoas que não sejam partes ou que o devessem ser o não foram chamadas à lide - a sufragar este entendimento, por obediência do princípio da cooperação, juntamos uma recentíssima decisão deste Colendo Tribunal neste sentido.

(12)Pelo exposto, pensamos que o legislador não previu expressamente a possibilidade contida no artigo 680.º do CPC não porque pretendeu excluir o recurso jurisdicional nestas situações, mas sim porque pretendeu que fosse aplicada subsidiariamente a lei processual civil.

Termos em que, deve o presente recurso de revista ser admitido, sendo decidido que a melhor aplicação do direito ao caso concreto é aplicar subsidiariamente o artigo 680.º do CPC ao contencioso administrativo, permitindo, assim, que o recorrente possa discutir a questão de mérito relativa à existência ou não de prejuízos directos e efectivos provocados pela suspensão de eficácia do acto administrativo em causa.

A recorrida concluiu, assim, as suas contra-alegações: I- O pretendido pelo recorrente é apurar, em sede de recurso, da aplicabilidade subsidiária do artigo 680°, n° 2, do CPC ao contencioso administrativo.

II- O tribunal a quo pronunciou-se no sentido de que: Na economia do artigo 680° do CPC, o n° 1 refere-se às "partes" e o n° 2 fica reservado às pessoas que não são partes ou que têm o estatuto de meras "partes acessórias": Ora, os contra-interessados em contencioso administrativo intervêm no processo na qualidade de partes, em litisconsórcio necessário passivo (artigo 10°/1 CPTA) e, por isso, estranho seria aplicar-se-lhes um figurino reservado a quem não desfruta da qualidade de parte. Eventualmente, a aplicabilidade do n° 2 do artigo 680° CPC poderia valer em contencioso administrativo mas apenas relativamente às pessoas prejudicadas pela decisão que nunca poderiam ter a condição de partes, nos mesmos moldes do processo civil. Esta distinção é muito importante, porque é às partes que cabe estruturar a instância, formulando as pretensões e alegando os factos que hão-de ser objecto de julgamento (artigo 264° CPC) e, deste modo, faria sentido designar como parte alguém cuja intervenção se processa apenas em sede de recurso jurisdicional. O próprio Recorrente sentiu esta dificuldade, como decorre das suas alegações, segundo as quais "a decisão do Tribunal a quo impediu que o ora Recorrente jurisdicional pudesse intervir no processo de forma a serem cotejados os seus interesses privados, nomeadamente, aqueles que se prendem com a prova do efectivo prejuízo económico que a decisão impugnada lhe causará", ou, "a manter-se a decisão recorrida não poderá ver ponderados factos que lhe caberia carrear para o processo e que se mostram essenciais para uma correcta decisão nos presentes autos". Na verdade, tais aspirações só seriam realizáveis se o processo pudesse reverter à 1.ª instância para aí se reatarem as fases dos articulados, instrução e julgamento, mas agora com a participação do Recorrente, solução que se afigura inviável em face da já focada vocação do artigo 680°/2 do CPC para abranger as pessoas prejudicadas pela decisão mas destituídas do estatuto de parte. Por outro lado, o contencioso administrativo é generoso, senão mesmo magnânimo, em termos de concretização da garantia da tutela jurisdicional efectiva, colocando ao dispor dos interessados um amplo leque de meios principais ou acessórios típicos - cfr. v.g. o ilimitado objecto da acção administrativa comum prevista no artigo 37° CPTA - o que, de certo modo, desautoriza excesso de "criatividade" no sentido de transpor os limites dos meios excepcionais existentes. Deste modo, o Recorrente carece de legitimidade para a interposição deste recurso uma vez que não é parte vencida (artigo 141°/ 1 CPTA) nem é aplicável no caso o n° 2 do artigo 680° CPC.

III- No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Dezembro de 1993, in BMJ, n° 432, pág 298, consigna-se que: (. ..) pelo artigo 680° do Código de Processo Civil o direito de recorrer é atribuído apenas, em principio, a quem for «parte principal na causa» (n° 1) mas, a titulo excepcional é reconhecido também às «pessoas directa e efectivamente prejudicadas pela decisão .., ainda que não sejam partes na causa ou sejam apenas partes acessórias).» No Código de 1939 aludia-se a «pessoas directamente prejudicadas. ..», e a nova formula legal foi justificada pelo legislador, no projecto do Código de 1961, com o fundamento «de que não basta um prejuízo directo», dado haver «casos em que o prejuízo proveniente da decisão, embora seja directo (no sentido de que não é simplesmente mediato ou reflexo) é, todavia, eventual longínquo, incerto, apenas provável ou possível», o...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT