Acórdão nº 047392 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 02 de Março de 2006

Magistrado ResponsávelFREITAS CARVALHO
Data da Resolução02 de Março de 2006
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência no Pleno da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo.

A…, identificado nos autos, recorre, para o Pleno desta Secção, do acórdão da Subsecção de 2-12-2004, que negou parcial provimento ao recurso contencioso que interpusera do despacho conjunto do Ministro da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas e do Secretário de Estado do Tesouro e das Finanças, assinado em 14-09-2000 e 17-10-2000, respectivamente, relativo à fixação da indemnização decorrente da aplicação das leis da Reforma Agrária.

Do mesmo acórdão interpôs recurso o Ministro da Agricultura do Desenvolvimento Rural e Pescas, na parte em que foi concedido provimento ao recurso.

  1. O primeiro recorrente formula as seguintes conclusões: 1 - A cortiça extraída entre 1976 e 1983, é um fruto pendente, respectivamente com 8/9, 7/9, 6/9, 5/9, 4/9, 3/9, 2/9 e 1/9 do ciclo de criação, à data da expropriação dos prédios.

2 - A qualificação da cortiça como fruto pendente para efeitos de indemnização da Reforma Agrária, está prevista no art. 9° e 10º do D.L. 2/79 de 09/01, tendo em conta a periodicidade do corte (9 anos) e o número de anos de criação.

3 - A cortiça tem um período frutífero de 9 anos de criação podendo ser extraída com a idade de 9 anos, excepcionalmente com 7 ou 8 anos ou em qualquer ano, no caso de as árvores terem sido afectadas por incêndio, art. 9° do D.L. 11/97 14/01.

4 - O momento da separação da cortiça nada tem a ver com a sua qualificação como fruto pendente, sendo apenas relevante para efeitos da venda de frutos antes da colheita, transferência do direito de propriedade e posse. arts. 203°, 204°, 205° e 208° do C.C.

5 - Só para os eucaliptos assume relevância a sua autonomia (corte), para efeitos da sua qualificação de fruto pendente, uma vez que os eucaliptos foram expressamente excluídos das indemnizações da Reforma Agrária como frutos pendentes, art. 10º n° 4 do Di. 2/79 e art. 42° da Lei 77/77 de 29/09.

6 - O direito à indemnização pelos frutos pendentes à data da expropriação está previsto no art. 1 n° 3 da Lei 80/77 de 26/10.

7 - A cortiça extraída entre 1976 e 1983 cujo valor foi arrecadado pelo Estado, integra o conceito de fruto pendente para efeitos de indemnização, arts. 212° a 215° do C.C., art. 9, n° 1 nº 3, 4 e 5 e art. 10º nº 1 do Decreto-Lei 2/79 de 09/01, Parecer da Procuradoria Geral da República n° 135/83, publicado no DR II Série de 10/01/84, homologado por despacho do Senhor Secretário de Estado de 22/08/83.

8 - A cortiça, considerada como fruto pendente faz parte do capital de exploração, art 1, n° 2 da Lei 2/79 de 09/01, e é indemnizada por valores de 94/95, art. 3 c) da Portaria 197-A/95 de 17/03.

9 - O recorrente em sede de indemnizações provisórias, teria sempre direito a ser indemnizado pelos novénios da criação da cortiça e por valores de substituição à data do pagamento, art. 9 e 13 n° 1 do D.L. 2/79.

10 - Como os prédios foram considerados como não expropriados e foram devolvidos aos recorrentes, este tem o direito a receber a totalidade da cortiça extraída entre 1976 e 1983 como fruto pendente e por valores de 94/95, art. 3 c) da Portaria 197-A/95 de 17/03.

11 - O acórdão recorrido ao não considerar a cortiça extraída entre 1976 e 1983 como fruto pendente, e em criação à data da expropriação do prédio, violou o art. 1 n° 3 da Lei 80/77, os arts. 1 n° 2, 9 n° 1 3, 4 e 5 e 10º n° 1 do Decreto-Lei 2/79 de 09/01, o art. 3 c) da Portaria 197-A/95 de 17/03 e os arts. 212 a 215 do Código Civil.

12 - A Lei 80/77 de 26/10 não se aplica às indemnizações pela privação do uso e fruição de bens expropriados ou nacionalizados no âmbito da Reforma Agrária.

13 - A indemnização pela privação do uso e fruição, a que se referem os autos surge pela primeira vez com a publicação do Dec.Lei 199/88 de 31/05.

14 - A Lei 80/77 não regulou de forma exaustiva e absoluta todas as indemnizações da Reforma Agrária, nomeadamente a indemnização pela privação do uso e fruição, uma vez que vigorava ao tempo o princípio da irreversibilidade das nacionalizações e expropriações no âmbito da Reforma Agrária.

15 - A Lei 80/77 não define directamente as formas de pagamento das indemnizações, mas tão só as condições de emissão dos títulos da dívida pública que seriam utilizados até certo limite no pagamento das indemnizações.

16 - Actualmente as indemnizações da Reforma Agrária já não são pagas em títulos da divida pública mas em dinheiro.

17 - O Dec.-Lei 199/88 e a Portaria 197-A/95 de 17/03, que fixam a actualização dos demais componentes indemnizatórios para valores de 94/95, não contêm nenhuma disposição legal que contemple a actualização dos produtos florestais.

18 - Existe assim uma lacuna na lei que deveria ser preenchida pelo recurso ao Código das Expropriações, art. 1 n°2 do Dec.-Lei 199/88.

19 - O acórdão recorrido ao decidir que não há lacuna de regulação do Dec.-Lei 199/88 de 31/05, ao não proceder à actualização da cortiça, por erro de interpretação da Lei violou o disposto no art. 1 n° 1 e n° 2 e art. 7 do Decreto-Lei 199/88 de 31/05 e art. 3 c) da Portaria 197-A/95 de 17/03, art. 24 do C. das Expropriações, Dec.-Lei 168/99 de 18/09.

20 - O valor da cortiça arrecadado pelo Estado em 1976 acrescido de juros à taxa de 2,5% ao ano comparado com o valor que lhe corresponde pelos índices de desvalorização da moeda da Portaria 552/02, representa agora 20,25 vezes menos.

21- Os valores fixados para as cortiças foram deflacionados à taxa de 2,5% ao ano para 75 para adequar o processamento do pagamento da indemnização com títulos do tesouro de harmonia com o art. 21 da Lei 80/77 de 26/10.

22 - O acréscimo aos valores da cortiça fixados pelas datas de extracção dos juros à taxa de 2,5% ao ano previstos nos arts. 19 e 24 da Lei 80/77 desde 75 até ao pagamento conduziu no caso concreto à atribuição de uma indemnização desadequada e irrisória tendo em conta a desvalorização acentuada da moeda que se verificou desde 1976 a 2001.

23 - O acréscimo dos juros à taxa de 2,5% ao ano previstos nos arts. 19 e 24 da Lei 80/77, não satisfaz a justa ou correspondente indemnização, face à inflação e desvalorização da moeda que ocorreu entre 76 e 2001.

24 - A interpretação que o Acórdão recorrido fez dos arts. 19 e 24 da Lei 80/77 de 26/10 no sentido de que a cortiça extraída de 76 a 87, é actualizada através dos juros previstos nesta disposição legal, viola o disposto nos arts. 62 n° 2 e 94 da CRP, uma vez que a indemnização daí decorrente não satisfaz a justa ou a correspondente indemnização, conduzindo a uma indemnização por valores desproporcionais e irrisórios.

25 - Os prédios do recorrente expropriados e ocupados ao abrigo das Leis da Reforma Agrária, foram integralmente devolvidos por direito de reserva e considerados indevidamente abrangidos pelas medidas da Reforma Agrária e não expropriáveis, art. 31 da Lei 109/88.

26 - O direito de reserva restabelece o direito de propriedade tal como existia à data das medidas de expropriação, art. 38 da Lei 77/77 e 14 da Lei 109/88.

27- A demarcação e delimitação do direito de reserva precede a expropriação dos prédios, art. 42 n° 2 da Lei 77/77 e art. 26 n°2 da Lei 109/88, sendo repristinado à data da expropriação.

28 - As expropriações no âmbito da Reforma Agrária destinavam-se à eliminação dos latifúndios e das grandes explorações agrícolas e às finalidades previstas no art. 94 n° 2 da CRP e do art. 50 da Lei 77/77.

29 - Com a devolução integral dos prédios a título de reserva o objectivo do Estado ao proceder à expropriação das terras do recorrente, não se consumou ou concretizou.

30 - No caso do recorrente não teve assim lugar a imposição constitucional prevista no art. 83 da CRP da apropriação colectiva de meios de produção nem a entrega da terra aos pequenos agricultores, às unidades colectivas de produção, ou às cooperativas de trabalhadores rurais, nos termos do art. 94 n° 2 da CRP e art. 50 da Lei 77/77 de 29/09.

31 - Não houve nem se confirmou a apropriação colectiva dos meios de produção previstos no art. 83 da CRP, que presidiu à nacionalização e expropriação dos prédios da recorrente no âmbito da Reforma Agrária.

32 - A indemnização devida ao recorrente não decorre de apropriação colectiva dos meios de produção com vista à eliminação dos latifundiários na ZIRA, como concluiu o Acórdão recorrido, pelo que não está sujeita ao critério de cálculo da indemnização do art. 94 da CRP, mas ao art. 62 n° 2 da CRP.

33 - A intervenção e gestão do Estado durante a privação temporária dos prédios também não se enquadra nas medidas de intervenção transitórias previstas no art. 11 do Dec.-Lei 406-A/75 de 27/07, uma vez que não se verificou por parte do Estado uma intervenção na exploração agrícola da recorrente e nos seus meios de produção.

34 - O conteúdo do direito de propriedade garantido pelo art. 62 n° 2 da CRP abrange também o direito à não privação temporária do direito de propriedade, fundamento da indemnização objecto deste recurso constitucional.

35 - No caso dos autos, não chegou a haver lugar à expropriação ou nacionalização de prédios no âmbito da Reforma Agrária, mas tão só à privação do uso e fruição dos prédios, durante a qual o Estado recebeu os valores da cortiça extraída nos prédios dos recorrentes.

36 - A indemnização do recorrente não tem como fundamento a perda de património a favor do Estado por expropriação, mas advém da ocupação ilícita dos prédios donde resultou a privação do uso e fruição de rendimentos, nomeadamente os valores da cortiça que o Estado vendeu e arrecadou.

37 - À indemnização devida ao recorrente é aplicável o art. 62 n°2 da CRP.

38 - A aplicação do art. 62 n° 2 implica que os valores das cortiças extraídas durante a privação dos prédios deveriam ser actualizados, pelo menos para valores de 94/95, em analogia com o que se passou com os demais componentes indemnizatórios no âmbito da Reforma Agrária, art. 3 n° 1 c) da Portaria 197-A/95 de 17/03 e Dec.-Lei 2/78 de 09/01, para alcançar a justa...

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